Por Fim a Alegria de Saber Que Não Há Felicidade no Mundo |
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Ajaan Brahmavamso Somente para distribuição gratuita. Este trabalho pode ser impresso para distribuição gratuita. Este trabalho pode ser re-formatado e distribuído para uso em computadores e redes de computadores contanto que nenhum custo seja cobrado pela distribuição ou uso. De outra forma todos os direitos estão reservados. |
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Esta noite gostaria
de falar sobre as Quatro Nobres Verdades, (o sofrimento, a sua causa, o seu fim
e o caminho que conduz ao seu fim). Próximo do final de qualquer retiro, quer
seja um retiro das chuvas de três meses ou um mais curto, vale a pena trazer a
atenção dos meditadores para o núcleo do ensinamento do Buda. Trazer a atenção
para esse ensinamento profundo e maravilhoso pode ser o suficiente para levar o
meditador a dar aquele passo que falta para a completa compreensão, o completo
conhecimento e a plena realização do Dhamma. Dessa maneira, vocês poderão ver
aquilo que o Buda viu sob a Figueira-dos-Pagodes. E isso os qualificará para
entrar na correnteza e fazer a transição para a condição de Pessoa Nobre, (Ariya-puggala)
– que ocorre com a visão desse profundo e poderoso ensinamento das Quatro Nobres
Verdades. É óbvio que primeiro é importante ter o conhecimento teórico das
Quatro Nobres Verdades, e cada um de vocês possui esse conhecimento teórico. Eu
vou tentar ampliar e aprofundar esse conhecimento através desta palestra. Por fim a alegria
... Quando eu estava
para começar esta palestra me veio à mente uma fotografia bem conhecida do meu
mestre,
Ajaan Chah, (um mestre de meditação Tailandês), visitando o seu primeiro
monastério na Inglaterra. Nessa foto, ele está com os braços levantados acima da
cabeça imitando uma estátua dum outro monastério. Abaixo dessa estátua se pode
ler “Por fim a alegria de saber que não há felicidade no mundo.” Vou começar desse
ponto porque, muito freqüentemente, na nossa vida e na nossa prática nos
encontramos em busca da felicidade no mundo. Procuramos pela felicidade em
tantos lugares distintos, de tantas formas distintas e sempre nos lugares
errados. Com o tempo, compreendemos que por não encontrarmos a felicidade nesses
lugares, não significa que existe algo de errado conosco. Não quer dizer que
sejamos incompetentes ou desesperançados. O insight mostrará que não é possível
alguém encontrar a felicidade nos lugares onde estivemos procurando. A mente
compreende que o mundo só pode ser dukkha, (sofrimento). A pessoa sábia,
ao invés de ficar aflita por conta desse sofrimento e de se entregar a esse
sofrimento, contempla o que o Buda disse acerca do sofrimento, as Quatro Nobres
Verdades. Em outras palavras, ela busca compreender todo esse processo de
sofrimento.
Algumas vezes o
sofrimento pode ser doloroso, penetrando fundo até os ossos, até mesmo mais
fundo do que os ossos, indo até a origem do que pensamos que somos. O sofrimento
cala tão fundo e causa tantos problemas que é um alívio enorme descobrir que é
assim mesmo, que não há nada de errado nisso. Essa é a natureza do mundo. E o
que você esperava? Algumas vezes nos
comportamos com a falsa expectativa de que se formos hábeis o suficiente, se
formos espertos o suficiente, se obedecermos às regras e fizermos todas as
coisas certas, de alguma forma teremos uma vida feliz. Algumas vezes pensamos
que todos os demais são felizes exceto nós. Com freqüência as pessoas neste
monastério pensam, “Sou capaz de apostar que todos neste monastério já
experimentaram jhana, exceto eu”. O que precisamos entender é que não há nada de
especial a nosso respeito, à medida que a nossa prática neste monastério se
desenvolve, essas são coisas com as quais todos temos que lidar. Ajaan Chah
disse que quando chegamos num monastério pela primeira vez e começamos a
praticar com seriedade, nós podemos esperar o sofrimento. Estamos indo contra a
correnteza e podemos prever que sentiremos a pressão das contaminações, da mesma
maneira como quando caminhamos contra o vento, sentimos a sua força contra o
nosso corpo. Esse é um indício de que estamos avançando. O Poder da
Sabedoria é melhor que o Poder da Força de Vontade Vocês irão descobrir
que quando o sofrimento surge, vocês têm duas opções. Podem tentar fugir do
sofrimento ou investigá-lo. Ajaan Maha Boowa,
(um mestre de meditação Tailandês, contemporâneo), só dava palestras quando a
ocasião era especial. Tenho certeza que quando fui visitá-lo, como monge júnior,
essa foi uma dessas ocasiões, pois ele pediu a um dos seus monges sênior do
Ocidente que traduzisse para o monge visitante, no caso eu. Por sorte, eu já
tinha fluência no Tailandês e assim pude entender perfeitamente aquilo que Ajaan
Maha Boowa disse. A história que ele contou – que assumi ser em meu benefício –
acabou se revelando bastante instrutiva ao longo de toda a minha vida monástica.
Ele falou dele mesmo,
como monge júnior na época de Tan Ajaan Mun, (mestre de meditação Tailandês e
‘fundador’ da moderna tradição de florestas na Tailândia). Ele disse que certa
vez teve malária e ao invés de só ficar deitado na cama, no estilo típico de
Ajaan Maha Boowa ele decidiu lutar contra a doença, enfrentá-la e conquistá-la
com a sua força de vontade. Assim, ele se levantou, saiu da sua cabana, pegou
uma vassoura e começou a varrer embora estivesse suando e tremendo. Tan Ajaan
Mun o viu e ordenou que ele parasse. Mais tarde, naquela noite, Ajaan Mun deu
uma palestra para os monges dizendo: “Existem algumas pessoas neste monastério
que nasceram boxeadores e que não mudaram”. É claro que ele se referia a Ajaan
Maha Boowa que havia sido um boxeador na vida laica. Ajaan Mun disse que esse
não é o método Budista. Ele de fato disse que esse é o método dos iogues hindus.
O método Budista é investigar o sofrimento e não, lutar contra ele. Porque se
lutarmos descobriremos que obteremos só mais e mais sofrimento. Ao invés disso,
devemos usar o poder da sabedoria no lugar do poder da força de vontade. O poder
da sabedoria é quase sempre muito mais eficaz porque provém de um lugar bom. O
poder da força de vontade, em quase todos os casos, provém do ego, do eu, e não
podemos esperar que, provindo de uma fonte tão desafortunada, produza bons
resultados.
Usar o poder da
sabedoria significa lembrar-se dos Ensinamentos e olhar para a nossa experiência
dentro do contexto desses ensinamentos, o contexto das Quatro Nobres Verdades. O
Buda ensinou que o nascimento é sofrimento, que envelhecimento, enfermidade e
morte são sofrimento. E todo o demais que está no entremeio também é sofrimento.
Em resumo, a vida é sofrimento. Portanto, quando o sofrimento surge – como
desapontamento, como frustração, como solidão ou depressão, ou como a
especulação sobre o que deveríamos estar fazendo – estamos vendo uma verdade
básica da natureza que todos os seres humanos, quer estejam num monastério ou
fora dele, precisam enfrentar de tempos em tempos nas suas vidas.
Há aquelas ocasiões
nas quais ficamos sem saber o que fazer porque o sofrimento é demasiadamente
intenso. Como Ajaan Chah costumava dizer, “Você não consegue ir para a frente,
você não consegue ir para trás, você não consegue ficar parado” – não sabemos o
que fazer. Essa é uma ocasião belíssima. É o momento em que podemos realmente
compreender a que o Buda se referia – sobre o sofrimento da vida. O que deve ser
feito quando o sofrimento surge é investigar. Investigar significa vigiar e
observar em silêncio. Precisamos observar sem interferir, sem envolvimento,
porque se nos envolvermos não estaremos observando com plenitude. Isso exige coragem e
força para nos mantermos firmes só observando. Uma das coisas que poderemos
notar é que o sofrimento passa e ele sempre passa dando lugar para a felicidade.
Esse é o jogo do samsara, (a perambulação perpétua de uma vida para uma outra
vida), o jogo do dia e noite, do calor e frio. Essa é a dualidade básica das
experiências. Não há escapatória disso neste mundo ou em qualquer outro mundo.
Isso irá sempre nos seguir, essa dualidade das experiências.
O Buda disse que
obter aquilo que não queremos é sofrimento e não obter aquilo que queremos
também é sofrimento. Com freqüência me pergunto, “Exatamente o que é que eu
quero?” Eu uso isso como se fosse um mantra na meditação andando ou quando me
sento e a minha mente está inquieta. “O que é que eu quero?” Já estou neste
mundo o tempo suficiente – quarenta e oito anos – e já experimentei muito deste
mundo. Não nasci num monastério e de tudo aquilo que experimentei e vi, de tudo
que aprendi, eu sei que não há nenhum canto neste mundo onde eu possa encontrar
a felicidade. [1] Por sua própria
natureza a experiência sensual será sempre uma decepcção e sei que se quiser
algo que o mundo nunca poderá me proporcionar, eu vou sofrer. Quando cobiço algo
inalcançável, sei que estou apenas me torturando mais do que o necessário.
Maquiando o
Espelho Ao invés de cobiçar
outras coisas aprendemos a ficar satisfeitos com aquilo que temos. Quando
falamos sobre satisfação ou contentamento, estamos nos referindo à Terceira
Nobre Verdade. A Terceira Nobre Verdade é abrir mão da cobiça. Contentamento é
abandonar o desejo por alguma outra coisa. É aprender a estar em paz com aquilo
que temos. É nesse ponto em que nesta peleja – e é sempre uma peleja – podemos
estar em paz. Como podemos estar satisfeitos quando tudo dá errado? Como podemos
estar satisfeitos quando o corpo está ardendo com dores? Como podemos estar em
paz e satisfeitos quando a mente fica maluca com tantos pensamentos? Mesmo
nessas situações poderemos encontrar o contentamento ao nos soltarmos, soltarmos
do ‘controlador.’ Eu mencionei um
símile para algumas senhoras Tailandesas na semana passada. Mencionei esse
símile para aquelas senhoras porque algumas delas são muito vaidosas – vocês
todos já observaram como elas se vestem quando vêm ao monastério. Eu disse a
elas que é como quando alguém olha para si mesma num espelho e vê uma pessoa
muito feia, mas ao invés de fazer algo em relação à própria cara, ela maquia o
espelho. A pessoa tenta fazer com que o espelho tenha boa aparência! É claro que
isso é uma total perda de tempo. O espelho poderá refletir uma boa aparência
durante algum tempo com toda aquela maquiagem, mas ao caminhar para algum outro
lugar e se olhar num outro espelho, a pessoa estará de volta à mesma situação
anterior. Maquiar o espelho é o mesmo que tentar solucionar o ‘exterior’ através
da cobiça, ao invés de tentar solucionar o ‘interior’ através da satisfação.
Ao longo dos últimos
dezesseis anos, trabalhei muito duro - extremamente duro, como muitos de vocês
estão cientes – na construção deste monastério. Tem sido uma completa perda de
tempo tentar fazer um monastério perfeito, ou mesmo tentar fazer um monastério
adequado, porque ele nunca está satisfatoriamente bom. O modo como o desejo
opera, a Segunda Nobre Verdade, é levando-nos a pensar que se tentarmos fazer um
pouco mais, se nos esforçarmos mais, trabalharmos duro por só mais um dia, aí
tudo sairá perfeito. “Só vou trabalhar mais um ano e aí pagarei a hipoteca da
minha casa.” “Eu irei só a mais um retiro de meditação, isso é tudo que
necessito, e aí obterei os jhanas.” “Preciso tomar só mais estes medicamentos e
então terei saúde novamente.” Podemos adiar a doença durante algum tempo, mas
não poderemos nunca escapar dela. Essa é a natureza do corpo. Podemos adiar o
sofrimento durante algum tempo, mas não poderemos escapar dele nunca dessa
maneira. É só um adiamento.
A Felicidade e o
Sofrimento dos Sentidos são apenas Contraste – Isso é Tudo
Faz parte da
natureza do ser humano ter sofrimento e felicidade em doses aproximadamente
proporcionais. Se neste momento estamos sofrendo, é devido a alguma felicidade
que tivemos antes e que foi perdida. A felicidade nada mais é do que o fim do
sofrimento, da mesma forma que o sofrimento nada mais é do que o fim da
felicidade. Seguimos dando voltas nesse ciclo ao longo das nossas vidas. Esse fato
existencial é a razão pela qual o Buda diz na Primeira Nobre Verdade que os
cinco agregados, (khandhas), que constituem um ser humano, são sofrimento.
Por sua própria natureza eles são sofrimento. Portanto, se alguém vem para uma
entrevista comigo e diz que está enfrentando uma situação horrível, com
freqüência tenho vontade de dizer, “É claro, e o que há de errado nisso?” Ajaan
Chah costumava dizer que é como alguém que quer ser um soldado e se alista no
exército, para depois reclamar que está recebendo tiros e ferimentos. O que ele
esperava ao se alistar no exército? Isso é o que acontece. O que esperamos
quando nos tornamos seres humanos? Sofrimento.
No mundo, algumas
vezes as pessoas fogem do sofrimento, elas tentam se esconder. Perguntamos como
elas estão e elas dizem, “Eu estou muito bem hoje”, embora estejam enfrentando
um divórcio, psicoterapia, quimioterapia ou coisa parecida. Elas continuam
afirmando que “estão muito bem” porque isso é o que se espera que digamos, neste
mundo. Isso é o que se espera de nós. Se as pessoas fossem realmente honestas,
perguntaríamos como estão e elas responderiam, “Eu me sinto terrível hoje –
tenho dor de cabeça, meu estômago dói, tenho todo os tipos de problemas com a
família, eu me sinto muito mal.” Se a maioria das pessoas fosse honesta, isso é
o que elas diriam. Se elas realmente tivessem consciência do que está
acontecendo, isso é o que elas diriam. Não há nada de errado em reconhecer o
sofrimento da existência. É ser honesto e ter a coragem de enfrentar a verdade.
Quantas pessoas que
conhecemos se sentem felizes – realmente felizes, realmente satisfeitas? Não só
as pessoas que dizem estarem felizes, mas as pessoas que realmente estão felizes.
As únicas pessoas que encontrei, nesses meus quarenta e oito anos de vida, que
eram felizes eram os Iluminados, (Arahants), que tive a boa fortuna de
conhecer. Fora esses, ninguém! Quando compreendermos isso, compreenderemos a
Primeira Nobre Verdade, que a natureza da vida em si é sofrimento, e
compreenderemos isso no seu significado mais profundo.
Nós temos este mundo
dos cinco sentidos. Quando o analisamos da maneira que o Buda nos propôs, usamos
a sabedoria para perguntar, “Bem, afinal, o que é este mundo? Este mundo é
composto da visão, som, sabor, toque, aroma e mente” Quando analisamos desse
modo, podemos constatar que aquilo que vemos, ouvimos, saboreamos e tocamos, por
sua própria natureza, é parte da dualidade, felicidade e sofrimento. Até mesmo a
comida que nos servem aqui, que é tão saborosa, depois de algum tempo pasa a não
ser boa o suficiente. Se só tivéssemos aqui comida estragada como tive nos meus
primeiros anos como monge, até isso apreciaríamos depois de algum tempo. É
somente um contraste e isso é tudo. A felicidade e o sofrimento dos sentidos são
apenas um contraste.
Eu conheci pessoas
que estiveram em excelentes restaurantes e porque a comida não estava no mesmo
padrão da semana anterior, elas ficaram contrariadas e reclamaram. Enquanto que
outras pessoas ficariam felizes em ter algo que comer porque faz dias que elas
não comem. Com a mesma comida, porque é que algumas pessoas encontram a alegria
e outras o sofrimento? Apenas um contraste e isso é tudo! O que quer que
tomemos como representante da felicidade no mundo tem a mesma natureza. Tomemos
o prazer sexual, a maior parte dele consiste apenas da excitação do desejo
antecipado. Quando aquela satisfação é alcançada ela se exaure em pouco tempo. O
desejo sexual é basicamente como a fome, a sede, é um estado de separação
daquilo que queremos, e tomamos isso como felicidade! Aquilo que o Buda disse
ser sofrimento, nós tomamos como felicidade! É o desejo que
tomamos por felicidade. Mas na verdade, o desejo, a sede, o estresse de tentar
alcançar e obter algo que está sempre fora do nosso alcance é sofrimento.
Desejar é sofrimento. Tentar alcançar aquilo que desejamos, a manipulação, o
pensamento, o planejamento, tudo isso é sofrimento.
Quanto tempo
perdemos neste retiro das chuvas planejando, manipulando e pensando sobre como
poderemos obter aquilo que queremos? Quanta liberdade não teríamos se não
tivéssemos nenhum desejo em absoluto e não necessitássemos planejar? Quando toda
manipulação ou desejo for abandonado, poderemos compreender a paz e o
contentamento que surgirão? Extraindo a
Flecha Muitas vezes, quando
há uma dor intensa no corpo ou quando há uma grande perturbação na mente, um
meditador hábil pode simplesmente dizer, ‘pare’! Ele é capaz de abandoná-la num
instante e parar de lutar, parar de desejar, parar de tentar controlar. Mas ao
experimentar uma dor intensa vocês poderão pensar que estão enlouquecendo e
assim acabam lutando ainda mais. Perguntem a si mesmos, o que há de errado em
sentir uma dor intensa ou ficar desapontado? A resposta é, não há nada de errado.
Essas coisas são parte natural da vida. São inevitáveis. Portanto, abandonem o ‘controlador’. Quando você abandona
o controlador e pára de desejar, uma coisa estranha acontece. A loucura pára e a
dor desaparece. Isso aconteceu comigo certa vez com uma dor muito intensa. Cedo
ou tarde todos os monásticos passam por isso. Alguns só querem fugir, mas eles
sabem que não podem fazer isso. É o caso de querer ir para diante, mas não poder
ir para diante, querer ir para trás, mas não poder ir para trás, querer ficar
parado, mas não poder ficar parado. Não sabemos o que fazer! Não podemos ir para
diante, não podemos ir para trás, não podemos ficar parados - nesse ponto é que
nos soltamos. Ao nos soltarmos, descobrimos que metade do sofrimento provinha do
fato de querermos lutar contra. O Buda disse que há
duas flechas que causam o sofrimento num ser humano (SN
36.6). A primeira flecha é a flecha dos cinco sentidos que é o sofrimento
físico. A segunda flecha é a flecha mental. Existe a flecha de ter uma doença,
de sentir dor e ter que ouvir, ver, saborear, cheirar e tocar coisas
desagradáveis. Em seguida vem a proliferação mental que surge em torno daquilo
que é a dor mental. É muito importante notar a dor física – ver aquilo que não
queremos ver, ouvir aquilo que não queremos ouvir e fazer aquilo que não
queremos fazer. E é importante reconhecer que não há muito que possamos fazer a
respeito disso. Por exemplo, quando eu era um monge júnior pensava que se algum
dia me tornasse um abade eu estaria numa situação muito boa porque poderia então
fazer aquilo que eu quisesse. Eu daria todas as ordens e só daria aquelas ordens
que eu desejasse. Por ironia descobri que quanto mais autoridade eu tinha, mais
me sentia como se estivesse numa prisão! Eu não podia fazer o que eu queria. Eu
tinha responsabilidades. Eu era até mais controlado pelas situações do que
antes. Assim, no final compreendi que tinha que desistir de tentar controlar, de
tentar fazer com que de alguma forma as coisas fossem diferentes.
Solte-se de tudo,
fique apenas com o momento presente. Vocês irão descobrir que se puderem se
soltar da dor e permitir que ela ali esteja, a situação toda muda. A primeira
vez que fiz isso como monge na Tailândia, foi com uma dor de dente. Assim que
consegui me soltar dela, a dor desapareceu. Foi um evento bastante
extraordinário na minha vida monástica, ver a dor intensa de repente desaparecer
– só através do poder da sabedoria. Ajaan Chah e outros monges eminentes,
seguindo o exemplo do Buda, sempre ensinavam a Terceira Nobre Verdade como o
caminho para o fim do sofrimento, isto é, soltar-se do desejo. Eles repetiam
isso continuamente, mas a teoria nunca tem tanto poder quanto a prática.
Se realmente nos
soltarmos de tudo, todo o o problema simplesmente desmorona – se dissipa e
desaparece. Esse é um belo momento de insight. Não o insight baseado no
pensamento ou teoria, mas o insight baseado na experiência. Por um momento
abandonamos o sofrimento porque não lutamos. Portanto, a Segunda e Terceira
Nobres Verdades não são apenas algo para ser pensado, escrito e teorizado, elas
devem ser praticadas, especialmente a Terceira Nobre Verdade sobre o soltar-se
de tudo. É por isso que neste
monastério tenho ensinado meditação objetivando o abandono do ‘controlador’,
particularmente na meditação mais profunda, quando por descuido podemos ficar
excessivamente empenhados em tentar acalmar a respiração, ou em fazer com que
algum tipo de imagem mental, (nimitta), apareça, movendo-a para um lado
ou outro. Para que fazemos isso? – ou melhor, quem está fazendo isso? À medida
que formos olhando com mais profundidade para o problema, poderemos vir a ter
sabedoria e coragem suficiente para nos soltarmos. Todos os meditadores, que até
hoje vieram até mim, para dizer que alcançaram algum estágio de meditação
profunda, sempre disseram que foi porque eles se soltaram de algo – deste ‘controlador’,
deste ‘fazedor’.
As Quatro Nobres
Verdades só podem ser ensinadas em profundidade para uma pessoa que tenha feito
muita meditação, porque o sofrimento, a sua causa e o fim do sofrimento só podem
ser vistos através da prática, através do abandono do sofrimento. Quando estamos
meditando estamos abandonando o mundo. Durante algum tempo estamos nos soltando
de uma flecha, a flecha do sofrimento físico, quando penetramos o mundo da mente. Desencantamento
em Relação a essa Coisa que Chamamos de Existência O Buda sempre dizia
que os cinco agregados são sofrimento. Eu conheço alguns monges que dizem que
somente o apego aos cinco agregados é sofrimento, e não os agregados em si. Nós
acabamos de recitar o
Anattalakkhana
Sutta (SN 22.59), um belo sutta que diz de forma muito clara que não é
apenas o apego aos agregados que é sofrimento: é a forma, (rupa), este
corpo em si, que é sofrimento, a sensação, (vedana), é sofrimento, a
percepção, (sañña), a consciência, (viññana), e as formações
mentais, (sankhara), são sofrimento. Todas as formações são sofrimento, (sabbe
sankhara dukkha;
AN 3.134). Se virmos isso,
ficaremos desencantados, (nibbida), com esses agregados. Desencantamento
significa que vemos que os cinco agregados são apenas um punhado de sofrimento.
Ver realmente isso significa ficarmos fartos, ficarmos desinteressados,
repelirmos esses cinco agregados! Não só um deles, mas todos os cinco,
especialmente os agregados mentais. Porque sempre queremos ir para o mundo e
obter mais sensações, mais emoções e mais experiências? “Vamos sair e assistir
um filme e obter mais experiências. Vamos conseguir uma esposa, um marido e ter
filhos. Você não desfrutou da vida enquanto não teve filhos,” assim dizem as
pessoas. Isso é estúpido! Isso é só para obter mais sensações com as quais se
preocupar, com as quais se involver, torturando a si mesmo. O ponto central da
prática Budista, expresso na Terceira Nobre Verdade, é se soltar da sensação, se
soltar da percepção, acalmar as formações mentais e eliminar a consciência,
fazer com que tudo isso tenha um fim.
Algumas vezes me
complico ao dizer que a consciência é sofrimento. Gosto de usar a televisão como
uma metáfora para a consciência. Se realmente formos investigá-la, veremos que
não se trata de um “televisor” contendo seis distintos programas, isto é, ver,
ouvir, cheirar, saborear, tocar e pensar, mas são seis tipos de televisões
completamente distintas com apenas um tipo de programa em cada uma. Assim é como
podemos ver o que na verdade é a consciência. Sempre que houver consciência
haverá sofrimento. “A consciência é a condição para o sofrimento”, (viññana
paccaya dukkha), tal qual afirma o Sutta Nipata, (734-735). Se
compreendermos isso, saberemos o perigo, (adinava), na consciência e
então ficaremos desencantados em relação à consciência. O mundo, a vida, não
importa como os organizemos, sempre terminam em sofrimento. Obtemos a nossa
quota de felicidade, depois sofrimento, depois felicidade, depois sofrimento, em
qualquer um dos mundos. Mesmo se obtivermos a bem-aventurança dos jhanas ela não
dura, pois, em algum momento temos de sair desses estados. Desfrutamos de um
belo retiro de duas semanas e depois de regressar descobrimos o quanto de
trabalho temos por fazer. Não importa quão elevados tenhamos estado durante o
retiro, temos que descer. Essa é simplesmente
a natureza da vida. Portanto, aquilo que na verdade vemos quando usamos o poder
da sabedoria é que, em qualquer lugar do mundo, não importa o que façamos, em
última instância tudo que temos é sofrimento. Ajaan Chah costumava contar a
história de um cachorro sarnento. A sarna coça tanto que o cão fica debaixo do
sol para tentar se livrar da sarna. A coceira não pára, então ele fica debaixo
da chuva. A coceira não pára, então ele se enfia debaixo de uma pedra, na
floresta, no vilarejo, mas é claro, onde quer que ele vá, ele leva consigo a
sarna. Não importa para onde vamos, neste mundo ou em outros mundos, este
sofrimento que experimentamos agora seguirá conosco. Não há escapatória porque o
sofrimento é inerente à existência humana e mesmo à existência dos devas, (seres
celestiais). Quer entremos em
Jhanas ou não, ainda existe o sofrimento. Depois de passar algum tempo
observando todos os diferentes aspectos e todos os diferentes tipos de
felicidade que podem ser encontrados no mundo – sexo, drogas, rock and roll, até
mesmo os níveis mais bem aventurados da felicidade meditativa – veremos que cada
um deles é por sua própria natureza impermanente e que portanto conduz ao
sofrimento. Depois de algum tempo compreendemos aquilo que o Buda dizia: forma é
sofrimento, sensação é sofrimento, percepção, formações mentais e consciência
são sofrimento – toda essa cambada é sofrimento.
Quando realmente
vemos o sofrimento e que o sofrimento estará conosco aonde quer que formos,
então ficaremos desencantados com essa coisa que chamamos de existência.
Descobriremos que, quer seja nos mundos dos devas ou nos mundos dos infernos, ou
no mundo humano, é como o cachorro que vai para diferentes lugares para se
livrar da coceira. Só que, alguns mundos são mais penosos que outros, mas todos
os mundos doem. Quando o mundo do Jhana desmorona, surge a dor e o sofrimento.
Quanto mais sublime for a felicidade desfrutada, mais sofrimento haverá quando
aquela felicidade desaparecer. É como as pessoas no mundo, quanto mais elas amam
alguém, mais elas sofrem quando aquela pessoa morre. Quanto mais amarmos a nossa
existência nos grandes mundos dos Jhanas, nos elevados mundos dos devas, (brahmaloka),
mais sofrimento haverá quando aquela existência desmoronar e desaparecer. Essa é
a natureza da experiência. Depois de algum tempo compreendemos que todo o
propósito do ensinamento do Buda é dar um fim ao sofrimento através do fim do
nascimento – encontrar a causa do nascimento e eliminar essa causa.
Porque Desejar o
Sofrimento Quanto a esta vida
em particular que agora temos, estamos presos a ela. Se tentarmos dar um fim
nela antes do tempo, só o que obteremos é uma outra vida, e teremos de passar
por todas as mesmas coisas novamente. Essa não é a maneira de dar um fim à vida,
através do suicídio. Damos um fim à vida extirpando o desejo, extirpando a causa.
Se investigarmos as coisas de acordo com a Origem Dependente, (Paticca
Samuppada), veremos como acontece o renascimento e qual é o processo que nos
conduz a uma outra vida no futuro. Nós já estamos alimentando esse processo,
agora, com a delusão de um ego e com a delusão de que existe a felicidade em
algum lugar no mundo. O desejo está baseado na mentira de que em alguma parte,
algum lugar, pode haver felicidade, pode haver realização, pode haver aquilo que
realmente queremos. Aquilo que na verdade estamos procurando no mundo, “está
logo ali, em algum lugar”, assim pensamos. E por essa razão sentimos desejo.
Se soubéssemos que
não há felicidade no mundo - em nenhuma parte, em nenhum lugar – porque
sentiríamos desejo? Todas as variadas formas de desejo seriam eliminadas. Se
realmente víssemos que “todas as formações são sofrimento” se pudéssemos
verdadeiramente entender e aceitar isso plenamente, seria o fim do desejo.
Porque deveríamos desejar dukkha? Só desejamos aquilo que pensamos ser a
felicidade. Essa “felicidade” tem nos queimado vida atrás de vida.
Quando pergunto a
mim mesmo o que realmente desejo, eu sempre obtenho a mesma resposta. O que
realmente quero é mais dukkha. “Monge estúpido, cale a boca!” Ver que estamos
buscando e procurando mais dukkha é uma boa maneira de dar fim ao desejo.
Podemos de fato ver que a delusão, (avijja), é pensarmos que vamos
conseguir a felicidade. Mais uma vez, se virmos com claro entendimento que o que
realmente desejamos é sofrimento, poderemos abrir mão do desejo. Afinal, o que é
que queremos do mundo? O que realmente desejamos? O que estamos buscando é
apenas mais sofrimento. Abandonemos isso! A Renúncia Conduz
à Paz
Ao meditarmos, nos damos conta que os momentos mais felizes, aquelas situações nas quais chegamos mais próximo da real felicidade, acontecem quando sentimos contentamento. Descobrimos que na vida podemos ser felizes com muito pouco. Na verdade, quanto menos temos, mais felizes podemos ser. É por isso que o caminho da renúncia e do abandono supera o do desejo. Esse é o caminho da Terceira Nobre Verdade – a renúncia conduz à paz. Pratique esse princípio na sua vida. Toda vez que houver algum sofrimento, é nesse ponto que você deve renunciar. Afinal, a que nos estamos apegando? Vamos abrir mão de algo, vamos nos soltar de algo, sentir contentamento. Assim que sentimos contentamento, o problema estará resolvido. Não precisamos pensar a respeito, é só estar em paz com o que quer que aconteça. Quem sabe, talvez alguém tenha sido contratado para me dar uma surra hoje. Está bem, eu posso aceitar isso. Qualquer coisa que nos aconteça, se estivermos familiarizados com o contentamento, então saberemos o caminho para a libertação do sofrimento. Essa é a Terceira Nobre Verdade. Não pensemos nela, pratiquemo-la, soltemo-nos do desejo. Se alguma vez houver algum problema na meditação ou na nossa vida, ao invés de tentarmos outras soluções para superar o sofrimento, tentemos ‘A solução da Terceira Nobre Verdade’ – soltemo-nos daquilo, soltemo-nos do desejo. Novamente, estamos desejando algo e isso está causando sofrimento, então abandonemos isso. Investiguemos aquilo que desejamos, aquilo que realmente desejamos, saberemos o que está fazendo com que soframos. Abandonemos isso! “Eu quero ter saúde”
- abandone isso! Sinta contentamento por estar enfermo. “Está bem. Estou doente.
Vamos ver quão enfermo posso ficar!” Esse tipo de atitude faz com que Mara [2]
fique realmente preocupado. Quando fazemos esse tipo de coisa, esta é a resposta
que recebemos, “Deixe disso, não seja estúpido, você vai ficar ainda mais doente
e vai doer ainda mais.” Vejamos quão enfermos podemos ficar. Esse é o tipo de
contentamento que vai na direção oposta do desejo. Isso é o que é a libertação.
Não Construa uma
Casa para o Futuro “Cegos pela delusão,
agrilhoados pelo desejo,” nós na verdade criamos e nos apropriamos das nossas
“casas” para o futuro (Dhp 153-154). Essa criação de uma casa para o futuro é
bhava, (ser/existir). É como quando construímos cabanas aqui no monastério,
temos que primeiro construir a cabana antes que alguém possa morar nela.
Construímos a nossa existência futura nesta vida através da delusão e do desejo.
Estamos criando kamma, (ações volitivas), e criando bhava para uma
vida futura. Estamos apenas criando uma casa para o futuro. É por isso que
ouvimos – e isso provém direto dos ensinamentos do Buda – que para aquelas
pessoas que realizam grandes méritos há uma mansão celestial, (vimana),
que os aguarda nos mundos paradisíacos. Para aqueles que criam kamma ruim os
caldeirões com líquido fervente já estão sendo aquecidos, aguardando que eles
caiam nos infernos. Nós já estamos criando as nossas casas para o futuro.
Se vocês realmente
forem pessoas sem-casa, um anagarika, vocês deveriam não só vender a casa
que possuem neste mundo, mas deveriam se certificar que não estão construindo
casas para as suas fantasias, sonhos e esperanças de algum tipo de felicidade em
algum momento no futuro. Outra vez, com esses sonhos e fantasias estamos na
verdade criando as condições, estamos construindo a casa, construindo a
existência na qual iremos renascer. Não devemos subestimar o poder da mente para
criar mundos de existência. “A mente é a precursora e o chefe” (Dhp 1-2). A
mente é a coisa principal. O mundo existe na mente. A mente é capaz de criar
mundos completos, universos completos, estados de existência completos através
da delusão e do desejo.
O Buda sempre dizia
que, porque estivemos fartos, porque estivemos deprimidos até o enlouquecimento,
porque isto e aquilo nos aconteceu, nós choramos mais lágrimas ao longo de todas
as nossas existências do que toda a água contida em todos os oceanos no mundo (SN
15.3). Essa é uma grande quantidade de lágrimas
que derramamos e muito choro. Quando iremos parar de encher os oceanos com
lágrimas? Quando os nossos ossos deixarão de encher os cemitérios? Quando virmos
as Quatro Nobres Verdades. O Buda disse que uma
vez que tenhamos visto as Quatro Nobres Verdades e o sofrimento inerente à vida,
ficaremos desencantados – esse belo e maravilhoso desencantamento, que não busca
um escape para fora, mas ao invés disso um refúgio no interior. Não somos como o
cachorro sarnento que tenta ir para algum outro lugar para livrar-se da sarna e
tampouco como o cachorro sarnento que tenta o suicídio para livrar-se da sarna.
Ao invés disso, estamos tentando nos contentar com a sarna e aprender a viver
com isso ao invés de ir contra isso. Descobrimos que quando nos contentamos com
a sarna, ela desaparece. Através do desejo nos familiarizamos com o sofrimento.
Vendo o sofrimento de forma completa ficamos desencantados. Do desencantamento
surge o desapego, (viraga). Desapego é o desaparecimento de tudo, as
coisas desaparecem, se vão, cessam. É maravilhoso quando começamos a ver as
coisas desaparecerem, todo o mundo desaparecendo e cessando no vazio. É
maravilhoso testemunhar as coisas desaparecendo.
Eu me lembro de
quando ainda jovem, viajei para o sul do México para uma cidade chamada Oaxaca.
Ela era o centro da cultura dos cogumelos alucinógenos, mas eu não estava
interessado nos cogumelos e tampouco os experimentei porque naquela época eu já
era Budista. Eu me lembro de obter uma imagem mental, (nimitta), enquanto
me encontrava num quarto, vendo as paredes e o teto se tornarem como manteiga e
simplesmente derreterem e desaparecerem no nada. Essa foi uma experiência
bastante assustadora na época. Mas foi apenas um indício de que eu estava
começando a entender como funciona a percepção, permitindo que as coisas
desaparecessem, cessassem e se esvaziassem. Tudo aquilo que
assumimos como realidade é uma ilusão. Como disse o Buda, este nosso corpo é
como uma massa de espuma flutuando no rio Gânges (SN
22.95). Apalpamo-la e não encontramos nada ali. Não é nosso, é apenas um
corpo. Apenas sangue e ossos compostos dos alimentos. Olhamos para a sensação e
ela é como uma gota de chuva que cai numa poça d'água. Durante o retiro – no
meio de uma das tempestades – quando cheguei ao fim do percurso da minha
caminhada sob a varanda, chovia muito forte. Havia uma poça com espuma num dos
lados e pequenas bolhas das gotas que caiam da calha. Pensei comigo mesmo que
aquela espuma é como o meu corpo e as pequenas bolhas criadas pelas gotas d'água
caindo na poça são o mesmo que as sensações. Sensação prazerosa, sensação
desprazerosa, entre uma e outra, plof! – e se foi; uma outra e mais outra,
totalmente incerto e fora do meu controle. Sabemos que algumas vezes nos
sentimos felizes e algumas vezes infelizes e não há nada que possamos fazer a
respeito disso nesta vida. É a natureza.
Quanto mais
Renunciamos, mais Felicidade Temos “Por fim a alegria
de saber que não há felicidade no mundo”. Isso significa que não há nada de
errado conosco. Quando de verdade compreendermos isso, poderemos abandonar essa
construção de mais mundos. Quando compreendermos isso na meditação, então,
passaremos a simplificar cada vez mais o mundo. E como poderemos torná-lo ainda
mais simples senão através de uma meditação profunda onde quase não resta nada?
Algumas vezes podemos chegar num ponto onde só resta a respiração e essa é a
única coisa que resta em todo o mundo. Isso é maravilhoso! Algumas vezes podemos
nos soltar da respiração restando apenas uma imagem mental, somente uma “luz”
bela na mente. Ela não desaparece e é completamente estável. Isso é muito belo!
Esse será provavelmente o maior prazer já experimentado. Mas se formos mais
fundo entraremos em Jhana, que é completo, imutável, totalmente satisfatório,
muito simples e realmente prazeroso.
É muito bom ser
capaz de refletir acerca dos Jhanas. No primeiro Jhana ficamos com tão menos do
que tínhamos antes. O abandono é muito grande. Praticamente não resta mais nada
de existência, apenas este pequeno ponto chamado Primeiro Jhana. Entramos no
Segundo Jhana e resta apenas um meio ponto. Quase não estamos presentes e mal
podemos dizer que existimos. Não fazemos nada. Somos como uma pedra, estável,
imóvel. Não há muita coisa acontecendo porque o abandono já é tão grande. Só
resta esse pequeno vestígio de consciência. Descobrimos que esta é a experiência
mais prazerosa até aquele momento. Ao entrarmos no Terceiro Jhana o abandono é
ainda maior. Nós realmente nos entregamos a esse processo de renúncia, (nekkhamma).
Queremos renunciar ainda mais: “Quanto mais posso renunciar?” Compreendemos que
esse é o caminho para a libertação do sofrimento – a renúncia. Compreendemos a
razão – porque no fundo não há ninguém ali. Quando não há um proprietário, as
nossas posses podem ser tomadas por qualquer um. Quando não há um proprietário,
a natureza pode seguir em frente e tomar a nossa felicidade e dar-nos sofrimento,
porque sabemos que mais tarde ela tomará o nosso sofrimento e nos dará
felicidade. Essas coisas não nos pertencem.
Todas as nossas
alegrias e depressões, a nossa sabedoria e loucura, não pertencem a ninguém –
faz parte da natureza. Isso é tudo. Portanto, podemos nos soltar delas e
aprender a conviver com isso, porque sabemos que isso irá mudar. Cada vez que
caímos, sabemos que em breve iremos nos levantar. Cada vez que nos levantamos,
sabemos que cairemos outra vez. Essa é a nossa natureza. Por isso é que podemos
sorrir quando estivermos por baixo, porque sabemos que não irá durar. Por isso é
que podemos ficar em paz quando estivermos por cima, porque sabemos que isso
tampouco irá durar. É deste modo que
devemos lidar com o sofrimento e aprender a abandonar as coisas – compreendendo
que quanto mais as abandonamos, mais felicidade teremos. No entanto isso toma
tempo; temos que nos dar tempo para sermos capazes de fazer isso, temos que ser
pacientes. É um processo natural e cada um de nós já está a caminho. Já
experimentamos sofrimento suficiente neste mundo; portanto, não vamos procurar
pela felicidade nos lugares errados, pois só encontraremos mais sofrimento. Não
sejamos como o cão sarnento. Sentemos e fiquemos num lugar só, observemos o
sofrimento simplesmente desaparecer por si só, sem que tenhamos que fazer o que
quer que seja. A melhor coisa a fazer quando enfrentamos dificuldades como monge
ou monja, ou como anagarika, é simplesmente ficar quieto, sem se mover. Façamos como o Buda
no
Bhayabherava Sutta (MN 4).
Se ele estivesse caminhando e viesse o medo, ele continuava caminhando até que o
medo desaparecesse e só então mudava de postura. Se ele estivesse sentado, não
ficava em pé, ele ficava ali sentado até que o medo declinasse. Se ele estivesse
deitado ou em pé, a mesma coisa. Faça o mesmo quando houver algum sofrimento na
sua vida. Não mude de posição. O que quero dizer é, não faça nada de diferente,
mantenha-se na mesma posição, e eu garanto que qualquer sofrimento que você
estiver experimentando simplesmente desaparecerá. Você descobrirá que o
sofrimento não tem nada a ver com a forma através da qual tentamos manipulá-lo.
Não tem nada a ver com o monastério, com o nosso corpo, com a nossa saúde, com a
nossa idade ou com qualquer outra coisa. Isso é simplesmente o que o sofrimento
faz, ele vem e vai por si mesmo. Não importa o que
quer que sejamos, o que quer que façamos, é a natureza do sofrimento – ele vem
quando tiver que vir. Ele virá sem ser convidado e partirá sem permissão.
Partirá quando tiver que partir, não quando quisermos que parta. Na verdade,
quanto mais quisermos que ele parta, mais tempo ele permanecerá. Ele é assim,
perverso. Na verdade, se o convidarmos e permitirmos que ele fique, ele não mais
nos agüentará e partirá. Essa é a natureza do sofrimento.
Mas é
particularmente importante compreender em profundidade que os agregados em si,
mesmo a consciência, são sofrimento. Quanto menos consciência tivermos, mais em
paz estaremos. Os jhanas são a felicidade suprema que podemos experimentar até
que nos soltemos por completo e alcancemos a cessação, (nirodha samapatti),
onde não existe consciência em absoluto. Os cinco agregados deixam de funcionar
por algum tempo. Uma vez que os agregados tenham parado e emergimos da cessação,
temos que saber – não tem saída – que a consciência é sofrimento, a percepção é
sofrimento, a sensação é sofrimento, o corpo é sofrimento, as formações mentais
são sofrimento, o nascimento é sofrimento, a vida é sofrimento. Portanto, quando
sofremos, isso só prova que o Buda tinha razão. Além disso, você sabe que quanto
mais renunciar, menos sofrimento terá. Isso também prova que o Buda estava certo
outra vez. Se pudermos renunciar por completo, saberemos que a causa de todo
sofrimento futuro foi finalmente superada. Um Trabalhador
esperando pelo Salário No
Para quem ainda não
alcançou isso ou ainda não entrou na correnteza, significa que o sofrimento que
está por vir no samsara é interminável – vida após vida passando pelas mesmas
coisas. Mas não coloque a culpa em outra pessoa pelo seu sofrimento e não se
culpe. Essa é simplesmente a natureza da existência. Empregue a Terceira Nobre
Verdade para se soltar de tudo ou a Quarta Nobre Verdade com as práticas da
virtude, (sila), concentração, (samadhi) e sabedoria, (pañña).
Se mantivermos os preceitos, o sofrimento será reduzido. Se desenvolvermos a
concentração, a nobreza, a persistência e a estabilidade da mente, reduziremos o
sofrimento ainda mais. Se desenvolvermos a sabedoria, daremos um fim ao
sofrimento.
Por Fim a Alegria!
Notas: [1]
É importante compreender que embora falemos sobre a alternância da felicidade e
sofrimento na vida, no final das contas tudo é sofrimento. Uma experiência que
agora é percebida como feliz, devido a algum sofrimento anterior, poderá ser
percebida como sofrimento mais tarde em comparação com algum outro evento ainda
mais feliz. Portanto, num sentido mais amplo, toda experiência é sofrimento. [Retorna] [2]
“Mara…é o ‘sedutor’ no Budismo – ele aparece nos textos tanto como um ser real,
(uma divindade), e como a personificação do mal e das paixões, da totalidade da
existência mundana e da morte.” Nyanatiloka Thera, Buddhist Dictionary [Retorna]
Fonte: Esta é uma versão
editada de uma palestra dada durante o Retiro das Chuvas em 1999, no Bodhinyana
Buddhist Monastery, próximo a Perth, Austrália.
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Source : http://www.acessoaoinsight.net |
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