O Método Básico de Meditação |
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Primeira Parte
Meditação é o processo para lograr o desapego. Na meditação
renunciamos ao complexo mundo exterior para atingir o sereno mundo interior. Em
todos os tipos de misticismo e em muitas tradições, este processo é conhecido
como o caminho para a mente pura e poderosa. Experimentar essa mente pura,
libertada do mundo, é algo maravilhoso e bem-aventurado.
Durante este retiro de meditação haverá um certo trabalho
duro no começo, mas estejam preparados para suportá-lo, sabendo que ele fará com
que vocês experimentem estados muito belos e significativos. Eles valerão o
esforço! É uma lei da natureza que sem esforço não há progresso. Quer sejamos
leigos ou monges, sem esforço não se alcança nada, na meditação ou em qualquer
outra coisa.
Porém, só o esforço não é suficiente. O esforço tem que
contar com a habilidade. E isto significa dirigir a sua energia exatamente para
o lugar certo e sustentá-la ali até que a tarefa esteja concluída. O esforço com
habilidade não causa dificuldades nem perturbações, ao invés disso, produz a
sublime paz da meditação profunda.
Para saber para onde o esforço deve ser dirigido, você
precisa ter um claro entendimento do objetivo da meditação. O objetivo desta
meditação é o silêncio sublime, a tranqüilidade e a clareza mental. Se você
puder compreender esse objetivo, então o lugar onde aplicar o seu esforço, os
meios para atingir o objetivo se tornam muito claros.
O esforço é dirigido para o abandono, para desenvolver uma
mente que tenha a inclinação pela renúncia. Um dos muitos enunciados simples,
porém profundos do Buda, é que “um meditador, cuja mente se incline pela
renúncia, com facilidade alcança Samadhi, (o objetivo da meditação)”.
Esse meditador conquista os estados de bem-aventurança interior quase que de
modo automático. O que o Buda disse é que a principal causa para alcançar a
meditação profunda, para alcançar esses estados poderosos, é a disposição pelo
abandono, para se soltar de tudo, pelo desapego, pela renúncia.
Durante este retiro de meditação, não iremos desenvolver uma
mente que acumula coisas e se agarra a elas, mas ao invés disso, desenvolveremos
uma mente que está disposta a se soltar das coisas, se soltar dos fardos. Fora
da meditação temos de carregar os fardos das nossas muitas responsabilidades,
como um sem-número de malas pesadas, mas durante o período de meditação tanta
bagagem é desnecessário. Portanto, durante a meditação veja se você pode
descarregar tantas malas quantas puder. Pense nessas coisas como fardos, cargas
pesadas que o pressionam. Assim, você terá a atitude correta para deixar essas
coisas de lado, abandoná-las de modo voluntário, sem olhar para trás. Esse
esforço, essa atitude, esse movimento da mente que se inclina pela renúncia, é o
que irá conduzí-lo à meditação profunda. Mesmo durante os estágios iniciais
deste retiro de meditação, veja se você é capaz de gerar a energia da renúncia,
a disposição para se soltar das coisas, e pouco a pouco o abandono ocorrerá. À
medida que na sua mente você abrir mão das coisas, você irá se sentir mais leve,
descarregado e livre. No processo de meditação, esse abandono das coisas ocorre
em etapas, passo a passo.
Se você desejar, poderá percorrer os estágios iniciais
rapidamente, mas muito cuidado, se assim o fizer. Pode ser que, se passar
demasiado rápido pelos estágios iniciais, você perceba que o trabalho
preparatório não foi concluído. É como querer construir uma casa sobre fundações
deficientes. A casa será construída com rapidez, mas também desabará com
rapidez! Portanto, é sábio gastar um bom tempo com os fundamentos e no “primeiro
andar” também, fazendo com que o trabalho de base seja bem feito, firme e
sólido. Assim, ao prosseguir para os andares mais altos, os estados de
bem-aventurança na meditação, também serão estáveis e firmes.
No modo como eu ensino meditação, gosto de começar pelo
estágio bem simples de abrir mão da bagagem do passado e do futuro. Você poderá
pensar que isso é algo tão fácil de ser feito que é básico demais. No entanto,
se você dedicar a essa fase todo o seu esforço, sem sair em disparada para os
estágios mais elevados da meditação, até que tenha alcançado adequadamente o
primeiro objetivo de sustentar a atenção no momento presente, então mais tarde,
você descobrirá que estabeleceu uma fundação muito sólida sobre a qual serão
estabelecidos os estágios superiores.
Abandonar o passado significa não pensar nem sequer no seu
trabalho, na sua família, nos seus compromissos, nas suas responsabilidades, na
sua história, nos bons e maus momentos da sua infância ..., você abandona todas
as experiências passadas ao não lhes dar atenção de forma nenhuma. Você se torna
alguém desprovido de história durante o período da meditação. Você não deve nem
mesmo pensar de onde veio, onde nasceu, quem são os seus pais ou que tipo de
educação teve. Toda essa história é abandonada na meditação. Dessa forma, todos
aqui no retiro se tornam iguais, unicamente meditadores. Deixa de ser importante
quantos anos você pratica meditação, se você é experiente ou principiante. Se
você abandonar toda essa história, então seremos todos iguais e livres. Estamos
nos libertando daquelas preocupações, percepções e pensamentos que nos limitam e
que nos impedem de desenvolver a paz que tem origem no abandono. Portanto, você
finalmente se solta de todas as “partes” da sua história, até mesmo a história
do que ocorreu até agora neste retiro, mesmo a recordação daquilo que aconteceu
há um instante! Assim, você não carregará nenhum fardo do passado para o
presente. Você não está mais interessado e abandona o que quer que tenha acabado
de acontecer. Você não permite que o passado ecoe na sua mente.
Eu descrevo isto assim: fazer da sua mente uma cela
almofadada! Quando qualquer experiência, percepção ou pensamento atinge a parede
da “cela almofadada,” não há rebote. Eles simplesmente afundam no revestimento
almofadado e param exatamente ali mesmo. Assim, não permitimos que o passado
ecoe na nossa consciência, porque estamos desenvolvendo a mente que se inclina
pelo abandono, pela não resistência e soltamento.
Algumas pessoas pensam que se tomarem o passado como objeto
de contemplação, elas poderão de alguma forma aprender algo com isso e
solucionar os problemas do passado. No entanto, você deve entender que sempre
que você observa o passado, invariavelmente o vê através de uma ótica
distorcida. O que quer que você pense ter sido, na verdade não foi exatamente
isso! É por isso que as pessoas discutem sobre o que na verdade aconteceu até
mesmo depois de passados só alguns momentos. Os policiais que investigam
acidentes de tráfego sabem muito bem que, muito embora um acidente possa ter
ocorrido só há meia hora, duas testemunhas distintas, ambas totalmente honestas,
irão apresentar relatos diferentes. Nossa memória não é confiável. Se você
considerar o quão pouco confiável é a memória, então não irá dar muito valor
para o pensar sobre o passado. E assim poderá se soltar disso. Poderá
enterrá-lo, da mesma forma como se enterra uma pessoa que morreu. Você a coloca
num caixão e depois a enterra, ou crema, e isso está acabado, concluído. Não
insista no passado. Não continue a carregar na sua cabeça os caixões dos
momentos mortos! Se você fizer isso estará se desencorajando com pesados fardos
que na verdade não lhe pertencem. Deixe que todo o passado se vá e você terá a
habilidade para estar livre no momento presente.
Quanto ao futuro, as expectativas, temores, planos e
esperanças – solte-se disso tudo. O Buda certa vez disse do futuro “o que quer
que vocês pensem, assim vai ser, será sempre algo distinto!” O sábio compreende
que o futuro é incerto, desconhecido e portanto imprevisível. Com freqüência,
antecipar o futuro é uma completa estupidez, e será sempre uma grande perda de
tempo pensar no futuro durante a meditação.
Quando você trabalhar com a sua mente, irá descobrir que ela
é muito estranha. A mente é capaz de fazer coisas maravilhosas e inesperadas. É
muito comum que meditadores, que estejam enfrentando dificuldades, que não
estejam obtendo muita tranqüilidade, sentar pensando “Lá vamos nós outra vez,
mais uma hora de frustração.” Muito embora eles tenham começado pensando dessa
forma, antecipando o fracasso, algo estranho ocorre e eles experimentam uma
meditação plena de paz.
Recentemente, ouvi o relato da experiência de uma pessoa no
seu primeiro retiro de dez dias. Depois do primeiro dia o seu corpo doía tanto
que ele pediu para ir para casa. O mestre disse “Fique um dia mais e a dor irá
sumir, eu prometo.” Assim ele ficou mais um dia, a dor piorou e ele novamente
queria ir embora. O mestre repetiu “só um dia mais e a dor irá embora.” Ele
permaneceu pelo terceiro dia e a dor ficou ainda pior. Em cada um dos nove dias,
à noite ele ia até o mestre e, sofrendo com muitas dores, pedia para ir embora e
o mestre dizia, “só mais um dia e a dor irá desaparecer.” As expectativas dele
foram totalmente superadas quando no último dia, ao começar a primeira meditação
pela manhã, a dor havia desaparecido! A dor não voltou mais. Ele foi capaz de
sentar por longos períodos sem qualquer dor! Ele ficou surpreso com a maravilha
que é a mente e como esta é capaz de produzir resultados tão inesperados.
Portanto, você não pode antecipar o futuro. Ele pode ser tão estranho, até mesmo
insólito, completamente fora daquilo que pode-se esperar. Experiências como essa
proporcionam sabedoria e coragem para abandonar todos os pensamentos sobre o
futuro e também todas as expectativas.
Quando você estiver meditando e pensando “Quantos minutos
ainda faltam para terminar? Quanto tempo mais tenho de agüentar?” isso será
novamente vaguear na direção do futuro. A dor poderá desaparecer num instante. O
próximo momento poderá ser totalmente livre. Você não pode antecipar o que irá
acontecer.
Ao longo do retiro, você medita durante muitas sessões,
algumas vezes você pensará que nenhuma dessas meditações trouxe qualquer
benefício. Na próxima sessão de meditação você senta e tudo se torna tão
pacífico e cômodo. Você pensa “Uau! Agora posso meditar!”, mas a meditação
seguinte é terrível outra vez. O que está acontecendo aqui?
O primeiro mestre de meditação que tive me disse algo que na
época soou muito estranho. Ele disse que não existe tal coisa como uma meditação
ruim! Ele tinha razão. Todas as meditações que você chama de ruins, frustrantes
e que não atendem às suas expectativas, todas essas meditações são aquelas nas
quais você trabalha duro para receber o seu “salário” ...
É como uma pessoa que trabalha toda a segunda-feira e ao
final do dia não recebe nenhum pagamento. “Para que estou fazendo isso?”, ela
pensa. Ela trabalha toda a terça-feira e não ganha nada. Outro dia ruim. Toda a
quarta-feira, toda a quinta-feira e ainda nada para compensar o trabalho duro.
São quatro dias ruins seguidos. Então, chega a sexta-feira, ela faz exatamente o
mesmo trabalho que antes e no final do dia o chefe lhe dá um cheque. “Uau!
Porque todos os dias não são dia de pagamento?!”
Porque todas meditações não são um “dia de pagamento”? Agora,
você entendeu o símile? É nas meditações difíceis que você acumula créditos,
você acumula as causas para o êxito. Trabalhando para obter a paz nas meditações
difíceis, você acumula forças, o momentum para a paz. Então quando houver
crédito suficiente de boas qualidades, a mente irá para uma boa meditação e a
sensação será de um “dia de pagamento”. É ao longo das meditações ruins que você
realiza o trabalho.
Num retiro recente que dirigi em Sydney, durante o período
das entrevistas, uma senhora me disse que sentiu raiva de mim durante todo o
dia, por duas razões distintas. Nas meditações matinais ela estava enfrentando
dificuldades e ficava zangada comigo por não tocar o sino para dar um fim à
meditação mais cedo. Nas meditações vespertinas ela logrou um estado belo e
pacífico e ficava zangada comigo por ter tocado o sino tão cedo. As sessões
foram todas com a mesma duração, exatamente uma hora. Como mestre, não é
possível ganhar todas tocando o sino!
Isso é o que acontece quando você fica antecipando o futuro,
pensando, “Quantos minutos mais até que soe o gongo?” É nisso que você se
tortura, agarrando um pesado fardo que não lhe diz respeito. Portanto, cuidado
para não pegar a mala pesada de “Quantos minutos faltam para terminar?” ou “O
que vou fazer depois?” Se é nisso que você está pensando, então você não está
prestando atenção àquilo que está acontecendo agora. Você não está meditando.
Você se perdeu e está procurando encrenca.
Neste estágio da meditação, mantenha a sua atenção
exatamente no momento presente, ao ponto de não saber nem que dia é hoje ou
que hora é – manhã? tarde? não sei! Você sabe qual momento é – agora! Dessa
forma você chega nessa bela escala temporal monástica onde você está meditando
unicamente no presente momento, sem noção de quantos minutos se passaram ou
quantos faltam, sem sequer se lembrar que dia é.
Certa vez, quando eu era um jovem monge na Tailândia, esqueci
em que ano estávamos! É maravilhoso viver nesse reino livre do tempo, um reino
tão mais livre do que o mundo obcecado pelas horas em que em geral vivemos. No
reino livre do tempo, você vivencia este momento, da mesma forma como todos os
sábios vivenciaram esse mesmo momento ao longo de milhares de anos. Sempre foi
assim e não de outra forma. Você tem que penetrar na realidade do agora.
A realidade do agora é magnífica e impressionante. Quando
você tiver abandonado todo o passado e todo o futuro, é como se você revivesse.
Você está aqui, você tem atenção plena. Esse é o primeiro estágio da meditação,
nada além dessa atenção plena sustentada unicamente no presente. Ao chegar até
aqui, você realizou muito. Você abandonou o primeiro fardo que impede a
meditação profunda. Portanto, faça um grande esforço para alcançar este primeiro
estágio até que ele fique forte, firme e bem estabelecido. Em seguida iremos
refinar a atenção no momento presente para o estágio seguinte – a atenção
silenciosa no presente momento.
Segunda Parte
Na primeira parte deste artigo tripartido, esbocei o objetivo
desta meditação que é o silêncio sublime, a tranqüilidade e a clareza mental,
repleto do mais profundo insight. Depois, indiquei o tema fundamental que corre
como um fio contínuo ao longo de toda a meditação, que é o abandono dos fardos
materiais e mentais. Por fim, na primeira parte descrevi de modo extenso a
prática que conduz àquilo que chamo de primeiro estágio nesta meditação, e esse
primeiro estágio é alcançado quando o meditador permanece confortavelmente no
momento presente por períodos de tempo longos e ininterruptos. Tal como escrevi
no artigo anterior “A realidade do agora é magnífica e impressionante ... Ao
chegar até aqui, você realizou muito. Você abandonou o primeiro fardo que impede
a meditação profunda.” Mas tendo alcançado tanto, você deveria ir mais além, até
o ainda mais sublime e verdadeiro silêncio da mente.
Neste ponto é importante esclarecer a diferença entre a
atenção silenciosa no presente momento e pensar sobre isso. Como ilustração
tomemos o símile da partida de tênis na televisão. Ao assistir uma partida
dessas, você poderá observar que, na verdade, há duas partidas ocorrendo
simultaneamente – a partida que você vê na tela e a partida que você ouve
descrita pelo comentarista. Realmente, se um Australiano estiver jogando contra
um Neozelandês, então as observações do comentarista Australiano provavelmente
serão muito distintas daquilo que realmente está ocorrendo! O comentário com
freqüência é preconceituoso. Neste símile, observar a tela sem os comentários
equivale à atenção silenciosa na meditação, prestar atenção aos comentários
significa pensar sobre eles. Você compreenderá que está muito mais próximo da
Verdade quando observa sem comentários, ao experimentar a atenção silenciosa no
presente momento.
Em certas ocasiões, é através dos comentários internos que
cremos conhecer o mundo. Na verdade, esse diálogo interior não conhece o mundo
de jeito nenhum! É o diálogo interior que tece as delusões que causam o
sofrimento. É o diálogo interior que faz com que sintamos raiva daqueles que
convertemos em nossos inimigos e de ter apegos perigosos por aqueles que
tornamos os nossos amados. O diálogo interior causa todos os problemas da vida.
Ele constrói o temor e a culpa. Ele cria ansiedade e depressão. Ele constrói
essas ilusões com a mesma certeza que um hábil comentarista de TV é capaz de
manipular uma audiência, gerando raiva ou lágrimas. Portanto, se você está em
busca da Verdade, deveria dar valor à atenção silenciosa, considerando-a, ao
meditar, mais importante, mais do que qualquer pensamento.
É o alto valor atribuído aos próprios pensamentos o principal
obstáculo para a atenção silenciosa. A remoção cuidadosa da importância que se
dá aos próprios pensamentos e a compreensão do valor e veracidade da atenção
silenciosa constituem o insight que faz com que este segundo estágio –
atenção silenciosa no presente momento – seja possível.
Uma das maneiras eficientes para superar o diálogo interior é
desenvolver uma atenção no presente momento tão refinada que, ao observar cada
momento de forma tão próxima, simplesmente não haverá tempo para comentar acerca
do que acabou de acontecer. Um pensamento, com freqüência, é uma opinião sobre
algo que já aconteceu, por exemplo, “Isso foi bom”, “Isso foi desagradável”, “O
que foi aquilo?” Todos esses comentários se referem a uma experiência que acabou
de ocorrer. Se você estiver atento ao fazer um comentário sobre uma experiência
que já passou significa que você não está dando atenção à experiência que acaba
de chegar. Você está tratando das visitas antigas e negligenciando as novas
visitas que estão chegando!
Imagine que a sua mente é o anfitrião de uma festa,
recepcionando os convidados à medida que estes chegam à porta. Se um convidado
entra e você o cumprimenta e começa a falar sobre este ou aquele assunto, então
você não está cumprindo a sua responsabilidade de prestar atenção ao novo
convidado que acabou de passar pela porta. Como um convidado passa pela porta a
cada momento, tudo que você pode fazer é cumprimentá-lo e depois imediatamente
passar para o próximo. Você não pode se ocupar nem mesmo na mais breve
conversação com qualquer um dos convidados, visto que isso significaria que você
iria perder o convidado seguinte. Na meditação, todas as experiências vêm para a
mente através das portas dos meios dos sentidos, uma a uma em seqüência. Se você
saudar uma experiência com atenção plena e aí ocupar-se numa conversa, você irá
perder a próxima experiência que vem logo em seguida.
Quando você está perfeitamente no momento presente com cada
experiência, com cada convidado que entra na sua mente, você simplesmente não
tem espaço na mente para o diálogo interior. Você não pode conversar consigo
mesmo porque está atento e totalmente ocupado com a recepção de cada um que
chega na sua mente. Essa é a atenção no presente momento refinada até o ponto em
que se torna a atenção silenciosa do presente em cada momento.
Você irá descobrir, ao desenvolver esse nível de silêncio
interior, que isso é como abrir mão de mais um pesado fardo. É como se você
tivesse carregado uma pesada mochila nas costas durante quarenta ou cinqüenta
anos continuamente, e durante todo esse tempo você tivesse se arrastado exausto
por muitos e muitos quilômetros. E agora você teve a coragem e a sabedoria de
durante algum tempo tirar aquela mochila das costas e colocá-la no chão. Você
irá se sentir tão imensamente aliviado, realmente leve, realmente livre, porque
agora não mais existirá o pesado fardo daquele diálogo interior.
Um outro método útil para desenvolver a atenção silenciosa é
reconhecer o espaço entre os pensamentos, os intervalos entre os diálogos
interiores. Se você prestar bastante atenção, com aguçada atenção plena, verá
quando um pensamento termina e antes que outro comece – ALI! Essa é a atenção
silenciosa! Pode ser apenas um momento no início, mas se você identificar aquele
silêncio passageiro irá se acostumar a isso, e à medida que for se acostumando,
o silêncio irá durar mais tempo. Você irá começar a desfrutar do silêncio, uma
vez que, finalmente, você o tenha encontrado, e é isso que faz com que ele
cresça. Mas lembre-se, o silêncio é assustadiço. Se o silêncio ouvir você falar
dele, sumirá imediatamente!
Seria maravilhoso para cada um de nós se pudéssemos abandonar
o diálogo interior e permanecer com a atenção silenciosa no presente momento por
tempo suficiente para compreender o quão delicioso é isso. O silêncio é muito
mais fecundo para a sabedoria e claridade do que o pensamento. Só quando você
compreende o quão mais prazeroso e valioso é estar em silêncio no seu íntimo é
que o silêncio se torna mais atrativo e importante para você. O Silêncio
Interior se torna aquilo pelo que a mente se inclinará. A mente buscará o
silêncio constantemente, a ponto de só pensar se for realmente necessário, só se
existir um bom motivo. Visto que, neste estágio, você se deu conta de que a
maior parte do que pensamos é inútil, que não leva a nada, e só cria muitas
dores de cabeça, com satisfação e facilidade você passará muito tempo no
silêncio interior.
O segundo estágio desta meditação então, é a
atenção silenciosa no presente momento. Você poderá passar a maior parte do
seu tempo desenvolvendo só esses dois estágios, porque se você puder chegar até
esse ponto, então de fato você terá avançado muito na sua meditação. Nesse
estado de atenção silenciosa, no “exatamente agora”, você irá experimentar muita
paz, alegria e conseqüentemente sabedoria.
Se você quiser avançar mais, então ao invés de ficar com a
atenção silenciosa em qualquer coisa que surja na mente, você escolhe apenas UMA
COISA na qual aplicar a atenção silenciosa no presente momento. Essa UMA COISA
pode ser a percepção da respiração, a idéia de amor bondade, (Metta), um
círculo colorido visualizado na mente, (Kasina), ou outros pontos focais
para a atenção menos comuns. Aqui iremos descrever a atenção silenciosa na
respiração no presente momento.
Optar por fixar a atenção numa coisa só é abrir mão da
diversidade e mover para o seu oposto, a unidade. À medida que a mente começar a
se unificar, sustentando a atenção em apenas uma coisa, a experiência de paz,
prazer e poder aumentam significativamente. Você descobre que a diversidade da
consciência – tal como ter seis telefones sobre a mesa tocando ao mesmo tempo –
é um fardo enorme, e ao abrir mão dessa diversidade –permitindo um telefone só,
uma linha privativa somente sobre a mesa – é um alívio tamanho que gera prazer.
O entendimento de que a diversidade é um fardo é crucial para capacitar uma
pessoa para estabilizar a atenção na respiração.
Se você desenvolveu a atenção silenciosa no presente momento,
cuidadosamente, por longos períodos de tempo, irá perceber que é muito fácil
dirigir essa atenção para a respiração e seguí-la momento a momento sem
interrupção. Isso porque os dois principais obstáculos para a meditação da
respiração foram subjugados. O primeiro desses dois obstáculos é a tendência da
mente de mover-se para o passado ou futuro, e o segundo é o diálogo interior. É
por isso que ensino os dois estágios preliminares, da atenção no presente
momento e da atenção silenciosa no presente momento, como preparação sólida para
uma meditação da respiração mais profunda.
Frequentemente, acontece aos meditadores começarem a
meditação da respiração com as suas mentes ainda saltando entre o passado e o
futuro e com a atenção subjugada pelo diálogo interior. Sem uma preparação
adequada, a meditação da respiração acaba sendo muito difícil, até mesmo
impossível e eles desistem frustrados. Eles desistem porque não começaram no
lugar certo. Eles não fizeram o trabalho preparatório antes de tomar a
respiração como foco para a atenção. No entanto, se a mente estiver bem
preparada depois de completar estes dois primeiros estágios, você perceberá que
ao focar na respiração, você será capaz de sustentar a atenção com
tranqüilidade. Se você encontrar dificuldade para manter a atenção na
respiração, isso é um sinal de que você se precipitou nos dois primeiros
estágios. Regresse aos exercícios preliminares! A paciência cuidadosa é o
caminho mais rápido.
Quando você foca na respiração, você foca na experiência da
respiração que está acontecendo agora. Você experimenta “aquilo que lhe diz o
que a respiração está fazendo”, quer esta esteja indo para dentro, ou para fora,
ou no meio desses dois. Alguns mestres dizem para observar a respiração na ponta
do nariz, outros para observar no abdômen e outros para movê-la para cá e depois
movê-la para lá. Eu descobri através da experiência que não é importante onde
você observa a respiração. Na verdade, é melhor não localizar a respiração em
nenhum lugar! Se você localizar a respiração na ponta do nariz, ela acabará se
tornando atenção no nariz e não atenção na respiração, e se você localizá-la no
abdômen, ela acabará se tornando atenção no abdômen. Pergunte a si mesmo neste
exato momento “Eu estou inspirando ou expirando? Como sei isso? Ah!” Essa
experiência lhe diz o que a respiração está fazendo, é nisso que você foca
durante a meditação da respiração. Deixe de lado a preocupação com a localização
dessa experiência; foque apenas na experiência em si.
Um obstáculo comum nesta etapa é a tendência para controlar a
respiração, e isso faz com que a respiração fique desconfortável. Para superar
esse obstáculo, imagine que você é apenas um passageiro num carro olhando pela
janela para a sua respiração. Você não é o motorista, nem o “motorista no
assento traseiro”, então pare de dar ordens, abandone-se e desfrute do passeio.
Deixe que a respiração respire enquanto que você simplesmente observa sem
interferir.
Quando você perceber que a inspiração está entrando, ou que a
expiração está saindo, digamos por cem respirações seguidas, sem perder nenhuma,
então você alcançou o que chamo de terceiro estágio nesta meditação, a
atenção silenciosa na respiração no presente momento. E este, novamente, é
mais pacífico e prazeroso do que o estágio anterior. Para ir mais fundo, você
agora tem como objetivo a plena atenção ininterrupta na respiração.
Este quarto estágio, ou a plena atenção
ininterrupta na respiração, ocorre quando a atenção se expande para abarcar
cada único momento da respiração. Você percebe a inspiração no exato primeiro
momento, quando a primeira sensação da inspiração surge. Depois você observa
essas sensações se desenvolverem gradualmente ao longo de todo o percurso de uma
inspiração, sem perder nem mesmo um momento da inspiração. Quando aquela
inspiração termina, você percebe aquele momento, você vê na sua mente o último
movimento da inspiração. Aí, no momento seguinte você vê a pausa entre as
respirações, e depois muitas outras pausas até que a expiração tenha início.
Você vê o primeiro momento da expiração e cada sensação subseqüente à medida que
a expiração evolve, até que a expiração desapareça quando a sua função estiver
terminada. Tudo isso ocorre em silêncio e exatamente no momento presente.
Você experimenta cada parte de cada inspiração e expiração,
continuamente durante centenas de respirações seguidas. É por isso que este
estágio é chamado “PLENA atenção ininterrupta na respiração.” Você não poderá
chegar a este estágio através da força, através do agarramento ou apego. Você só
poderá alcançar este grau de tranqüilidade desapegando-se de tudo em todo o
universo, exceto dessa experiência silenciosa, momentânea, da respiração
ocorrendo neste instante. “Você” não chega a esse estágio; a mente chega a esse
estágio. A mente faz o trabalho por si mesma. A mente reconhece este estágio
como um estado pleno de paz e prazer, estar só com a respiração. É nesse ponto
que o “fazedor”, a parte principal do nosso ego, começa a desaparecer.
Você irá perceber que o progresso ocorre desprovido de
esforço neste estágio da meditação. Você só tem que sair da frente, soltar-se de
tudo e observar o processo acontecendo. A mente irá se inclinar automaticamente
se você deixá-la ir na direção dessa unicidade muito simples, pacífica e
deliciosa, deixando-a estar só com a respiração em cada um e em todos os
momentos. Essa é a unificação da mente, a unificação no momento, a unificação no
silêncio.
O quarto estágio é o que chamo de “trampolim” da meditação,
porque a partir desse ponto é possível mergulhar nos estados bem-aventurados. Ao
manter essa unicidade da atenção, simplesmente, sem interferência, a respiração
começará a desaparecer. A respiração começa a se esvair à medida que a mente, no
lugar da respiração, foca naquilo que se encontra no núcleo da experiência da
respiração, que é a impressionante paz, liberdade e prazer.
Neste estágio eu uso o termo “a respiração bela”. Neste ponto
a mente reconhece que essa respiração pacífica é extraordinariamente bela. Você
está consciente dessa respiração bela de modo contínuo, um momento após o outro,
sem interrupções na cadeia de experiências. Você só tem consciência da
respiração bela, sem esforço e por muito tempo.
Agora você deixa a respiração desaparecer e o único que resta
é “o belo”. O belo incorpóreo se torna o único objeto da mente. A mente agora
toma o seu próprio objeto. Você agora não tem em absoluto consciência da
respiração, do corpo, do pensamento, do som ou do mundo exterior. Toda a sua
consciência estará no belo, paz, prazer, luz ou qualquer outra coisa que a sua
percepção mais tarde venha a nomear. Você estará experimentando apenas o belo,
de modo contínuo, sem esforço. Já faz muito tempo que você abandonou o diálogo
interior, abandonou as descrições e avaliações. Neste ponto, a mente está tão
calma que você será incapaz de qualquer diálogo.
Você estará experimentando apenas o primeiro desabrochar do
prazer na mente. Esse prazer irá se desenvolver, crescer, se tornar muito firme
e estável. E assim você entrará nos estados meditativos chamados Jhana. Mas isso
será tratado na terceira parte desta palestra!
Terceira Parte
A primeira e segunda parte descrevem os quatro primeiros
estágios (tal como eu os classifico) da meditação. Estes são:
1. Atenção no momento presente.
2. Atenção silenciosa no momento presente.
3. Atenção silenciosa na respiração no momento presente.
4. Plena atenção ininterrupta na respiração.
Cada um desses estágios tem que estar bem desenvolvido antes
de avançar para o estágio seguinte. Quando a pessoa tem pressa de passar por
esses “estágios de desapego” os estados mais elevados se tornarão inalcançáveis.
É como construir um edifício alto com fundações inadequadas. O primeiro andar é
construído com rapidez e da mesma forma o segundo e o terceiro andares. E assim,
quando o quarto andar é adicionado, a estrutura começa a balançar um pouco. E
quando eles tentam adicionar o quinto andar, o edifício desaba. Portanto, por
favor, gaste bastante tempo nesses primeiros quatro estágios iniciais, faça com
que todos eles tenham firmeza e estabilidade, antes de prosseguir para o quinto
estágio. Você deveria ser capaz de manter o quarto estágio, a “plena atenção
ininterrupta na respiração”, atento a cada momento da respiração, sem um único
intervalo, ao longo de duzentas ou trezentas respirações seguidas, com
facilidade. Eu não estou dizendo para contar as respirações neste estágio, mas
uma indicação do intervalo de tempo durante o qual alguém deveria permanecer com
o estágio 4 antes de seguir adiante. Na meditação, a paciência é o caminho mais
rápido!
O quinto estágio é chamado “plena atenção
ininterrupta na respiração bela”. Freqüentemente, este estágio flui
naturalmente do estágio anterior de forma contínua e discreta. À medida que a
plena atenção permanece com facilidade e de forma contínua na experiência da
respiração, sem nada que interrompa o fluxo uniforme da atenção, a respiração se
acalma. E muda de uma respiração comum, grosseira, para uma “respiração bela”
muito suave e pacífica. A mente reconhece essa respiração bela e se delicia com
isso. A mente experimenta o aprofundamento do contentamento. Ela está feliz só
em permanecer ali observando essa respiração bela. A mente não precisa ser
forçada. Ela permanece com a respiração bela por si mesma. “Você” não faz nada.
Se você tentar fazer algo neste estágio, irá perturbar todo o processo, o belo
será perdido e como num lance infeliz num jogo de tabuleiro, você voltará atrás
muitas jogadas. O “fazedor” tem que desaparecer neste estágio da meditação e só
ficar o “sabedor” observando passivamente.
Um artifício que pode ajudar neste estágio é quebrar o
silêncio interior apenas uma vez e gentilmente pensar consigo mesmo: “Calma”.
Isso é tudo. Neste estágio da meditação, a mente em geral está tão sensível que
apenas um pequeno empurrão como esse faz com que a mente siga a instrução de
modo obediente. A respiração se acalma e a respiração bela emerge.
Quando você estiver passivamente observando a respiração bela
a cada momento, a percepção de “inspiração” ou “expiração”, ou início, meio e
fim da respiração, deveria ser abandonada. E a única coisa a ser percebida é
essa experiência da respiração bela acontecendo neste momento. A mente já não se
preocupa com que parte do ciclo da respiração ela se encontra, nem em qual parte
do corpo isso está ocorrendo. Neste ponto estamos simplificando o objeto da
meditação, a experiência da respiração neste momento, eliminando todos os
detalhes desnecessários, indo além da dualidade “dentro” e “fora”, ficando
apenas com a consciência da respiração bela que se mostra suave e contínua,
quase sem nenhuma mudança.
Não faça absolutamente nada e veja como a respiração se
mostra suave, bela e atemporal. Veja o quão tranqüila você pode deixar ela
ficar. Demore-se em saborear a doçura da respiração bela, cada vez mais
tranqüila, cada vez mais doce.
Agora, a respiração não desaparecerá quando “você” quiser que
ela desapareça, mas quando houver tranqüilidade suficiente, restando apenas “o
belo”. Um símile da literatura Inglesa poderá ajudar. No livro Alice no País das
Maravilhas escrito por Lewis Carrol, Alice e a Rainha Branca tiveram uma visão
de um gato sorridente aparecendo no céu. À medida que observavam, primeiro o
rabo do gato desaparece, depois as patas seguidas pelo resto das pernas. Em
breve, todo o corpo do gato desaparece por completo restando apenas a sua
cabeça, ainda com um sorriso. E aí, a cabeça começa a se desvanecer a partir das
orelhas e dos bigodes e em pouco tempo toda a cabeça do gato sorridente
desaparece por completo – exceto o sorriso que ainda permanece no céu! Um
sorriso sem os lábios para sorrir, mas um sorriso visível mesmo assim. Essa é
uma analogia acurada para o processo de desapego que ocorre neste ponto na
meditação. O gato sorridente equivale à respiração bela. O gato desvanecendo-se
representa a respiração desaparecendo e o sorriso incorpóreo ainda visível no
céu representa o puro objeto mental “belo”, claramente visível na mente.
Esse objeto mental puro é chamado de NIMITTA. “Nimitta”
significa um “sinal” e neste caso um sinal mental. É um objeto real no cenário
da mente, (citta), e quando aparece pela primeira vez é muito estranho.
Não existe nada que possa ser comparado a ele. Entretanto, a atividade mental
chamada “percepção” busca algo, nos bancos da memória das experiências de vida,
nem que seja apenas um pouco parecido, para proporcionar uma descrição para a
mente. Para muitos meditadores, esse “belo incorpóreo”, esse prazer mental, é
percebido como uma luz bela. Não é uma luz. Os olhos estão cerrados e a
consciência na visão já foi desligada faz muito tempo. Trata-se da consciência
da mente libertada pela primeira vez do mundo dos cinco sentidos. É semelhante à
lua cheia, neste caso representando a mente luminosa, que surge detrás das
nuvens, neste caso representando o mundo dos cinco sentidos. É a mente se
manifestando e não uma luz, mas para muitos parece uma luz, é percebido como uma
luz porque essa descrição imperfeita é a melhor explicação que a percepção é
capaz de oferecer.
Para outros meditadores, a percepção opta por descrever essa
primeira aparição da consciência da mente como sensações físicas, tal como uma
intensa tranqüilidade ou êxtase. Outra vez, a consciência no corpo, (aquilo que
experimenta o prazer e a dor, o calor e o frio, e assim por diante), já faz
tempo foi bloqueada e isso não é uma sensação física. Mas é “percebido” como
algo semelhante ao prazer. Alguns vêm uma luz branca, alguns uma estrela
dourada, alguns uma pérola azul ... o fato importante a saber é que todos estão
descrevendo o mesmo fenômeno. Todos experimentam o mesmo puro objeto mental e
esses detalhes diferentes são adicionados pelas distintas percepções.
Você pode identificar um nimitta através das 6
características seguintes: 1) Ele aparece apenas depois do quinto estágio da
meditação, depois do meditador ter estado com a respiração bela por muito tempo;
2) Ele aparece quando a respiração desaparece; 3) Ele surge com a completa
ausência dos cinco sentidos da visão, audição, olfato, paladar e toque; 4) Ele
se manifesta apenas na mente silenciosa, quando o pensamento discursivo,
(diálogo interior), estiver totalmente ausente; 5) É estranho, mas com poderosa
atração; 6) É um objeto que possui beleza singela. Menciono essas
características para que vocês possam distinguir os nimittas verdadeiros dos
imaginários.
O sexto estágio, então, é chamado experimentando o
nimitta belo. Ele é alcançado quando o desapego em relação ao corpo,
ao pensamento e aos cinco sentidos, (incluindo a consciência da respiração), é
tão completo que só resta o nimitta belo.
Algumas vezes, quando o nimitta surge pela primeira vez ele
pode parecer “monótono”. Nesse ponto, o meditador deveria regressar
imediatamente ao estágio anterior da meditação, da plena atenção ininterrupta
na respiração bela. O meditador avançou para o nimitta demasiado cedo.
Outras vezes o nimitta é brilhante mas instável, brilhando de forma intermitente
como o facho de um farol. Outra vez, isso mostra que você abandonou a respiração
bela demasiado cedo. O meditador precisa ser capaz de sustentar a atenção na
respiração bela com tranqüilidade por muito, muito tempo antes da mente estar
apta para manter a clara atenção num nimitta muitíssimo mais sutil. Portanto,
treine a mente na respiração bela, treine-a com paciência e diligência, e quando
chegar o momento de ir para o nimitta ele será luminoso, estável e fácil de ser
mantido.
A principal razão pela qual o nimitta poderá parecer monótono
é que a satisfação não é demasiado profunda. Você ainda está “desejando” algo.
Em geral, você está desejando o nimitta luminoso ou desejando Jhana. Lembre-se,
e isto é importante, Jhanas são estados de desapego, estados incríveis de
profunda satisfação. Portanto, solte-se da mente faminta, desenvolva a
satisfação pela respiração bela e o nimitta e Jhana acontecerão por si mesmos.
A principal razão para a instabilidade do nimitta é porque o
“fazedor” não quer deixar de interferir. O “fazedor” é o controlador, o
motorista no banco traseiro, sempre se intrometendo onde não é chamado e criando
confusão. Esta meditação é um processo natural de trégua e requer que “você”
saia da frente completamente. A meditação profunda só ocorre quando você
realmente se desapega, e isso significa REALMENTE SE DESAPEGAR ao ponto do
processo se tornar inacessível para o “fazedor”.
Um meio hábil para alcançar essa renúncia profunda é
depositar de modo deliberado plena confiança no nimitta. Interrompa o silêncio
só por um momento, de modo muito gentil, e sussurre, como se fosse dentro da sua
mente, que você deposita plena confiança no nimitta, para que o “fazedor”
renuncie a todo e qualquer controle e desapareça. A mente, representada neste
caso pelo nimitta à sua frente, irá então assumir o processo enquanto você só
observa tudo isso acontecendo.
Neste ponto, você não precisa fazer nada porque a intensa
beleza do nimitta é mais do que suficiente para reter a atenção sem a sua ajuda.
Cuidado para não fazer avaliações neste estágio. Questões como “O que é isso?”,
“Isso é Jhana?”, “O que devo fazer a seguir?”, e assim por diante são todas o
labor do “fazedor” tentando novamente se intrometer. Isso atrapalhará o
processo. Você poderá avaliar tudo, uma vez que a jornada tenha sido concluída.
Um bom cientista avalia o experimento apenas no final, quando todos os dados
foram coletados. Portanto, agora, não faça avaliações ou tente chegar a
conclusões. Não é necessário prestar atenção às bordas do nimitta “É redondo ou
oval?”, “As bordas estão nítidas ou indistintas?” Tudo isso é desnecessário e só
conduz a mais diversidade, mais dualidade de “interior” e “exterior”, e mais
perturbação.
Deixe que a mente se incline para onde ela quiser, que em
geral é na direção do centro do nimitta. O centro é onde se encontra a parte
mais bela, onde a luz é mais brilhante e pura. Solte-se de tudo e desfrute
apenas do processo, quando a atenção é atraída para o centro e ali se deposita
ou quando a luz se expande por todos os lados envolvendo-o totalmente. Isto é,
na verdade, uma única e a mesma experiência percebida sob distintos ângulos.
Permita que a mente se funda com o êxtase. Deixe que o sétimo estágio
desta meditação, Jhana, ocorra.
Há dois obstáculos comuns ao entrar em Jhana: exultação e
temor. A exultação é ficar excitado. Se, neste ponto, a mente pensar “Uau, é
isso aí!” então é muito improvável que Jhana ocorra. Essa reação, “Uau”, tem que
ser subjugada dando lugar à absoluta passividade. Você pode deixar todos os
“Uaus” para depois de emergir de Jhana, esse é o seu lugar adequado. O obstáculo
mais provável, no entanto, é o temor. O medo surge com o reconhecimento do
absoluto poder e prazer do Jhana, ou então do reconhecimento que para entrar
completamente em Jhana, algo terá que ser deixado para trás – Você! O “fazedor”
está em silêncio antes do Jhana, mas ainda está presente. Dentro do Jhana, o
“fazedor” desaparece completamente. O “sabedor” ainda está operando, você tem
plena consciência, mas todos os controles agora estão fora de alcance. Você não
é capaz de formular nem um único pensamento, quanto mais tomar uma decisão. A
volição está congelada, e isso parecerá assustador para o iniciante. Nunca
antes, em toda a sua vida, você teve a experiência de estar tão desprovido de
controle e ainda assim com tão plena consciência. O temor provém do medo de
renunciar a algo tão fundamentalmente pessoal como a volição.
Esse temor pode ser superado através da confiança nos
ensinamentos do Buda juntamente com o prazer tentador à frente, que pode ser
visto como uma recompensa. O Buda com freqüência disse do prazer de Jhana que
“esse tipo de prazer deve ser buscado, deve ser desenvolvido, deve ser cultivado
e não deve ser temido” (MN
66 –Latukikopama Sutta). Portanto, antes que o temor surja, deposite a sua
total confiança naquele prazer e mantenha a fé nos ensinamentos do Buda e no
exemplo dos Nobres Discípulos. Confie no Dhamma e deixe que o Jhana o envolva
calorosamente numa experiência prazerosa desprovida de esforço, tanto do corpo
como do ego; experiência essa que será a mais profunda da sua vida. Tenha
coragem de abandonar por completo o controle durante algum tempo e experimentar
tudo isso por você mesmo.
Se for Jhana, terá uma duração longa. Não merece ser chamado
de Jhana se durar só alguns poucos minutos. Em geral, os Jhanas mais elevados
persistem por muitas horas. Uma vez dentro deles, não há escolha. Você emergirá
do Jhana apenas quando a mente estiver pronta para sair, quando o “combustível”
do desapego, que foi acumulado antes, tiver sido esgotado. Esses são estados de
consciência com tanta paz e satisfação que é a sua própria natureza persistir
por muito tempo. Uma outra característica é que Jhana ocorre apenas depois que o
nimitta é discernido da forma descrita acima. Além disso, você precisa saber que
enquanto estiver em Jhana será impossível sentir o corpo, (por exemplo: dores
físicas), ouvir sons do exterior ou formular algum pensamento, nem mesmo
pensamentos “bons”. Há apenas uma clara unicidade de percepção, uma experiência
de prazer não dualista que permanece inalterada por muito tempo. Não é um
transe, mas um estado elevado de consciência. Isso é dito para que você possa
saber por si mesmo se o que você toma por Jhana é real ou imaginário.
Há muito mais para ser dito sobre meditação, mas aqui foi
descrito apenas o método básico usando sete estágios que culminam com o Primeiro
Jhana. Muito mais poderia ser dito acerca dos “cinco obstáculos” e como estes
são superados, sobre o significado da atenção plena e como esta é empregada,
sobre os Quatro Satipatthana e os Quatro Caminhos para o Sucesso, (Iddhipada),
e sobre as Cinco Faculdades, (Indriya), e, é claro, sobre os Jhanas
superiores. Tudo isso diz respeito a esta prática de meditação, mas tem de ser
deixado para uma outra ocasião.
Para aqueles que erroneamente entendem tudo isto
exclusivamente como uma “prática de samatha”, sem considerar o Insight, (Vipassana),
por favor, tenham claro que isto não é nem Vipassana e nem Samatha.
Isto se chama “Bhavana”, o método ensinado pelo Buda e reiterado na
Tradição de Florestas do Nordeste da Tailândia, da qual fazia parte o meu
mestre, o Ven. Ajaan Chah. Freqüentemente, Ajaan Chah dizia que Samatha e
Vipassana não podem ser separados, e que tampouco é possível desenvolver
esse par separado do Entendimento Correto, Pensamento Correto, Conduta Moral
Correta e assim por diante. De fato, para progredir nos sete estágios descritos
acima, o meditador necessita ter uma compreensão e aceitação dos ensinamentos do
Buda e uma conduta moral pura. O insight será necessário para alcançar cada um
desses estágios, isto é, o insight do significado do desapego, da renúncia.
Quanto mais esses estágios forem desenvolvidos, tão mais profundos serão os
insights, e se você lograr alcançar os Jhanas, então isso mudará toda a sua
compreensão. Pode-se dizer que o Insight gira ao redor de Jhana e que Jhana gira
ao redor do Insight. Esse é o caminho para Nibbana, pois, o Buda disse, “Para
aquele que se entrega a Jhana, quatro resultados podem ser esperados: entrar na
correnteza, retornar uma vez, não retornar ou o status de arahant” (Pasadika
Sutta – DN 29.25).
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Source : http://www.acessoaoinsight.net |
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