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O Machete Perfeito


Por

Ajaan Chandako

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Lembro quando comecei a minha carreira como monge, um método de meditação comum na Tailândia era repetir na mente o mantra “Buddho.” Eu tentei isso durante algum tempo mas por alguma razão, isso não colou com tanta facilidade quanto uma outra palavra que eu encontrei, que era “paz.” Assim, eu simplesmente comecei a usar “paz” como mantra. Quando estava sentado eu simplesmente dizia “paz,” repetindo em silêncio para mim mesmo, sentindo a sua reverberação – “paz, paz, paz.” Depois quando fazia meditação andando, caminhando para cá e para lá, com cada passo eu dizia “paz, paz, paz.” Quer eu estivesse trabalhando ou esmolando alimentos, comendo ou mesmo conversando, percebi que cada vez que conseguia trazer a minha mente de volta para o centro de “paz, paz,” então tudo começava a se reequilibrar novamente. Eu compreendi que essa era uma qualidade que eu necessitava.

Algum tempo antes de ir para o Wat Pah Nanachat [um monastério para estrangeiros, da tradição das florestas da Tailândia, estabelecido por Ajaan Chah em 1975] eu participei de um longo retiro de meditação na Tailândia, que era mais no estilo vipassana. Lá me foi dito, “Bem, você pode ficar à vontade para praticar a meditação samatha se quiser, mas basicamente é uma perda de tempo – ela fará com que você se sinta com um pouco em paz, você obterá um pouco de felicidade, mas ficará apegado a isso e aí acabará tão estúpido quanto antes. Mas vipassana – é que é a essência da sabedoria, isso é o que irá libertá-lo.” Então eu disse “excelente!” e coloquei toda a minha energia naquilo.

Quando cheguei em Wat Pah Nanachat, me dei conta que “na verdade o que eu precisava era de um pouco de paz.” E Luang Por Chah [Ajaan Chah] que não fazia essa enorme distinção entre samatha e vipassana, disse, “Bem, nós podemos saber como a água flui. Você pode ir até um riacho e estudar como a água corre e como flui ao redor das pedras e esse também pode ser um verdadeiro estudo e aprendizado sobre as nossas mentes, só observar como a água corre. Se nós tivermos a experiência de ver um lago absolutamente imóvel em algum lugar,” Ajahn Chah dizia, “saberemos como é quando há quietude, absoluta quietude.” Eu havia sido um guarda florestal na região das montanhas em Sierra Nevada, bem acima da linha das árvores e havia visto esses lagos feitos pela neve e pelas geleiras derretidas – absolutamente calmos e cristalinos. Sem vento, você poderia olhar diretamente através da água e não importava quão profundos, você poderia ver todos os detalhes das pedras e todo o restante no fundo. Esse é um símile tão belo para a mente quieta. “Mas,” dizia Ajahn Chah, “mesmo se soubermos como é a água quando está imóvel, o que não conhecemos é a água imóvel fluindo.” Esse é um dos meus favoritos símiles de Ajahn Chah – água imóvel fluindo – este paradoxo: quando a água flui, podemos compreender o que é isso e quando a água não flui, então está imóvel, mas como pode estar fluindo e imóvel ao mesmo tempo? Isso é o que precisamos entender, isso é o que precisamos experimentar por nós mesmos. [Nota]

Penso que foi Ajaan Buddhadasa quem pela primeira vez criou o símile para samatha e vipassana como algo muito semelhante a um machete. O símile descreve um praticante como alguém que está abrindo caminho numa densa floresta, uma mata enmaranhada. Ele não precisa cortar toda a floresta; ele precisa apenas cortar um caminho que atravesse a floresta até o outro lado. A ferramenta para fazer isso é a meditação. Para que a ferramenta seja eficaz é necessário que seja pesada e afiada. Tentar cortar o caminho só com uma navalha, claramente não irá funcionar. Tentar cortar o caminho com um bastão sem corte, tampouco irá funcionar. Mas quando ele combina o afiado com o pesado, então terá um desses machetes Tailandeses, e com esforço sistemático e persistência, ele poderá abrir um caminho através da floresta, pouco a pouco, galho por galho, árvore por árvore.

Esse era o símile de Ajaan Buddhadasa para samatha e vipassana. Vipassana é o afiado, a clareza mental, a borda investigativa, enquanto que samatha é o pesado que está por detrás, a energia, o poder.

Quanto mais calma estiver a mente, mais clareza terá. E quanto mais clareza tiver, mais abandonaremos as coisas que a agitam e perturbam, produzindo mais calma. Portanto, o modo que os Ajaans da tradição das florestas falavam sobre toda a questão de samatha-vipassana era de não fazer uma grande distinção entre os dois desde o princípio.

Então, quer pratiquemos anapanasati, metta, as partes do corpo, a recordação das qualidades do Buda e assim por diante, todos os métodos incorporam esse equilibrio de samatha e vipassana, água imóvel fluindo.

 


 

Nota do Tradutor:

No livro Everything arises, everything falls away, Ajaan Chah dá algumas explicações adicionais desse símile:
A água imóvel é samatha e a água fluindo é vipassana. Nós praticamos a meditação para aquietar a mente, igual à água imóvel, para que assim a mente possa fluir.
No começo aprendemos o que vem a ser a água imóvel e o que vem a ser a água fluindo. Depois de praticar durante algum tempo, perceberemos como a tranqüilidade e a sabedoria se suportam mutuamente. Estar ambos quieto e fluindo: isso é algo que não é fácil contemplar.
Podemos entender que a água imóvel não flui. Podemos entender que a água fluindo não está imóvel. Mas quando meditamos experimentamos ambas qualidades juntas. A mente de um verdadeiro meditador é igual à água imóvel que flui ou a água fluindo que está imóvel. Apenas fluir não é correto. Apenas quietude não é correto. Com experiência na meditação as nossas mentes estarão nessa condição de água fluindo que está imóvel. [Retorna]

Veja também o comentário de Ajaan Amaro no Ud VIII.1.

Fonte: Fearless Mountain Newsletter, Spring 2007. Também publicado na revista Buddadharma, Fall 2007.

Source : http://www.acessoaoinsight.net

 
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