O Gosto da Liberdade
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Por Ajaan Chah Somente para distribuição gratuita. Este trabalho pode ser impresso para distribuição gratuita. Este trabalho pode ser re-formatado e distribuído para uso em computadores e redes de computadores contanto que nenhum custo seja cobrado pela distribuição ou uso. De outra forma todos os direitos estão reservados. |
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O responsável pela impressão gostaria de agradecer ao Venerável Ajaan Puriso,
o tradutor para o inglês, que gentilmente não somente revisou o texto para
esta edição mas também ajudou com a tarefa de conferência final dos textos.
Este livro foi criado com a ajuda de muitas pessoas devotas. Khun Vanee
Lamsam, juntamente com o seu irmão Khun Parl Na Pombejra, conseguiram os
recursos para financiar todos os custos da publicação. Khun Thanu Malakul Na
Ayudhaya forneceu um diapositivo da sua belíssima pintura para a capa. Khun
Panya Vijinthanasarn ajudou com o desenho e ilustrações da capa. Khun
Chutima Thanapura ajudou com a primeira correção dos textos. Khun Pansak
Panpak-deeddisakul nos forneceu uma inestimável fotografia de Luang Por Chah
(Phra Bodhinyana Thera). Khun Karoon Hansachainand ajudou com a composição
de algumas partes das artes e supervisionou o trabalho de impressão. Que os
generosos atos meritórios das pessoas acima mencionadas as auxiliem a
encontrar a felicidade suprema do Nibbana.
As palestras traduzidas neste livro foram todas extraídas de antigas
gravações em fitas K-7 do Venerável Ajaan Chah, algumas em Tailandês e
algumas no dialeto do Nordeste da Tailândia, a maioria delas gravadas com
equipamento de má qualidade sob condições pouco adequadas. Devido a isso o
trabalho de tradução apresentou algumas dificuldades que foram superadas
omitindo ocasionalmente passagens que não estavam claras e em outras
ocasiões solicitando o auxílio de outros ouvintes mais familiarizados com os
idiomas. Todavia, houve inevitavelmente alguma edição durante o processo de
elaboração deste livro. Além das dificuldades apresentadas pela falta de
claridade das fitas, existe também a necessidade de um processo de edição
quando se passa do meio verbal para o meio escrito. Por esse processo, o
tradutor assume inteira responsabilidade.
As palavras em Pali foram em certos casos mantidas enquanto que em outros
casos foram traduzidas. O critério foi a facilidade da leitura. Aquelas
palavras em Pali consideradas suficientemente curtas ou familiares aos
leitores versados na terminologia Budista, foram deixadas sem tradução. Isso
não deve representar nenhuma dificuldade pois elas em geral são explicadas
pelo Venerável Ajaan no transcurso da palestra. Palavras mais longas ou que
provavelmente não são do conhecimento do leitor típico foram traduzidas.
Dessas, existem duas que são dignas de nota. Elas são
Kamasukhallikanuyogo e Attakilamathanuyogo, que foram traduzidas
respectivamente como Entregar-se ao Prazer e Entregar-se à Dor. Essas duas
palavras ocorrem em nada menos que cinco das palestras incluídas neste livro
e embora as traduções aqui utilizadas não são aquelas que em geral se
empregam, elas refletem adequadamente o sentido que o Venerável Ajaan lhes
aplica.
O Venerável Ajaan Chah sempre proferia as suas palestras em linguagem
simples, do cotidiano. O seu objetivo era de esclarecer o Dhamma, não
de confundir os ouvintes com uma dose excessiva de informações. Por
conseguinte as palestras aqui apresentadas foram passadas de forma simples
para o inglês. O objetivo foi o de apresentar os ensinamentos de Ajaan Chah
tanto na sua essência como na sua forma.
Nesta terceira edição do O Gosto da Liberdade, foram feitas correções
a algumas passagens que estavam compostas de forma desajeitada, esperando
assim que existam menos dessas ocorrências do que nas primeiras edições. Por
essas imperfeições o tradutor assume responsabilidade e espera que o leitor
tenha paciência com as eventuais deficiências literárias de forma a receber
o benefício completo dos ensinamentos aqui contidos.
O tradutor
Acerca desta mente... Na verdade não existe nada de errado com ela. Ela é
essencialmente pura. Dentro de si mesma ela já está em paz. Que a mente não
esteja em paz nestes dias é porque ela se deixa levar pelos humores. A mente
real não tem nada a ver com isso, é simplesmente (um aspecto da) Natureza.
Ela se torna pacífica ou agitada porque os humores a enganam. A mente que
não é treinada, é estúpida. As sensações surgem e a ludibriam com a alegria,
sofrimento, felicidade e tristeza, mas a verdadeira natureza da mente não é
nenhuma dessas coisas. Essa alegria ou tristeza não é a mente mas somente um
humor que surge para nos enganar. A mente que não é treinada se perde e
segue atrás dessas coisas, esquece de si mesma. Então pensamos que somos nós
que estamos preocupados ou tranqüilos ou o que quer que seja.
Mas na realidade essa nossa mente já está imóvel e tranqüila…realmente
tranqüila! Tal como uma folha que está imóvel até que o vento a sopre. Se o
vento surge a folha se agita. A agitação se deve ao vento - a agitação se
deve a essas sensações; a mente as segue. Se ela não as segue, não ficará
agitada. Se conhecemos a verdadeira natureza das sensações, não ficaremos
agitados.
A nossa prática é simplesmente ver a Mente Original. Dessa forma precisamos
treinar a mente a conhecer essas sensações e a não se deixar levar por elas.
Fazer com que tudo esteja em paz. É somente esse o objetivo desta difícil
prática que estamos empreendendo.
"... Aquilo que "inspeciona" os vários elementos que surgem durante a
meditação é 'sati', atenção plena… Sati é vida… Quando não temos sati,
quando somos descuidados, é como se estivéssemos mortos… Sati é simplesmente
a mente atenta… É a causa do surgimento do auto-conhecimento e da sabedoria…Mesmo
quando não nos encontramos mais em samadhi, sati deveria estar sempre
presente…"
Acalmar a mente significa encontrar o equilíbrio correto. Se você tentar
forçar a sua mente em demasia ela irá longe demais, se você não se esforçar
o suficiente ela não irá chegar lá, ela perde o ponto de equilíbrio.
Normalmente a mente não está tranqüila, ela está se movendo o tempo todo,
lhe falta força. Fortalecer a mente e fortalecer o corpo não é a mesma coisa.
Para fortalecer o corpo necessitamos exercitá-lo mas para fortalecer a mente
significa fazer com que ela fique em paz, que não fique pensando acerca
disto ou daquilo. Para a maioria das pessoas a mente nunca esteve em paz,
ela nunca teve a energia de samadhi, [1 ] por isso,
devemos colocá-la dentro de limites. Sentamos em meditação, permanecendo com
Aquele que sabe.
Se forçamos a nossa respiração para que seja muito longa ou muito curta, não
estaremos em equilíbrio, a mente não ficará em paz. É o mesmo quando usamos
uma máquina de costura com pedal pela primeira vez. Inicialmente praticamos
somente com o pedal, de forma a ajustar nossa coordenação, antes que
costuremos alguma coisa. Acompanhar a respiração é parecido. Nós não nos
preocupamos se ela é longa ou curta, fraca ou forte, nós somente a
observamos. Deixamos que seja como deve ser e acompanhamos a respiração
natural.
Quando ela estiver equilibrada, tomamos a respiração como nosso objeto de
meditação. Quando inspiramos, o começo da respiração está na ponta do nariz,
o meio da respiração está no peito e o final da respiração está no abdômen.
Esse é o caminho da respiração. Quando expiramos, o início da respiração
está no abdômen, o meio no peito e o final na ponta do nariz. Simplesmente
observamos o caminho da respiração na ponta do nariz, no peito e no abdômen
e depois no abdômen, no peito e na ponta do nariz. Notamos esses três pontos
de forma a fazer com que a mente fique estável, para conter a atividade
mental de tal forma que a atenção plena e a autoconsciência possam surgir
com facilidade.
Quando formos capazes de notar esses três pontos poderemos soltá-los e notar
a inspiração e a expiração, concentrando exclusivamente na ponta do nariz ou
no lábio superior, onde o ar toca quando entra e sai. Nós não precisamos
seguir a respiração, simplesmente estabelecemos a atenção plena à nossa
frente, na ponta do nariz e notamos a respiração nesse único ponto -
entrando, saindo, entrando, saindo. Não há necessidade de pensar acerca de
algo especial, agora, concentre-se nessa simples tarefa, mantendo
continuamente a mente atenta. Não há nada mais a ser feito, somente inspirar
e expirar.
Em pouco tempo a mente ficará tranqüila, a respiração mais sutil. A mente e
o corpo se tornam leves. Esse é o estado correto para a tarefa da meditação.
Quando estamos sentados em meditação a mente se torna refinada, mas em
qualquer estado em que ela se encontre devemos tentar ter consciência dele,
conhecê-lo. A atividade mental está ali junto com a tranqüilidade. Existe
vitakka. Vitakka é a ação de trazer a mente para o tema da contemplação.
Se não existe muita atenção plena, não haverá muito vitakka. Então
vicara, a contemplação em torno daquele tema, segue. Várias impressões
mentais "mais fracas" podem surgir de tempos em tempos mas a nossa
autoconsciência é o mais importante - não importa o que esteja acontecendo
nós temos conhecimento dela continuamente. À medida que nos aprofundamos
estamos constantemente conscientes do estado em que se encontra a nossa
meditação, sabendo se a mente está ou não firmemente estabelecida. Dessa
forma, ambos, a concentração e a atenção plena estarão presentes.
Ter uma mente tranqüila não quer dizer que nada está acontecendo, as
impressões mentais continuam surgindo. Por exemplo, quando falamos sobre o
primeiro nível de absorção, dizemos que ele possui cinco fatores. Juntamente
com vitakka e vicara, piti (êxtase) surge com o tema da
contemplação e depois sukha (felicidade). Essas quatro coisas estão
todas juntas na mente que se firmou na tranqüilidade. Elas são como um
estado único.
O quinto fator é ekaggata ou unificação da mente em um só ponto. Você
deve estar perguntando a si mesmo como pode haver a unificação quando também
existem esses outros fatores. Isso ocorre porque eles ficam todos unificados
com base na tranqüilidade. Juntos eles são chamados de o estado de
samadhi. Eles não são estados do cotidiano da mente, eles são fatores de
absorção. Existem essas cinco características mas elas não perturbam a
tranqüilidade básica. Existe vitakka, mas ela não perturba a mente;
vicara, êxtase e felicidade surgem mas não perturbam a mente.
Portanto, a mente e esses fatores estão como se fossem uma coisa só. Assim é
o primeiro nível de absorção.
Nós não precisamos chamá-lo de Primeiro Jhana, Terceiro Jhana
e assim por diante, vamos chamá-lo simplesmente de ”uma mente tranqüila".
Conforme a mente vai progressivamente se acalmando, ela irá dispensar
vitakka e vicara, restando somente êxtase e felicidade. Porque a
mente descarta vitakka e vicara? A razão é porque a mente vai
se tornando mais refinada e a atividade de vitakka e vicara é
muito grosseira para que possa permanecer. Neste estágio, quando a mente
abandona vitakka e vicara, sentimentos de intenso êxtase podem
surgir, lágrimas podem aflorar. Mas conforme o samadhi se aprofunda,
o êxtase também é descartado, ficando somente a felicidade e a unificação da
mente em um só ponto até que finalmente, mesmo a felicidade se vai e a mente
atinge o ponto mais elevado de refinamento. Existe apenas equanimidade e
unificação da mente em um só ponto, todo o demais foi deixado para trás. A
mente permanece imóvel.
Uma vez que a mente esteja tranqüila tudo isso pode acontecer. Você não
precisa pensar muito a respeito disso, isso acontece por si mesmo. A isto se
chama de a energia de uma mente tranqüila. Nesse estado, a mente não está
sonolenta; os cinco obstáculos, desejo sensual, aversão, inquietação, torpor
e dúvida, foram todos embora.
Mas se a energia mental não for forte o suficiente e a atenção plena for
fraca, ocasionalmente surgirão impressões mentais intrusas. A mente está
tranqüila mas é como se houvesse uma "névoa" dentro dessa tranqüilidade. Não
é um tipo de sonolência comum no entanto, algumas impressões irão se
manifestar - talvez ouçamos um som ou vejamos um cachorro ou outra coisa.
Não está absolutamente claro mas também não é um sonho. Isto ocorre porque
os cinco fatores se tornaram desequilibrados e fracos.
A mente tem a tendência de nos pregar peças nesses níveis de tranqüilidade.
"Imagens" podem surgir certas vezes quando a mente está nesse estado,
através de qualquer um dos sentidos e o meditador poderá não ser capaz de
identificar o que exatamente está acontecendo. "Estou dormindo? Não. É um
sonho? Não, não é um sonho…" Essas impressões surgem a partir de um tipo de
tranqüilidade média; mas se a mente estiver verdadeiramente tranqüila e
cristalina não teremos dúvidas acerca das várias impressões mentais ou
imagens que surgirem. Questões como, "Eu fiquei à deriva? Eu estava dormindo?
Eu me perdi? " não surgem pois elas são a característica de uma mente que
ainda duvida. "Estou dormindo ou acordado?"…Aqui está confuso! Essa é a
mente que está ficando perdida nos seus humores. É como a lua se escondendo
atrás de uma nuvem. Você ainda pode ver a lua mas as nuvens que a cobrem
fazem com que ela não possa ser vista com clareza. Não é como a lua que
surgiu por detrás das nuvens - clara, bem definida e brilhante.
Quando a mente está tranqüila e com a atenção plena firmemente estabelecida,
não haverá dúvida em relação aos vários fenômenos que encontramos. A mente
terá verdadeiramente superado os obstáculos. Conheceremos com clareza, como
na verdade é, tudo aquilo que surgir na mente. Não teremos dúvida porque a
mente está clara e luminosa. A mente que alcança o samadhi é assim.
No entanto, algumas pessoas têm dificuldade de entrar em samadhi
porque este não convém às suas inclinações. O samadhi existe mas não
é forte ou firme. Mas a pessoa pode alcançar a paz através da sabedoria,
contemplando e vendo a verdade das coisas, solucionando os problemas por
esse caminho. Isto é a utilização da sabedoria ao invés do poder de
samadhi. Para alcançar a tranqüilidade na prática, não é necessário
sentar em meditação. Somente pergunte a si mesmo, "Ei, o que é isso?…" e
solucione o seu problema exatamente nesse momento! Assim é uma pessoa sábia.
Talvez ela realmente não consiga atingir níveis elevados de samadhi,
embora ela desenvolva algo, o suficiente para cultivar a sabedoria. É a
diferença entre cultivar arroz e cultivar milho. A pessoa pode depender mais
de arroz do que milho para o seu sustento. A nossa prática pode ser assim,
dependemos mais da sabedoria para solucionar os problemas. Quando vemos a
verdade, a paz surge.
As duas formas não são iguais. Algumas pessoas possuem insight e sólida
sabedoria mas não possuem muito samadhi. Quando elas sentam para
meditar elas não ficam muito tranquilas. Elas tendem a pensar muito,
contemplando isso ou aquilo até que finalmente elas contemplam a felicidade
e o sofrimento e enxergam neles a verdade. Algumas se inclinam mais para
isso do que samadhi. Quer seja em pé, caminhando, sentado ou deitado,
[3]
a iluminação do Dhamma poderá ocorrer. Vendo e abandonando, elas alcançam a
paz. Elas alcançam a paz conhecendo a verdade sem ter qualquer dúvida,
porque elas a viram por si mesmas.
Outras pessoas possuem somente pouca sabedoria mas o seu samadhi é
bastante sólido. Elas podem entrar em profundo samadhi rapidamente,
mas não tendo muita sabedoria, elas não conseguem agarrar as suas impurezas,
elas não as conhecem. Elas não conseguem resolver os seus problemas.
Mas independentemente da abordagem que usemos, precisamos eliminar a maneira
incorreta de pensar, deixando ficar somente o Entendimento Correto.
Precisamos eliminar a confusão, deixando somente a paz. De ambas maneiras
chegaremos ao mesmo lugar. Existem esses dois aspectos da prática, mas essas
duas coisas, tranqüilidade e insight, caminham juntas. Não podemos eliminar
nenhuma delas. Elas precisam ir juntas.
Aquilo que "inspeciona" os vários fatores que surgem na meditação é 'sati',
atenção plena. Sati é uma condição que, através da prática, pode
auxiliar outros fatores a surgirem. Sati é vida. Sempre que não
tivermos sati, quando formos desatentos, é como se estivéssemos
mortos. Se não temos sati, então o que falamos e fazemos não possui
nenhum significado. Sati é simplesmente recordação. É a causa do
surgimento da autoconsciência e sabedoria. Quaisquer virtudes que tenhamos
cultivado serão imperfeitas se lhes faltar sati. Sati é o que nos
observa quando estamos em pé, caminhando, sentados e deitados. Mesmo quando
não estamos mais em samadhi, sati deveria estar sempre presente.
Tomamos cuidado com qualquer coisa que façamos. Uma sensação de vergonha [4]
irá surgir. Ficaremos envergonhados das coisas que fazemos e que não são
corretas. Conforme a vergonha aumenta, o nosso auto controle também aumenta,
quando o nosso autocontrole aumenta a desatenção irá desaparecer. Mesmo que
não sentemos em meditação, esses fatores estarão presentes na mente.
E isto surge devido ao fato de cultivarmos sati. Desenvolva sati!
Esse é o dhamma que inspeciona o trabalho que estamos fazendo ou que fizemos
no passado. Ele tem utilidade. Devemos nos conhecer o tempo todo. Se nos
conhecermos dessa forma, o certo irá se distinguir do errado, o caminho irá
se tornar claro e o motivo para toda a vergonha irá se dissolver. A
sabedoria irá surgir.
Podemos resumir toda a prática em virtude, concentração e sabedoria. Ter
autocontrole, isso é virtude. O firme estabelecimento da mente dentro desse
controle é concentração. Para completar, o conhecimento amplo dentro da
atividade na qual estamos engajados é sabedoria. A prática, em resumo, é
apenas virtude, concentração e sabedoria ou em outras palavras, o caminho.
Não existe outra alternativa.
"...Com o samadhi correto, não importa qual nível de
tranqüilidade é alcançado, existe a consciência. Existe atenção plena e
clara compreensão. Esse é o samadhi que pode dar origem à sabedoria, a
pessoa não será capaz de se perder nele. Os praticantes devem entender isto
muito bem..."
Hoje eu gostaria de lhes perguntar. "Vocês estão seguros, vocês têm certeza
da sua prática de meditação?" Eu pergunto porque atualmente existem muitas
pessoas ensinando meditação, tanto monges como leigos e eu temo que vocês
possam estar sujeitos à incerteza e a dúvida. Se entendermos claramente,
seremos capazes de fazer com que a mente seja firme e tranqüila.
Vocês devem entender o "Caminho Óctuplo" como sendo virtude, concentração e
sabedoria. O caminho é simplesmente isso. A nossa prática consiste em fazer
com que esse caminho se desenvolva dentro de nós.
Quando sentamos em meditação nos dizem para fechar os olhos, não olhar para
nada mais porque agora iremos olhar diretamente para a mente. Quando
fechamos os nossos olhos, a nossa atenção se volta para dentro.
Estabelecemos nossa atenção na respiração, centralizamos ali as nossas
sensações, colocamos ali a nossa atenção plena. Quando os elementos do
caminho estiverem em harmonia seremos capazes de ver a respiração, as
sensações, a mente e os seus humores da forma como realmente são. Aqui
veremos o "ponto de foco", para onde samadhi e os demais elementos do
Caminho convergem em harmonia.
Quando estiverem sentados em meditação, seguindo a respiração, pensem
consigo mesmo que agora vocês estão sentados sozinhos. Não existe ninguém
sentado à sua volta, não existe nada mais. Desenvolvam essa pensamento de
que vocês estão sentados sozinhos até que a mente solte de tudo que é
externo, concentrando-se somente na respiração. Se vocês estiverem pensando,
"Esta pessoa está sentada aqui, aquela pessoa está sentada ali", não haverá
paz, a mente não vem para dentro. Simplesmente coloquem tudo isso de lado
até que vocês sintam que não existe ninguém sentado a sua volta, até que não
exista nada mais, até que vocês não tenham nenhuma hesitação ou interesse
naquilo que está a sua volta.
Deixem que a respiração flua com naturalidade, não a force para que seja
curta, longa ou o que quer que seja, simplesmente fiquem sentados e observem
ela entrar e sair. Quando a mente se solta de todas as sensações externas,
os ruídos de carros e outros barulhos não irão perturbá-los. Nada, quer
sejam visões ou sons, irá perturbar, porque a mente não os estará recebendo.
A sua atenção estará concentrada na respiração.
Se a mente está confusa e não se concentra na respiração, inspirem fundo, o
mais fundo que vocês puderem e depois expirem até que não reste nada. Façam
isso três vezes e depois re-estabeleçam a sua atenção. A mente irá se
acalmar.
É natural que ela se acalme durante algum tempo e que depois a inquietação e
a confusão possam surgir outra vez. Quando isso acontecer, concentrem-se,
respirem fundo outra vez e depois re-estabeleçam a sua atenção na respiração.
Continuem fazendo isso. Quando houver ocorrido isso algumas vezes, vocês se
tornarão peritos nisso, a mente irá se soltar de todas as manifestações
externas. Impressões externas não irão atingir a mente. Sati estará
firmemente estabelecido. À medida que a mente for ficando mais sutil, assim
também a respiração. As sensações irão ficar cada vez mais sutis, o corpo e
a mente ficarão leves. A nossa atenção estará somente no que é interno,
veremos a inspiração e a expiração claramente, veremos todas as impressões
claramente. Veremos a Virtude, Concentração e Sabedoria se unindo. A isto se
denomina o Caminho em harmonia. Quando existe harmonia a nossa mente ficará
livre da confusão, estará unificada. A isto se denomina samadhi.
Após observar a respiração por um longo tempo, ela pode se tornar bastante
sutil, a atenção na respiração irá cessar gradualmente, restando somente a
atenção pura. A respiração pode ficar tão sutil que desaparecerá! Talvez
estejamos "apenas sentados", tal como se não houvesse respiração. Na verdade
existe a respiração mas a impressão é de que ela não existe. Isto ocorre
porque a mente atingiu o seu estado mais sutil, existe somente a atenção
pura. Ela foi além da respiração. O conhecimento de que a respiração
desapareceu se torna estabelecido. O que tomaremos agora como objeto de
meditação? Tomamos esse conhecimento como nosso objeto, isto é, a
consciência de que não existe respiração.
Coisas inesperadas podem acontecer neste momento; algumas pessoas as
experimentam, outras não. Se elas surgirem, devemos ser firmes e manter uma
sólida atenção plena. Algumas pessoas vêm que a respiração desaparece e
ficam com medo, elas temem que possam morrer. Nesse caso devemos entender a
situação apenas pelo que ela é. Nós simplesmente notamos que não há
respiração e tomamos isso como objeto da nossa atenção. Esse, podemos dizer,
é o tipo de samadhi mais firme e mais seguro. Existe somente um
estado da mente, firme e imóvel. Talvez o corpo se torne tão leve que é como
se não houvesse corpo. Sentimos como se estivéssemos sentados em um espaço
vazio, tudo parece vazio. Embora isso possa parecer muito estranho, vocês
devem entender que não existe motivo para se preocupar. Estabeleçam a sua
mente firmemente dessa forma.
Quando a mente está firmemente unificada, e já não é perturbada por
impressões dos sentidos, a pessoa pode permanecer nesse estado pelo tempo
que quiser. Não haverão sensações dolorosas que a perturbem. Quando o
samadhi atingiu esse nível, poderemos deixá-lo quando quisermos, porém
se deixarmos esse samadhi o faremos de maneira confortável, não
porque ficamos entediados ou cansados. Nós o deixamos porque estamos
satisfeitos por agora, nos sentimos relaxados, sem nenhum tipo de problema.
Se podemos desenvolver esse tipo de samadhi, e nos sentarmos, digamos,
trinta minutos ou uma hora, a mente estará relaxada e calma por muitos dias.
Quando a mente está assim relaxada e calma, ela está limpa. Tudo aquilo que
experimentarmos, a mente irá tomar e investigar. Esse é um fruto do
samadhi.
A virtude possui uma função, a concentração possui outra função e a
sabedoria outra. Esses elementos são como um ciclo. Podemos vê-los todos
dentro de uma mente tranqüila. Quando a mente está calma ela possui
moderação e autocontrole devido à sabedoria e a energia da concentração. À
medida em que ela fica mais controlada ela se torna mais sutil, o que por
conseguinte dá força para que a virtude incremente a sua pureza. Na medida
em que a virtude se purifica, isso auxilia no desenvolvimento da
concentração. Quando a concentração está firmemente estabelecida ela auxilia
o surgimento da sabedoria. Virtude, concentração e sabedoria se auxiliam
mutuamente, elas estão inter-relacionadas dessa forma. No final o Caminho se
converte em um só e opera todo o tempo. Devemos buscar a força que se
origina do caminho, porque é a força que conduz ao Insight e Sabedoria.
* *
*
Os Perigos do Samadhi
Samadhi é capaz de trazer muito dano ou muito benefício para o
meditador, não é possível dizer que somente traga um ou outro. Para aquele
que não possui sabedoria, ele é prejudicial mas, para aquele que possui
sabedoria ele pode trazer um benefício real, pode conduzi-lo ao Insight.
Aquilo que pode ser mais prejudicial ao meditador é o Samadhi da
Absorção (Jhana), o samadhi com profunda e sustentada
tranqüilidade. Esse samadhi traz imensa paz. Onde existe paz existe a
felicidade. Quando existe a felicidade, o apego, a união a essa felicidade
surgem. O meditador não quer contemplar nada mais, ele quer somente
desfrutar dessa sensação agradável. Após termos praticado por um longo tempo
poderemos ter a habilidade de entrar nesse samadhi muito rapidamente.
Assim que começamos a notar o nosso objeto da meditação, a mente fica
tranqüila e nós não queremos sair para investigar nada mais. Nós ficamos
grudados nessa felicidade. Esse é um perigo para quem pratica a meditação.
Nesse caso precisamos usar Upacara Samadhi. Aqui, penetramos a
tranqüilidade e então, quando a mente estiver suficientemente tranqüila,
saímos e olhamos para a atividade externa. [5]
Olhando para o exterior com a mente tranqüila faz surgir a sabedoria. É
difícil de entender isso, porque é quase o mesmo que pensar e imaginar.
Quando o pensamento está presente, podemos pensar que a mente não está
tranqüila, mas na verdade esse pensamento está ocorrendo dentro da
tranqüilidade. Existe a contemplação mas ela não perturba a tranqüilidade.
Podemos trazer o pensamento para contemplá-lo. Nesse caso tomamos o
pensamento para investigá-lo mas não é que estejamos pensando em
investigá-lo a esmo, nem que estejamos pensando ou imaginando a esmo; é algo
que surge da mente que está tranqüila. A isto se denomina "atenção dentro da
calma e calma com atenção". Se for simplesmente o pensamento e imaginação
normais, a mente não ficará tranqüila, ela ficará perturbada. Mas eu não
estou falando do pensamento comum, essa é uma sensação que surge da mente
tranqüila. Se chama "contemplação". É exatamente aí que nasce a sabedoria.
Portanto, pode haver o samadhi correto e o samadhi incorreto.
O samadhi incorreto se dá quando a mente penetra a tranqüilidade e
não existe absolutamente nenhuma atenção. A pessoa pode ficar sentada por
duas horas ou mesmo todo o dia mas a mente não sabe onde esteve ou o que
aconteceu. Não sabe de nada. Existe a tranqüilidade, mas isso é tudo. É tal
como uma faca muito bem afiada que não nos damos ao trabalho de usar para
nada. Esse é um tipo de tranqüilidade enganoso porque não existe muita
autoconsciência. O meditador pode pensar que já alcançou o ponto máximo e
por isso não se preocupa em procurar por algo mais. Samadhi pode ser
um inimigo nesse ponto. A sabedoria não é capaz de surgir porque não existe
consciência do que é certo ou errado.
Com o samadhi correto, não importa o nível de tranqüilidade que seja
alcançado, existe consciência. Existe atenção plena e plena consciência.
Esse é o samadhi que pode fazer surgir a sabedoria, ninguém se perde
nele. Os praticantes devem entender isto muito bem. Você não deve ficar sem
essa consciência, ela deve estar presente do começo ao fim. Esse tipo de
samadhi não apresenta nenhum perigo.
Vocês devem estar se perguntando, de onde surge o benefício, como surge a
sabedoria, do samadhi? Quando o samadhi correto foi
desenvolvido, a sabedoria tem a possibilidade de surgir em todos os momentos.
Quando o olho vê uma forma, o ouvido ouve um som, o nariz cheira um aroma, a
língua experimenta um sabor, o corpo experimenta o toque ou a mente
experimenta objetos mentais - em todas as posturas - a mente permanece com
pleno conhecimento da verdadeira natureza dessas impressões sensuais, ela
não é seletiva. Em qualquer situação estamos plenamente atentos ao
surgimento da felicidade e da infelicidade. Nós nos soltamos de ambas coisas,
não nos apegamos. A isto se denomina a Prática Correta, que está presente em
todas as posturas. Essas palavras "todas as posturas" não se referem somente
a posturas do corpo, elas se referem à mente, que possui atenção plena e
plena consciência da verdade durante todo o tempo. Quando samadhi foi
desenvolvido corretamente, a sabedoria surge dessa forma. A isto se denomina
"insight," o conhecimento da verdade.
Existem dois tipos de paz - a grosseira e a refinada. A paz que surge de
samadhi é do tipo grosseira. Quando a mente está tranqüila existe a
felicidade. A mente então assume que essa felicidade é a paz. Mas a
felicidade e a infelicidade são o devir e o nascimento. Não existe
escapatória do samsara [6
] nesse caso porque ainda temos apego. Dessa forma a felicidade não é paz, a
paz não é felicidade.
O outro tipo de paz é aquele que surge da sabedoria. Nesse caso não
confundimos a paz com a felicidade; conhecemos a mente que contempla e que
conhece a felicidade e a infelicidade como sendo paz. A paz que surge da
sabedoria não é a felicidade, mas é aquela que vê a verdade de ambas, a
felicidade e a infelicidade. O apego a esses estados não surge, a mente se
eleva acima deles. Esse é o verdadeiro objetivo de toda a prática Budista.
"...O Buda estabeleceu a Virtude, Concentração e Sabedoria como o Caminho
para a paz, o caminho para a iluminação. Mas na verdade essas coisas não são
a essência do Budismo. Elas são somente o Caminho…A essência do Budismo é a
paz e a paz é o resultado de conhecer verdadeiramente a natureza de todas as
coisas..."
O ensinamento Budista compreende o abandono do mal e a prática do bem. Então,
quando o mal é abandonado e o bem estabelecido, precisamos nos soltar de
ambos, do bem e do mal. Já ouvimos o suficiente acerca de condições
benéficas e prejudiciais para sermos capazes de entender algo a seu respeito,
portanto eu gostaria de falar sobre o Caminho do Meio, isto é, o caminho
para escapar dessas duas coisas.
Todas palestras do Dhamma e ensinamentos do Buda possuem um objetivo -
mostrar como sair do sofrimento para aqueles que ainda não conseguiram
escapar. Os ensinamentos possuem como objetivo nos transmitir o entendimento
correto. Se não entendermos corretamente, então não alcançaremos a paz.
Quando os vários Budas se iluminaram e transmitiram os seus primeiros
ensinamentos, todos eles falaram acerca desses dois extremos - entregar-se
ao prazer e entregar-se à dor. [7] Esses dois caminhos são
os caminhos das paixões cegas, eles são os caminhos entre os quais oscilam
aqueles que se entregam aos prazeres sensuais, sem nunca alcançar a paz.
Eles são os caminhos que ficam dando volta no samsara.
O Iluminado observou que todos os seres estão presos a esses dois extremos,
nunca enxergando o Caminho do Meio do Dhamma, portanto ele os expôs de forma
a mostrar a punição envolvida em ambos. Porque nós ainda estamos presos,
porque ainda desejamos, vivemos repetidas vezes sob a sua ditadura. O Buda
declarou que esses dois caminhos são os caminhos da embriaguez, eles não são
os caminhos de um meditador, nem os caminhos para a paz. Esses caminhos são
a entrega ao prazer e a entrega à dor ou, para colocar de maneira
simplificada, o caminho da negligência e o caminho da tensão. Se você
investigar interiormente, momento a momento, verá que o caminho da tensão é
a raiva, o caminho do sofrimento. Seguindo por esse caminho haverá somente
dificuldade e sofrimento. Entregar-se ao prazer - se você escapou dela, isso
significa que você escapou da felicidade. Esses caminhos, tanto a felicidade
como a infelicidade não são estados de paz. O Buda ensinou a soltar ambos.
Essa á a prática correta. Esse é o Caminho do Meio. Essas palavras, "o
Caminho do Meio", não se referem ao nosso corpo e linguagem, elas se referem
à mente. Quando uma impressão mental que não gostamos surge, ela afeta a
mente e surge a confusão. Quando a mente está confusa, quando ela está
agitada, esse não é o caminho correto. Quando surge uma impressão mental da
qual gostamos, a mente se move para entregar-se ao prazer - esse não é o
caminho tampouco.
Nós não queremos sofrer, queremos a felicidade. Mas na verdade a felicidade
é apenas uma forma refinada de sofrimento. O sofrimento em si é a forma
grosseira. Você pode compará-los a uma cobra. A cabeça da cobra é a
infelicidade, a cauda da cobra é a felicidade. A cabeça da cobra é realmente
perigosa, ela possui as presas venenosas. Se você tocá-la a cobra morderá
imediatamente. Mas não importa a cabeça, mesmo se você segurar a cauda, ela
irá se voltar e mordê-lo do mesmo jeito, porque ambos a cabeça e a cauda
pertencem à mesma cobra.
Da mesma forma, ambas a felicidade e a infelicidade, ou prazer e dor, surgem
do mesmo progenitor - desejo. Portanto, quando você está feliz a mente não
está em paz. Não está mesmo! Por exemplo, quando obtemos as coisas que
queremos, tal como riquezas, prestígio, elogios ou felicidade, como
resultado ficamos satisfeitos. Mas a mente ainda abriga algum desconforto
porque tememos perder algo. Esse mesmo temor não é um estado pacífico. Mais
tarde poderemos até perder algo e então realmente sofreremos. Dessa forma,
se você não tiver consciência, mesmo que esteja feliz, o sofrimento é
iminente. É exatamente o mesmo que agarrar a cauda da cobra - se você não
soltá-la ela irá mordê-lo. Portanto quer seja a cauda ou a cabeça da cobra,
isto é, condições benéficas ou prejudiciais, elas são apenas qualidades da
Roda da Existência, mudando interminavelmente.
O Buda estabeleceu a virtude, concentração e sabedoria como o caminho para a
paz, o caminho para a iluminação. Mas na verdade essas coisas não são a
essência do Budismo. Elas são somente o caminho. O Buda as chamava de
"Magga", que significa "caminho". A essência do Budismo é a paz e essa paz
surge conhecendo verdadeiramente a natureza de todas as coisas. Se
investigarmos de perto, veremos que a paz não é a felicidade nem a
infelicidade. Nenhuma delas é a verdade.
A mente humana, a mente que o Buda nos estimulou a conhecer e investigar, é
algo que somente podemos conhecer através da sua atividade. A verdadeira "mente
original" não pode ser medida, não pode ser conhecida. No seu estado natural
ela é inabalável, imóvel. Quando surge a felicidade, o que ocorre é que essa
mente se perde em uma impressão mental, existe movimento. Quando a mente se
move dessa forma, o apego e a ligação a essas coisas surgem.
O Buda estabeleceu o caminho da prática completo, mas nós ainda não o
praticamos, ou se o fazemos, nós o praticamos somente com a linguagem. As
nossas mentes e a nossa linguagem ainda não estão em harmonia, nós nos
entregamos apenas a uma conversa sem propósito. Mas a base do Budismo não é
algo acerca do qual se possa conversar ou fazer conjecturas. A base real do
Budismo é o completo conhecimento acerca da verdade da realidade. Se alguém
conhece essa verdade então não existe a necessidade de nenhum ensinamento.
Se alguém não a conhece, mesmo que ele escute os ensinamentos, ele na
verdade não os irá ouvir. É por isso que o Buda disse, "O Abençoado apenas
indica o caminho". Ele não pode realizar a prática por você, porque a
verdade é algo que não pode ser colocada em palavras ou revelada.
Todos os ensinamentos são apenas metáforas e comparações, meios para ajudar
a mente a ver a verdade. Se não pudermos ver a verdade, sofreremos. Por
exemplo, geralmente dizemos "sankharas" [8] quando nos
referimos ao corpo. Qualquer pessoa pode dizer isso mas na verdade temos
problemas simplesmente porque não conhecemos a verdade desses sankharas,
e por isso nos apegamos a eles. Porque não conhecemos a verdade do corpo,
sofremos.
Vou dar um exemplo. Suponha que uma manhã você está caminhando para o
trabalho e um homem do outro lado da rua lhe grita ofensas e insultos. Assim
que você ouve essas ofensas a sua mente muda do seu estado normal. Você não
se sente tão bem, você sente raiva e mágoa. Aquele homem se encontra ali
ofendendo-o dia e noite. Quando você ouve a ofensa, você fica com raiva e
mesmo quando você volta para casa, ainda sente raiva porque você se sente
vingativo, você quer revidar.
Alguns dias mais tarde um outro homem vem na sua casa e lhe diz. "Ei! Aquele
homem que o ofendeu outro dia, ele está louco, ele está insano! Já faz
vários anos! Ele ofende a todos dessa forma. Ninguém presta atenção ao que
ele diz". Assim que você ouve isso, você se sente repentinamente aliviado.
Aquela raiva e mágoa que estavam armazenadas dentro de você todos esses dias
se dissolvem completamente. Porque? Porque agora você conhece a verdade.
Antes, você não sabia, você pensava que aquele homem era normal, por isso
você estava com raiva dele. Pensando dessa forma fez com que você sofresse.
Assim que você descobriu a verdade, tudo mudou: "Ah, ele está louco! Isso
explica tudo!" Entendendo isso, você se sente bem, porque você sabe por você
mesmo. Entendendo, então, você pode soltar de tudo. Se você não sabe a
verdade você se agarra ao sentimento. Quando você estava pensando que o
homem que o havia ofendido era normal, você poderia tê-lo matado. Mas quando
você descobriu a verdade, que ele está louco, você se sentiu muito melhor.
Esse é o conhecimento da verdade.
Alguém que vê o Dhamma tem uma experiência semelhante. Quando a cobiça,
aversão e delusão desaparecem, eles desaparecem do mesmo modo. Enquanto não
conhecemos essas coisas pensamos, "O que posso fazer? Eu tenho tanto desejo
e aversão". Esse não é o claro conhecimento. É exatamente o mesmo quando
pensávamos que o homem louco era equilibrado. Quando finalmente vimos que
ele estava louco todo o tempo, nos aliviamos da aflição. Ninguém poderia
mostrar-lhes isso. Somente quando a mente vê por si mesma é possível
arrancar pela raiz e abandonar o apego.
É o mesmo que ocorre com este corpo que chamamos de sankharas. Embora
o Buda já tenha explicado que não se trata de algo sólido ou real como tal,
nós ainda não aceitamos isso, teimosamente nos agarramos a ele. Se o corpo
pudesse falar, ele nos diria o tempo todo, "Você não é o meu dono, sabia?"
Na verdade ele nos está dizendo isso o tempo todo, mas é a linguagem do
Dhamma, por isso somos incapazes de entendê-lo. Por exemplo, os órgãos dos
sentidos: olho, ouvido, nariz, língua e corpo estão mudando todo o tempo,
mas eu nunca os vi pedir permissão uma vez que seja! Tal como quando temos
dor de cabeça ou dor de estômago - o corpo nunca pede primeiro permissão,
ele simplesmente faz o que quer, seguindo o seu curso natural. Isso mostra
que o corpo não permite que ninguém seja o seu dono, ele não tem dono. O
Buda o descreveu como algo vazio.
Nós não entendemos o Dhamma e por isso não entendemos esses sankharas;
nós assumimos que eles são nós mesmos, que nos pertencem ou pertencem a
outros. Isso faz surgir o apego. Quando o apego surge, "vir a ser" vem em
seguida. Uma vez que o devir surge, então existe o nascimento. Uma vez que
existe o nascimento, então o envelhecimento, enfermidade, morte…toda a massa
de sofrimento surge. Isto é Paticcasamuppada. [9]
Nós dizemos que a ignorância faz surgir as atividades volitivas, elas dão
origem à consciência e assim por diante. Todas essas coisas são simplesmente
eventos que se passam na mente. Quando entramos em contato com alguma coisa
da qual não gostamos, se não temos atenção plena, a ignorância estará ali. O
sofrimento surge imediatamente. Mas a mente passa por essas mudanças tão
rapidamente que não nos é possível acompanhá-la. É o mesmo quando você cai
de uma árvore. Antes que você se dê conta - "Pum!" - você caiu no solo. Na
verdade você passou por muitos galhos e ramos pelo caminho mas você não foi
capaz de contá-los, você não foi capaz de se lembrar deles à medida que
passava por eles. Você somente caiu e depois "Pum!"
Com o Paticcasamuppada é o mesmo. Se o dividirmos da forma como está
nas escrituras, diremos que a ignorância dá origem às atividades volitivas,
as atividades volitivas dão origem à consciência, a consciência dá origem à
mentalidade-materialidade, a mentalidade-materialidade dá origem aos seis
meios dos sentidos, os seis meios dos sentidos dão origem ao contato
sensual, o contato dá origem à sensação, a sensação dá origem ao desejo, o
desejo dá origem ao apego, o apego dá origem ao ser/existir, o ser/existir
dá origem ao nascimento, o nascimento dá origem ao envelhecimento,
enfermidade, morte e todas as formas de sofrimento. Mas na verdade, quando
você entra em contato com alguma coisa da qual você não gosta, o sofrimento
é imediato! Essa sensação de sofrimento é na verdade o resultado de toda a
cadeia do Paticcasamuppada. É por isso que o Buda exortava os seus
discípulos a investigar e conhecer as suas mentes inteiramente.
Quando as pessoas nascem no mundo elas não possuem nomes - uma vez que
nascem, lhes damos nomes. Isso é uma convenção. Damos nomes para as pessoas
por conveniência, para ter como chamar um ao outro. Com as escrituras ocorre
o mesmo. Separamos tudo com rótulos para que o estudo da realidade seja
facilitado. Da mesma forma, todas as coisas são simplesmente sankharas.
A sua natureza é que são coisas originadas de condições. O Buda disse que
elas são impermanentes, insatisfatórias e não-eu. Elas são instáveis. Nós
realmente não entendemos isso, nossa compreensão é falha e por isso temos o
entendimento incorreto. Esse entendimento incorreto é de que os sankharas
somos nós mesmos, que nós somos os sankharas, ou de que a felicidade
ou infelicidade somos nós mesmos, nós somos a felicidade e a infelicidade.
Ver dessa forma não é conhecer plena e claramente a verdadeira natureza das
coisas. A verdade é que não podemos forçar todas essas coisas a seguir os
nossos desejos, elas seguem o caminho da natureza.
Uma simples comparação: suponha que você vá e se sente no meio de uma
autopista com carros e caminhões vindo na sua direção. Você não pode ficar
com raiva dos carros e gritar, "Não dirijam por aqui! Não dirijam por aqui!"
É uma autopista, você não pode dizer-lhes isso! Então o que você pode fazer?
Você sai da autopista! A autopista é o lugar dos carros, se você não quiser
que os carros estejam ali, você irá sofrer.
É o mesmo com os sankharas. Nós dizemos que eles nos perturbam, tal
como quando sentamos em meditação e ouvimos um som. Nós pensamos, "Ah, esse
som está me aborrecendo". Se pensarmos que o som está nos perturbando então
conseqüentemente sofreremos. Se investigarmos um pouco mais, veremos que
somos nós que saímos e perturbamos o som! O som é simplesmente som. Se o
entendermos dessa forma então não há nada mais e nós o deixamos em paz.
Veremos que o som é uma coisa, nós somos outra. Aquele que deduz que o som
surge para perturbá-lo é alguém que não consegue ver a si mesmo. Ele
realmente não consegue! Uma vez que você consiga ver a si mesmo, então você
estará tranqüilo. O som é somente um som, porque você deveria agarrá-lo?
Você verá que na verdade foi você quem saiu e perturbou o som. Esse é o
genuíno conhecimento da verdade. Você vê os dois lados, assim você terá paz.
Se você enxergar somente um lado, existirá o sofrimento. Uma vez que você
consiga ver ambos lados, você estará seguindo o Caminho do Meio. Essa é a
prática mental correta. Isso é o que chamamos de "acertar a nossa
compreensão".
Da mesma forma, a natureza de todos sankharas é a impermanência e a
morte, porém nós queremos agarrá-los, nós os carregamos conosco e os
desejamos. Queremos que eles sejam verdadeiros. Queremos encontrar a verdade
nessas coisas que não são verdadeiras! Sempre que alguém pense assim e se
apegue aos sankharas como sendo ele mesmo, ele sofrerá. O Buda queria
que o levássemos em conta dessa forma.
A prática do Dhamma não depende de ser um monge, um noviço ou um leigo; ela
depende de acertarmos a nossa compreensão. Se o nosso entendimento é correto,
alcançaremos a paz. Quer você seja ordenado ou não, é a mesma coisa, todas
as pessoas têm a oportunidade de praticar o Dhamma, de contemplá-lo. Nós
todos contemplamos a mesma coisa. Se você alcança a paz, é a mesma paz para
todos; é o mesmo Caminho, com os mesmos métodos.
Portanto, o Buda não discriminava entre leigos e monges, ele ensinou todas
as pessoas a praticar para conhecer a verdade dos sankharas. Quando
conhecemos essa verdade, nos soltamos deles. Se conhecermos a verdade não
haverá mais vir a ser ou nascimento. Como não haverá mais nascimento? Não há
mais como ocorrer o nascimento porque conhecemos plenamente a verdade dos
sankharas. Se conhecermos a verdade plenamente, então haverá paz. Ter ou
não ter, é tudo a mesma coisa. Ganho ou perda é o mesmo. O Buda nos ensinou
a entender isso. Isso é paz; paz da felicidade, infelicidade, alegria e
tristeza.
Precisamos ver que não há razão para nascer. Nascer de que forma? Nascer na
felicidade: Quando conseguimos algo que gostamos ficamos felizes por isso.
Se não existe apego a essa felicidade não existe nascimento; se existe apego,
a isso se chama "nascimento". Portanto se obtemos algo, não nascemos (na
felicidade). Se perdemos, não nascemos (na tristeza). Isto é o não nascido e
o imortal. O nascimento e a morte, ambos, são encontrados no apego e no amor
aos sankharas.
Assim o Buda disse: "O nascimento foi destruido, a vida santa foi vivida, o
que deveria ser feito foi feito, não há mais vir a ser a nenhum estado". Aí
está! Ele conhecia o não nascido e o imortal! Isso é o que o Buda
constantemente exortava os seus discípulos a conhecer. Essa é a prática
correta. Se você não alcançá-la, não irá alcançar o Caminho do Meio e então
não irá transcender o sofrimento.
"...Meditar significa pacificar a mente de modo a permitir que a sabedoria
surja…Para colocar de forma sucinta, é apenas uma questão de felicidade e
infelicidade. A felicidade é uma sensação agradável na mente, a infelicidade
é justamente a sensação desagradável. O Buda ensinou a separar essa
felicidade e infelicidade da mente..."
É muito importante que pratiquemos o Dhamma. Se não praticarmos, então todo
o nosso conhecimento será somente um conhecimento superficial, a sua
cobertura externa somente. É como se tivéssemos um certo tipo de fruta mas
que ainda não a tivéssemos comido. Apesar de termos essa fruta nas nossas
mãos, ela não nos traz nenhum benefício. Somente comendo a fruta é que
podemos realmente conhecer o seu sabor.
O Buda não louvava aqueles que simplesmente acreditavam nos outros, ele
louvava a pessoa que tinha o conhecimento interiorizado. O mesmo que com a
fruta, se nós já a tivermos provado, não precisaremos perguntar a ninguém
mais se ela é doce ou azeda. Os nossos problemas estão solucionados. Porque
estão resolvidos? Porque vemos de acordo com a verdade. Aquele que
compreendeu o Dhamma é como aquele que percebeu a doçura ou acidez da fruta.
Todas as dúvidas terminam nesse momento.
Quando falamos sobre o Dhamma, embora possamos falar muito, usualmente, isso
pode ser resumido em quatro coisas. Elas são simplesmente entender o
sofrimento, entender a causa do sofrimento, entender o fim do sofrimento e
entender o caminho da prática que conduz ao fim do sofrimento. Isso é tudo.
Tudo que experimentamos até agora no caminho da prática se resume nessas
quatro coisas. Quando entendermos essas coisas, os nossos problemas terminam.
De onde surgem essas quatro coisas? Elas surgem justamente deste corpo e
desta mente, de nenhum outro lugar. Então porque o Dhamma do Buda é tão
amplo e extenso? Ele é assim de forma a explicar essas coisas de uma maneira
mais detalhada, para ajudar-nos a vê-las.
Quando Siddhattha Gotama nasceu neste mundo, antes que ele enxergasse o
Dhamma, ele era uma pessoa comum como qualquer um de nós. Quando ele
entendeu o que era para ser entendido, isto é, a verdade do sofrimento, a
causa, o fim e o caminho que conduz ao fim do sofrimento, ele compreendeu o
Dhamma e se tornou um Buda perfeitamente Iluminado.
Quando nós compreendemos o Dhamma, em qualquer lugar que sentemos,
entenderemos o Dhamma, em qualquer lugar que estejamos, ouviremos os
ensinamentos do Buda. Quando nós compreendemos o Dhamma, o Buda está dentro
da nossa mente, o Dhamma está dentro da nossa mente e a prática que conduz à
sabedoria está dentro da nossa mente. Ter o Buda, o Dhamma e a Sangha dentro
da nossa mente significa que, boas ou más, saberemos claramente, por nós
mesmos, a verdadeira natureza das nossas ações. Foi assim que o Buda
descartou as opiniões mundanas, ele descartou os elogios e as críticas.
Quando as pessoas o elogiavam ou criticavam ele simplesmente aceitava ambos
pelo que eram. Essas duas coisas são simplesmente condições mundanas, assim
ele não se abalava com elas. Porque não? Porque ele conhecia o sofrimento.
Ele sabia que se ele acreditasse nesse elogio ou crítica, estes lhe
causariam sofrimento.
Quando o sofrimento surge ele nos agita, nos sentimos perturbados. Qual é a
causa desse sofrimento? É porque não conhecemos a Verdade, essa é a causa.
Quando a causa está presente, então o sofrimento surge. Uma vez que surge
nós não sabemos como pará-lo. Quanto mais tentamos pará-lo, mais intenso ele
fica. Nós dizemos, "Não me critique", ou "Não ponha a culpa em mim". Ao
tentar pará-lo dessa forma, o sofrimento fica realmente mais intenso e ele
não irá parar.
Portanto, o Buda ensinou que o caminho que conduz ao fim do sofrimento é
fazer surgir o Dhamma como uma realidade dentro das nossas mentes. Nos
tornamos alguém que testemunha o Dhamma por si mesmo. Se alguém diz que
somos bons, nós não nos perdemos nisso; eles dizem que não somos bons, nós
não nos perdemos nisso; eles dizem que não somos bons e nós não nos
esquecemos de nós mesmos. Dessa forma podemos nos libertar. "Bem" e "mal"
são apenas dhammas mundanos, eles são, apenas, estados da mente. Se os
seguirmos, a nossa mente se transforma no mundo, nós ficamos tateando no
escuro e não sabemos onde está a saída. Se é assim, então ainda não temos
controle sobre nós mesmos. Tentamos derrotar os outros, mas agindo assim
apenas derrotamos a nós mesmos; porém se temos controle sobre nós mesmos
então temos controle sobre tudo - sobre todas as formações mentais, visões,
sons, aromas, sabores e sensações corporais. Agora estou falando de coisas
externas, elas são assim, mas o exterior também está refletido internamente.
Algumas pessoas apenas conhecem o exterior, elas não conhecem o interior.
Como quando dizemos para "ver o corpo no corpo". Ver o corpo exterior não é
suficiente, precisamos conhecer o corpo dentro do corpo. Então, tendo
investigado a mente, devemos conhecer a mente dentro da mente.
Porque devemos investigar o corpo? O que é esse "corpo no corpo"? Quando
falamos conhecer a mente, o que é essa "mente"? Se não conhecermos a mente
então não conheceremos as coisas dentro da mente. É ser alguém que não
conhece o sofrimento, não conhece a causa, não conhece o fim e não conhece o
caminho. As coisas que deveriam ajudar a extinguir o sofrimento não
funcionam porque nós somos distraídos pelas coisas que o agravam. É como se
tivéssemos uma coceira na cabeça e coçássemos a perna! Se é a nossa cabeça
que está coçando então obviamente não vamos obter muito alívio. Da mesma
forma, quando o sofrimento surge, não sabemos como lidar com ele, não
conhecemos a prática que conduz ao fim do sofrimento.
Por exemplo, vejam o corpo, este corpo que cada um de nós trouxe a esta
reunião. Se somente virmos a forma do corpo não há como escapar do
sofrimento. Porque não? Porque ainda não enxergamos o interior do corpo,
somente vemos o exterior. Somente o vemos como algo belo, que possui
substância. O Buda disse que somente isso não é o suficiente. Nós vemos o
exterior com os nossos olhos; uma criança pode vê-lo, animais podem vê-lo,
não é difícil. O exterior do corpo pode ser visto com facilidade, mas ao vê-lo
nos prendemos a ele, não conhecemos a verdade a seu respeito. Ao vê-lo nós o
agarramos e ele nos morde!
Portanto devemos investigar o corpo dentro do corpo. Não importa o que
exista no corpo, vá em frente e olhe. Se virmos somente o exterior, não
estará nítido. Vemos cabelo, unhas e assim por diante e elas são apenas
coisas belas que nos atraem, por isso o Buda nos ensinou a olhar para dentro
do corpo, para ver o corpo dentro do corpo. O que é o corpo? Olhem para
dentro atentamente! Veremos muitas coisas ali que nos surpreenderão, porque
apesar de estarem dentro de nós, nós nunca as vimos. Para qualquer lugar que
caminhemos, nós vamos carregá-las conosco, sentados em um carro, nós vamos
levá-las conosco, mas mesmo assim não as conhecemos!
É como quando visitamos alguns parentes e eles nos dão um presente. Nós o
pegamos e colocamos na nossa mala e depois saímos sem abri-lo para ver o que
é. Quando finalmente o abrimos - está cheio de cobras venenosas! O nosso
corpo é igual. Se virmos somente a sua casca diremos que ele é agradável e
bonito. Nós nos esquecemos. Esquecemos que é impermanente, insatisfatório e
não-eu. Se olharmos dentro deste corpo veremos que ele é realmente repulsivo.
Se virmos de acordo com a realidade, sem tentar disfarçar as coisas, veremos
que ele é realmente patético e cansativo. O desapego irá surgir. Essa
sensação de "desinteresse" não quer dizer que sintamos aversão pelo mundo ou
algo parecido; é simplesmente a nossa mente sendo limpa, a nossa mente se
soltando dele. Vemos as coisas como elas são por natureza. Não importa como
queiramos que sejam, elas serão do seu próprio jeito. Quer riamos ou
choremos, elas são simplesmente como são. As coisas que são instáveis, são
instáveis; as coisas que são feias, são feias.
Portanto o Buda disse que quando experimentamos visões, sons, sabores,
aromas, sensações corporais ou estados mentais, deveríamos
libertá-los.Quando o ouvido ouve um som, deixe-o ir. Quando o nariz cheira
um aroma, deixe-o ir…deixe-o no nariz! Quando as sensações corporais surgem,
solte-se do gostar ou não gostar que vem em seguida, deixe que retornem para
onde vieram. O mesmo para os estados mentais. Todas essas coisas, deixe que
elas sigam o seu caminho. Isso é o conhecimento. Quer seja felicidade ou
infelicidade, é a mesma coisa. A isto se chama meditação.
Meditação significa pacificar a mente de forma que a sabedoria possa surgir.
Isso exige que pratiquemos com o corpo e a mente de forma a ver e conhecer
as impressões sensuais da forma, do som, do sabor, do toque e das formações
mentais. Colocando de modo resumido, é somente uma questão de felicidade e
infelicidade. A felicidade é uma sensação agradável na mente, a infelicidade
é justamente a sensação desagradável. O Buda ensinou a separar essa
felicidade e infelicidade da mente. A mente é aquela que sabe. A sensação [10]
é a característica da felicidade ou infelicidade, gostar ou não gostar.
Quando a mente se entrega a essas coisas dizemos que ela se apega ou assume
que essa felicidade e infelicidade merecem ser guardadas. Esse apego é uma
ação mental, essa felicidade ou infelicidade é a sensação.
Quando afirmamos que o Buda nos disse para separar a mente da sensação, ele
não quis dizer literalmente colocá-los em lugares diferentes. Ele quis dizer
que a mente deve conhecer a felicidade e a infelicidade. Quando estamos
sentados em samadhi, por exemplo, e a paz preenche a mente, então a
felicidade pode vir mas ela não nos atinge, a infelicidade pode vir mas não
nos atinge. Isto é o que quer dizer separar a sensação da mente. Podemos
compará-lo com a água e óleo numa garrafa. Eles não se combinam. Mesmo se
você tentar misturá-los, o óleo permanece como óleo e a água permanece como
água. Porque ocorre isso? Porque eles possuem densidades diferentes.
O estado natural da mente não é nem de felicidade nem de infelicidade.
Quando uma sensação entra na mente então a felicidade ou infelicidade surge.
Se tivermos atenção plena então entenderemos a sensação agradável como
sensação agradável. A mente que sabe não irá se agarrar a ela. A felicidade
se encontra ali mas está "do lado de fora" da mente, não está enterrada
dentro da mente. A mente simplesmente sabe disso com clareza.
Se separarmos a infelicidade da mente, isso significa que não haverá
sofrimento, que nós não o experimentaremos? Sim, nós o experimentamos, porém
sabemos que a mente é mente e a sensação é sensação. Nós não nos agarramos a
essa sensação ou a carregamos conosco. O Buda separou essas coisas através
do conhecimento. Ele sofria? Ele conhecia o estado de sofrimento mas não se
apegava a ele, dessa forma dizemos que ele extirpou o sofrimento. E também
havia a felicidade, mas ele conhecia essa felicidade, quando ela não é
conhecida, é como um veneno. Ele não a tomou como parte de si mesmo. A
felicidade ali estava através do conhecimento, mas ela não existia na sua
mente. Dessa forma dizemos que ele separou a felicidade e a infelicidade da
sua mente.
Quando dizemos que o Buda e os Iluminados aniquilaram as contaminações, [11]
não é que eles realmente as aniquilaram. Se eles as tivessem aniquilado
então provavelmente nós não teríamos nenhuma! Eles não aniquilaram as
contaminações, quando eles as conheceram pelo que elas são, eles se soltaram
delas. Alguém que seja estúpido irá se agarrar a elas, mas os Iluminados
conheciam as contaminações como veneno nas suas mentes, assim eles as
varreram para fora. Eles varreram para fora as coisas que lhes causavam
sofrimento, eles não as aniquilaram. Alguém que não saiba disso verá algumas
coisas, assim como a felicidade, como boas e então irá agarrá-las, mas o
Buda as conhecia e simplesmente as varria para fora.
Mas quando a sensação surge nos entregamos a ela, isto é, a mente carrega
consigo aquela felicidade e infelicidade. Na verdade elas são duas coisas
distintas. As atividades da mente, sensações agradáveis, sensações
desagradáveis e assim por diante, são impressões mentais, elas são o mundo.
Se a mente sabe disso ela pode lidar igualmente com a felicidade ou a
infelicidade. Porque? Porque ela conhece a verdade acerca dessas coisas.
Alguém que não a conhece, as vê como sendo iguais. Se você se apega à
felicidade será ali onde irá surgir a infelicidade mais tarde, porque a
felicidade é instável, ela muda o tempo todo. Quando a felicidade desaparece,
surge a infelicidade.
O Buda sabia disso porque ambas a felicidade e a infelicidade são
insatisfatórias, elas possuem o mesmo valor. Quando surgia a felicidade ele
a soltava . Ele tinha a prática correta, vendo que ambas as coisas possuem
valores e desvantagens iguais. Elas se submetem à lei do Dhamma, isto é,
elas são instáveis e insatisfatórias. Uma vez que nascem, elas morrem.
Quando ele viu isso, o entendimento correto despertou e a prática correta se
tornou clara. Não importa que tipo de sentimento ou pensamento surgia na sua
mente, ele sabia que era simplesmente o jogo contínuo da felicidade e
infelicidade. Ele não se apegava a elas.
Pouco após a sua iluminação o Buda deu um sermão acerca de entregar-se ao
prazer e de entregar-se à dor. "Bhikkhus! Entregar-se ao prazer é o caminho
relaxado, entregar-se à dor é o caminho tenso". Essas foram as duas coisas
que atrapalharam a sua prática até o dia em que ele se iluminou, porque no
início ele não se soltava delas. Assim que ele as entendeu, ele passou a se
soltar delas e dessa forma foi capaz de proferir o seu primeiro sermão.
Portanto, dizemos que um meditador não deve seguir o caminho da felicidade
ou infelicidade, de preferência ele deve entendê-las. Entendendo a verdade
do sofrimento, ele saberá a causa do sofrimento, o fim do sofrimento e o
caminho que conduz ao fim do sofrimento. E o caminho que conduz ao fim do
sofrimento é a própria meditação. Para colocar de maneira simples,
precisamos estar plenamente atentos.
Atenção plena é saber, ou presença da atenção. Exatamente agora o que
estamos pensando, o que estamos fazendo? O que temos conosco exatamente
neste instante? Observamos dessa forma, estamos conscientes de como estamos
vivendo. Quando praticamos dessa forma, a sabedoria pode surgir. Nós
consideramos e investigamos todo o tempo, em todas as posturas. Quando uma
impressão mental surge e queremos conhecê-la tal como ela é, nós não a
tomamos como sendo algo com substância. É apenas felicidade. Quando a
infelicidade surge sabemos que se trata da entrega à dor, não é o caminho de
um meditador.
Isto é o que chamamos de separar a mente da sensação. Se formos espertos não
nos apegamos, deixamos as coisas como são. Nos tornamos "aquele que sabe'. A
mente e a sensação são como óleo e água, elas estão na mesma garrafa mas não
se misturam. Mesmo se estivermos enfermos ou com dor, ainda assim
entenderemos a sensação como sensação, a mente como mente. Conhecemos os
estados desconfortáveis ou confortáveis mas não nos identificamos com eles.
Somente permanecemos com a paz, a paz que está além do conforto e da dor.
Você deve entender dessa forma, porque se não há um eu permanente então não
existe refúgio. Você deve viver dessa forma, isto é, sem felicidade e sem
infelicidade. Você permanece simplesmente com esse entendimento, você não
carrega essas coisas.
Enquanto não alcançarmos a iluminação tudo isso pode soar estranho mas não
tem importância, nós simplesmente colocamos o nosso objetivo nessa direção.
A mente é a mente. Ela encontra a felicidade e a infelicidade e as vemos
apenas como tais, nada além disso. Elas são divididas, não misturadas. Se
estiverem misturadas então não as entenderemos. É como viver em uma casa, a
casa e o seu morador estão relacionados, porém separados. Se a nossa casa
está em perigo ficamos aflitos porque precisamos protegê-la, mas se a casa
pegar fogo precisaremos abandoná-la. Se uma sensação desconfortável surge
nós a abandonamos, tal como com a casa. Se ela estiver em chamas e nós
soubermos disso, sairemos correndo. São duas coisas distintas; a casa é uma
coisa, o morador é outra.
Dizemos que separamos a mente e a sensação dessa forma, mas na verdade por
natureza elas já estão separadas. A nossa realização é simplesmente conhecer
essa separação natural de acordo com a realidade. Quando dizemos que elas
não estão separadas é porque por ignorância da verdade nos apegamos a elas.
Por isso o Buda nos disse para meditar. Essa prática de meditação é muito
importante. Somente conhecer com o intelecto não é suficiente. O
conhecimento que é obtido através da prática com uma mente tranqüila e o
conhecimento que é obtido através do estudo são dois tipos realmente muito
distintos. O conhecimento que é obtido através do estudo não é o verdadeiro
conhecimento da nossa mente. A mente tenta agarrar e manter esse
conhecimento. Porque tentamos mantê-lo? Solte-o ! E então quando o soltamos,
lamentamos!
Se realmente tivermos o conhecimento, então poderemos nos soltar de tudo,
que as coisas sejam como são. Sabemos como as coisas são e não nos
esquecemos. Se acontecer de ficarmos enfermos não nos perderemos nisso.
Algumas pessoas pensam, "Este ano estive enfermo todo o tempo, não pude
nunca meditar". Essas são as palavras de uma pessoa realmente tola. Alguém
que esteja enfermo e morrendo deve realmente ser diligente na sua prática.
Uma pessoa pode dizer que não confia no seu corpo e por isso sente que não
consegue meditar. Se pensarmos assim então as coisas ficarão difíceis. O
Buda não ensinou dessa forma. Ele disse que aqui mesmo é o lugar para
meditar. Quando estamos enfermos ou morrendo é quando podemos realmente ver
e conhecer a realidade.
Outras pessoas dizem que elas não têm a oportunidade de meditar porque estão
muito ocupadas. Algumas vezes professores me procuram. Eles dizem que
possuem muitas responsabilidades e por isso não têm tempo para meditar. Eu
lhes pergunto, "Quando vocês estão ensinando, vocês têm tempo para respirar?"
Eles respondem, "Sim". "Portanto como que vocês têm tempo para respirar se o
trabalho é tão agitado e confuso? Nesse caso, vocês estão distantes do
Dhamma."
Na realidade, esta prática é justamente sobre a mente e as sensações. Não se
trata de algo que você tenha de correr atrás ou se esforçar. A respiração
continua enquanto trabalhamos. A natureza toma conta dos processos naturais
- tudo que precisamos fazer é estar atentos. Continuar tentando apenas, ver
internamente com clareza. A meditação é assim.
Se tivermos essa atenção presente, então todo trabalho que façamos será a
ferramenta que nos permitirá continuamente saber o que é certo e o que é
errado. Existe muito tempo para meditar, nós apenas não entendemos a prática
de forma completa, isso é tudo. Enquanto estamos dormindo, respiramos;
comendo, respiramos, não é mesmo? Porque não temos tempo para meditar? Onde
quer que seja que estejamos, respiramos. Se pensarmos dessa forma então a
nossa vida tem tanto valor quanto a nossa respiração, onde quer que
estejamos, temos tempo.
Todos os tipos de pensamentos são condições mentais, não condições do corpo,
deste modo, precisamos simplesmente ter a atenção presente, então saberemos
o que é certo e o que é errado todo o tempo. Em pé, caminhando, sentado e
deitado, existe tempo de sobra. Nós, apenas, não sabemos como usá-lo da
forma apropriada. Por favor levem isso em conta.
Não podemos fugir das sensações, precisamos conhecê-las. Sensação é apenas
sensação, felicidade é apenas felicidade, infelicidade é apenas infelicidade.
Elas são simplesmente isso. Portanto, porque deveríamos nos apegar a elas?
Se a mente for esperta, só de ouvir isso seria o suficiente para nos
permitir separar a sensação da mente.
Se investigarmos dessa forma continuamente, a mente irá encontrar a
libertação, mas não escapará através da ignorância. A mente se solta de tudo,
quando ela sabe. Ela não solta devido à estupidez, não porque ela não queira
que as coisas sejam como são. Ela solta porque sabe de acordo com a verdade.
Isso é ver a natureza, a realidade que está à nossa volta.
Quando sabemos isso somos alguém hábil com a mente, temos habilidade com as
impressões mentais. Quando temos habilidade com as impressões mentais somos
hábeis com o mundo. Isto é ser um "Conhecedor do Mundo". O Buda era alguém
que claramente conhecia o mundo com todas as suas dificuldades. Ele sabia
que o que é preocupante e que o que não é preocupante estavam exatamente ali.
O mundo é tão confuso, como é que o Buda foi capaz de entendê-lo? Com
relação a isso devemos entender que o Dhamma ensinado pelo Buda não está
além da nossa capacidade. Em todas as posturas devemos ter a atenção
presente e autoconsciência - e quando for o momento para sentar em meditação,
fazemos apenas isso.
Nós sentamos em meditação para estabelecer a paz e cultivar a energia
mental. Nós não o fazemos com o propósito de explorar algo especial. A
meditação de insight é estar sentado em samadhi . Em alguns lugares
se diz, "Agora vamos sentar em samadhi, depois disso faremos
meditação de insight". Não faça essa separação! A tranqüilidade é a base que
faz surgir a sabedoria, a sabedoria é o fruto da tranqüilidade. Dizer que
agora vamos fazer a meditação da tranqüilidade e mais tarde insight - você
não pode fazer isso! Você somente consegue dividi-las na linguagem. Tal como
uma faca, a lâmina está de um lado, a parte de trás da lâmina do outro. Você
não consegue dividi-las. Se você pegar um lado irá na verdade ficar com os
dois lados. A tranqüilidade faz a sabedoria surgir dessa forma.
A Virtude é o pai e a mãe do Dhamma. No princípio precisamos ter virtude. A
virtude é paz. Isso significa que não existem ações incorretas com o corpo
ou a linguagem. Quando não agimos da forma incorreta não ficamos agitados;
quando não ficamos agitados, então a paz e o autocontrole surgem na mente.
Portanto dizemos que a virtude, concentração e sabedoria são o caminho que
todos os Nobres trilharam em direção à iluminação. Eles são um só. A virtude
é concentração, a concentração é virtude. A concentração é sabedoria, a
sabedoria é concentração. É tal como uma manga. Quando ela é uma flor a
chamamos de flor. Quando se torna uma fruta a chamamos de manga. Quando
amadurece nós a chamamos de manga madura. Tudo isso é uma manga que muda
continuamente. A manga grande se desenvolve da manga pequena, a manga
pequena se torna uma grande. Você pode chamá-las de nomes diferentes ou dar
um nome só. Virtude, concentração e sabedoria estão relacionadas dessa
forma. Ao final todas são o caminho que conduz à iluminação.
A manga, do momento em que surge como uma flor, simplesmente se desenvolve
até o amadurecimento. Isso é o suficiente, nós devemos ver dessa forma. Seja
o que for que os outros a chamem, não importa. Uma vez nascida ela cresce
até envelhecer, e depois o que? Devemos meditar sobre isso.
Algumas pessoas não querem envelhecer. Quando elas envelhecem elas ficam se
lamentando. Essas pessoas não deveriam comer mangas maduras! Porque queremos
que as mangas amadureçam? Se não amadurecem no tempo certo, nós as
amadurecemos artificialmente, não é verdade? Porém quando envelhecemos
ficamos cheios de lamentações. Algumas pessoas choram, elas temem envelhecer
ou morrer. Se é assim, então elas não deveriam comer mangas maduras, melhor
comer somente as flores! Se podemos enxergar isso, então poderemos ver o
Dhamma. Tudo fica claro, estamos em paz. Decida-se a praticar dessa forma.
Assim, hoje, o Chefe Conselheiro e o seu grupo vieram juntos para ouvir o
Dhamma. Vocês deveriam tomar o que eu disse e analisar tudo cuidadosamente.
Se algo não estiver correto, por favor me desculpem. Mas para saberem se
está certo ou errado, depende de praticarem e enxergarem por si mesmos.
Aquilo que estiver errado, joguem fora. Aquilo que estiver certo, guardem e
usem. Mas na verdade, nós praticamos para soltar ambos, o que é correto e o
que é incorreto. Ao final jogamos tudo fora. Se for correto, jogue fora; se
for incorreto, jogue fora! Usualmente, se for correto nos apegamos à
correção, se for incorreto, nos agarramos à idéia de que é incorreto e então
as discussões surgem. Mas o Dhamma é o lugar onde não existe nada -
absolutamente nada.
"...O Buda se iluminou no mundo, ele contemplou o mundo. Se ele não houvesse
contemplado o mundo, se ele não houvesse visto o mundo, ele não poderia
haver superado o mundo. A iluminação do Buda foi simplesmente o despertar
deste mesmo mundo. O mundo estava ali mesmo: ganho e perda, elogio e crítica,
fama e má reputação, alegria e tristeza ainda estavam todas ali. Se não
fossem por essas coisas não haveria nada do que se despertar..."
Muitos de nós começamos a praticar e mesmo após um ano ou dois, ainda não
sabemos o que é o que. Ainda nos sentimos inseguros em relação à prática.
Quando nos sentimos inseguros, não enxergamos que tudo à nossa volta é
claramente o Dhamma, e dessa forma buscamos os ensinamentos dos Ajaans. Mas
na verdade, quando conhecemos a nossa própria mente, quando temos sati
para olhar de perto para a mente, existe a sabedoria. Todos os momentos e
todas as situações se tornam ocasiões para ouvir o Dhamma.
Podemos aprender o Dhamma da natureza das árvores, por exemplo. Uma árvore nasce devido a causas e cresce seguindo o curso da natureza. Nisso, a árvore está nos ensinando o Dhamma, porém não o entendemos. No seu devido tempo, ela cresce até que brotos, flores e frutos apareçam. Tudo que vemos é a aparência das flores e frutos, somos incapazes de interiorizar e contemplar isso. Por isso não sabemos que a árvore está nos ensinando o Dhamma. O fruto aparece e nós simplesmente o comemos sem investigar: doce, azedo ou salgado, é a natureza da fruta. E esse Dhamma é o ensinamento da fruta. Dando seguimento, as folhas envelhecem. Elas ficam murchas, morrem e depois caem das árvores. Tudo que vemos é que as folhas caíram. Nós pisamos nelas, varremo-las e isso é tudo. Nós não investigamos a fundo, por isso não sabemos que a natureza está-nos ensinando. Mais tarde, as novas folhas brotam e nós vemos somente isso, sem levar o assunto mais adiante. Nós não trazemos essas coisas para dentro das nossas mentes para contemplá-las.
Se pudermos trazer tudo isso para dentro e investigar, veremos que o
nascimento de uma árvore e o nosso próprio nascimento não têm diferença.
Este nosso corpo nasce e existe dependendo de condições, dos elementos
terra, água, ar e fogo. Tendo a sua comida, ele crescerá e crescerá. Todas
as partes do corpo mudam e fluem de acordo com a sua natureza. Não existe
diferença em relação à árvore; cabelo, unhas, dentes e pele - tudo muda. Se
entendermos as coisas da natureza, então entenderemos a nós mesmos.
As pessoas nascem. Ao final elas morrem. Tendo morrido elas nascem novamente.
Unhas, dentes e pele constantemente morrem e crescem outra vez. Se
entendermos a prática então veremos que uma árvore não é diferente de nós.
Se entendermos os ensinamentos dos Ajaans, então nos daremos conta de que o
exterior e o interior são comparáveis. As coisas que possuem consciência e
aquelas sem consciência não são diferentes. Elas são iguais. E se
entendermos essa identidade, então quando vemos a natureza de uma árvore por
exemplo, saberemos que não existe diferença em relação aos nossos cinco
khandhas [12] -- corpo, sensação, percepção,
formações mentais e consciência. Se entendemos isso então entendemos o
Dhamma. Se entendemos o Dhamma entendemos os cinco khandhas e como
eles se movem e mudam constantemente, sem nunca parar.
Portanto quer seja em pé, caminhando, sentados ou deitados, nós deveríamos
ter sati para vigiar e cuidar da mente. Quando vemos as coisas
externas é como se víssemos as coisas internas. Quando vemos as coisas
internas é como se víssemos as coisas externas. Se compreendermos isso então
poderemos ouvir o ensinamento do Buda. Se compreendermos isso, então
poderemos dizer que a qualidade do Buda, 'aquela que sabe', foi estabelecida
Ela conhece o externo. Ela conhece o interno. Conhece todas as coisas que
surgem. Entendendo dessa forma, então sentados ao pé de uma árvore ouviremos
os ensinamentos do Buda. Em pé, caminhando, sentados ou deitados, ouviremos
os ensinamentos do Buda. Vendo, ouvindo, cheirando, saboreando, tocando e
pensando, ouviremos os ensinamentos do Buda. O Buda é somente isso 'aquele
que sabe' dentro dessa nossa mente. Ele conhece o Dhamma, investiga o
Dhamma. A qualidade do Buda, 'aquela que sabe', surge, a mente se torna
iluminada.
Se estabelecermos o Buda dentro da nossa mente então veremos tudo,
contemplaremos tudo, como não sendo diferente de nós mesmos. Veremos vários
animais, árvores, montanhas e plantas como não sendo diferentes de nós
mesmos. Veremos pessoas pobres e ricas - elas não são diferentes! Elas
possuemm toodas as mesmas características. Quem compreende isto, estará
satisfeito em qualquer lugar. Ele ouve os ensinamentos do Buda em todos os
momentos. Se não compreendermos isso, então mesmo que gastemos todo o nosso
tempo ouvindo os ensinamentos dos vários Ajaans, ainda assim não
compreenderemos o significado deles.
O Buda disse que a iluminação do Dhamma é somente conhecer a Natureza, [13]
a realidade que nos cerca, a Natureza que está exatamente aqui! Se não
entendermos essa Natureza experimentaremos decepções e alegrias, estaremos
perdidos em humores, fazendo surgir a tristeza e o remorso. Estar perdido em
objetos mentais é estar perdido na Natureza. Quando nos perdemos na Natureza
então não entendemos o Dhamma. O iluminado apenas apontou essa Natureza.
Tendo surgido, todas as coisas mudam e morrem. As coisas que fazemos, tal
como pratos, tigelas e vasilhas, todas possuem a mesma característica. Uma
tigela é moldada devido a uma causa, o impulso do homem em criar e na medida
em que a usamos, ela fica velha, se quebra e desaparece. Árvores, montanhas
e plantas são o mesmo, até os animais e pessoas.
Quando Añña Kondañña, o primeiro discípulo, ouviu o ensinamento do Buda pela
primeira vez, a compreensão que ele alcançou não foi algo complicado. Ele
simplesmente viu que tudo aquilo que nasce está sujeito à mudança e ao
envelhecimento como uma condição natural e no final das contas terá que
morrer. Añña Kondañña nunca havia pensado nisso antes, ou se havia não
estava completamente claro, dessa forma ele não havia ainda se soltado, ele
ainda estava agarrado aos khandhas. Estando sentado, com atenção
plena, ouvindo o discurso do Buda, a qualidade do Buda surgiu nele. Ele
recebeu uma espécie de "transmissão" do Dhamma que era o conhecimento de que
todas as coisas condicionadas são impermanentes. Tudo aquilo que nasce tem
que ter o envelhecimento e a morte como resultado natural.
Essa sensação era diferente de tudo aquilo que ele havia conhecido antes.
Ele realmente entendeu a sua mente e assim o "Buda" surgiu dentro dele.
Naquela ocasião o Buda declarou que Añña Kondañña havia recebido o Olho do
Dhamma.
E o que é que esse Olho do Dhamma vê? Esse Olho vê que tudo que nasce tem o
envelhecimento e a morte como resultado natural. "Tudo que nasce" significa
tudo mesmo! Quer seja material ou imaterial, tudo se encaixa no termo "tudo
que nasce". Se refere a toda a Natureza. Como este corpo por exemplo - nasce
e depois prossegue até a extinção. Quando é pequeno, "morre" da infância
para a juventude. Após um tempo ele "morre" da juventude e se transforma na
meia idade. Então prossegue para "morrer” da meia idade e alcançar a velhice,
finalmente chegando ao fim. Árvores, montanhas e plantas todos têm essa
característica.
Portanto a visão ou entendimento 'daquele que sabe' claramente entraram na
mente de Añña Kondañña enquanto ele estava ali sentado. Esse conhecimento de
"tudo que nasce" ficou profundamente cravado na sua mente, permitindo que
ele desenraizasse o apego ao corpo. Esse apego era sakkayaditthi.
Isso significa que ele não tomou o corpo como sendo um eu ou um ser, ou em
termos de "ele" ou "eu". Ele não se apegou ao corpo. Ele o viu com clareza e
dessa forma desenraizou sakkayaditthi.
E vicikiccha (dúvida) foi destruída. Tendo desenraizado o apego pelo
corpo ele não duvidou do seu entendimento. Silabbata paramasa [14]
também foi desenraizado. A sua prática se tornou firme e segura. Mesmo se o
seu corpo estivesse com dores ou febre ele não se agarraria a ele, ele não
tinha dúvida. Ele não teria dúvida porque havia desenraizado o apego. Esse
agarrar-se ao corpo é chamado de silabbata paramasa. Quando alguém
desenraiza essa idéia de que o corpo é o eu, o agarramento e a dúvida
terminam. Se essa idéia do corpo como o eu apenas surgir na mente, então o
agarramento e a dúvida têm início exatamente ali.
Portanto enquanto o Buda explicava o Dhamma, Añña Kondañña abriu o Olho do Dhamma. Esse Olho é exatamente "Aquele que vê com clareza". Ele vê as coisas de uma maneira diferente. Ele vê a Natureza. Ao ver a Natureza com clareza, o apego é desenraizado e 'Aquele que sabe' nasce. Antes ele sabia mas ainda tinha apego. Você poderia dizer que ele conhecia o Dhamma mas que ainda não o havia visto, ou que ele havia visto o Dhamma mas que ainda não estava integrado com ele.
No momento em que o Buda disse, "Kondañña sabe." O que ele sabia? Ele sabia
apenas sobre a Natureza! Usualmente nos perdemos na Natureza, tal como com
este nosso corpo. Terra, água, fogo e ar se juntam para constituir este
corpo. É um aspecto da Natureza, um objeto material que podemos ver com o
olho. Ele existe na dependência da comida, cresce e muda até que finalmente
chegue à extinção.
Vindo para o interior, aquilo que vigia o corpo é a consciência - apenas 'Aquela
que sabe', uma consciência única. Se vem através do ouvido ela é chamada,
ouvir; se através do nariz é chamada, cheirar; se através da língua,
saborear; se através do corpo, tocar; e através da mente, pensar. Essa
consciência é uma só mas quando ela atua em diferentes lugares lhe damos
nomes distintos. Através do olho damos um nome, através do ouvido outro. Mas
quer atue no olho, nariz, língua, corpo ou mente é somente uma consciência.
De acordo com as escrituras elas são chamadas de as seis consciências mas na
realidade existe uma só consciência que surge nessas seis bases diferentes.
Existem essas seis "portas" mas uma única consciência. Que é exatamente a
mente.
A mente é capaz de entender a verdade da Natureza. Se a mente ainda tiver
obstruções, então dizemos que ela sabe através da ignorância. Ela entende
incorretamente e vê incorretamente. Entender incorretamente e ver
incorretamente ou entender e ver corretamente é apenas uma única consciência.
Falamos em entendimento incorreto e entendimento correto mas é uma coisa só.
Correto e incorreto surgem deste único lugar. Quando existe o entendimento
incorreto dizemos que a ignorância oculta a verdade. Quando existe o
conhecimento incorreto existe o entendimento incorreto, pensamento incorreto,
ação incorreta, modo de vida incorreto - tudo está incorreto! E por outro
lado, o caminho da prática correta nasce nesse mesmo lugar. Quando o correto
existe então o incorreto desaparece.
O Buda praticou suportando muitas dificuldades e torturando-se com o jejum e
assim por diante, mas ele investigou a sua mente profundamente até que
finalmente ele desenraizou a ignorância. Todos os Budas possuem a mente
iluminada, porque o corpo nada sabe. Você pode alimentá-lo ou não, não faz
diferença, ele pode morrer a qualquer momento. Todos os Budas praticavam com
a mente. Eles tinham a mente iluminada.
O Buda, tendo contemplado a sua mente, abandonou os extremos da prática -
entregar-se ao prazer e entregar-se à dor - e no seu primeiro discurso expôs
o Caminho do Meio entre esses dois. Mas nós ouvimos o seu ensinamento e ele
fere os nossos desejos. Nós estamos encantados com o prazer e o conforto,
encantados com a felicidade, pensamos que estamos bem, estamos excelentes -
isso é entregar-se ao prazer. Não é o caminho correto. Descontentamento,
desprazer, antipatia e raiva - isso é entregar-se à dor. Esses são os
extremos que alguém que está no caminho da prática deve evitar.
Esses "caminhos" são simplesmente a felicidade e a infelicidade que surgem.
Aquela "que está no caminho" é esta mente, 'aquela que sabe'. Se um humor
bom surge nos agarramos a ele como bom, isso é entregar-se ao prazer. Se um
humor desagradável surge nos agarramos a ele através do desprazer - isso é
entregar-se à dor. Esses são os caminhos incorretos, eles não são os
caminhos de um meditador. Eles são os caminhos de um mundano, aquele que
busca a diversão e a felicidade e que evita o desagrado e o sofrimento.
O sábio conhece os caminhos incorretos mas ele os abandona, ele desiste
deles. Ele não é afetado pelo prazer nem pelo desprazer, felicidade e
infelicidade. Essas coisas surgem mas aqueles que sabem não se apegam a elas,
eles se soltam delas e deixam-nas ser de acordo com a natureza delas. Esse é
o entendimento correto. Quando alguém entende isso completamente, então
existe a libertação. A felicidade e a infelicidade não têm qualquer
significado para um Iluminado.
O Buda disse que os Iluminados estão muito afastados das contaminações. Isso
não significa que eles fogem das contaminações, eles não correm para nenhum
lugar. As contaminações estão ali. Ele as comparou a uma folha de lótus em
um lago. A folha e a água existem juntas, elas estão em contato, mas a folha
não fica úmida. A água é tal como as contaminações e a folha de lótus é a
Mente Iluminada.
Com a mente daquele que pratica ocorre o mesmo; ela não sai correndo para
nenhum lugar, ela fica exatamente no lugar. O bem, o mal, a felicidade e a
infelicidade, o correto e o incorreto surgem e ele os conhece a todos. O
meditador simplesmente os conhece, eles não entram na sua mente. Isto é, ele
não possui apego. Ele é simplesmente aquele que experiencia. Dizer que ele
simplesmente experiencia é utilizar a nossa linguagem comum. Na linguagem do
Dhamma dizemos que ele deixa que a sua mente siga o Caminho do Meio.
Essas ações de felicidade, infelicidade e assim por diante surgem
constantemente porque elas são características do mundo. O Buda se iluminou
no mundo, ele contemplou o mundo. Se ele não tivesse contemplado o mundo, se
ele não tivesse visto o mundo, ele não poderia tê-lo superado. A iluminação
do Buda foi simplesmente a iluminação deste mundo. O mundo ainda estava ali:
ganho e perda, elogio e crítica, fama e má reputação, alegria e tristeza
ainda ali estavam. Se não fossem por essas coisas não haveria nada do que se
iluminar! O que ele conhecia era apenas o mundo, aquilo que cerca os
corações das pessoas. Se as pessoas seguem essas coisas, buscando o elogio e
a fama, ganho e alegria e tentam evitar os seus opostos, elas afundam sob o
peso do mundo.
Ganho e perda, elogio e crítica, fama e má reputação, alegria e tristeza -
isso é o mundo. A pessoa que está perdida no mundo não tem por onde escapar,
o mundo a subjuga. Esse mundo segue a Lei do Dhamma portanto o chamamos de
dhamma mundano. Aquele que vive no dhamma mundano é chamado de um ser
mundano. Ele vive cercado pela confusão.
Portanto, o Buda nos ensinou a desenvolver o caminho. Podemos dividi-lo em
virtude, concentração e sabedoria - desenvolvam-no até a sua finalização!
Esse é o caminho da prática que destrói o mundo. Onde está o mundo? Está
justamente nas mentes dos seres que estão encantados com ele! A ação de
apegar-se ao elogio, ganho, fama, alegria e tristeza é chamada o "mundo".
Quando isso está lá na mente, então o mundo surge, o ser mundano nasce. O
mundo nasce devido ao desejo. Desejo é o lugar de nascimento de todos os
mundos. Dar um fim ao desejo é dar um fim ao mundo.
A nossa prática de virtude, concentração e sabedoria é chamada de Caminho
Óctuplo. Esse Caminho Óctuplo e os oito dhammas mundanos são um par. Como é
que eles são um par? Se falamos de acordo com as escrituras, dizemos que o
ganho e a perda, elogio e crítica, fama e má reputação, alegria e tristeza
são os oito dhammas mundanos. Entendimento Correto, Pensamento Correto,
Linguagem Correta, Ação Correta, Modo de Vida Correto, Esforço Correto,
Atenção Plena Correta e Concentração Correta, esse é o Caminho Óctuplo.
Esses dois caminhos óctuplos existem no mesmo lugar. Os oito dhammas
mundanos estão exatamente aqui nesta mente, com 'Aquele que sabe' mas esse 'Aquele
que sabe' tem obstruções e dessa forma sabe da forma incorreta e assim se
torna o mundo. É exatamente este 'Aquele que sabe', nenhum outro! A
qualidade do Buda ainda não surgiu nessa mente, ela ainda não se retirou do
mundo. Uma mente assim é o mundo.
Quando praticamos o caminho, quando treinamos nosso corpo e linguagem, tudo
ocorre nessa mesma mente. É o mesmo lugar, portanto eles vêem um ao outro, o
caminho vê o mundo. Se praticarmos com essa nossa mente, encontraremos esse
apego ao elogio, fama, ganho e alegria, vemos o apego ao mundo.
O Buda disse, "Vocês devem conhecer o mundo. Ele fascina como uma carruagem
real. Os tolos se hipnotizam mas os sábios não se deixam enganar." Não que
ele quisesse que fossemos pelo mundo olhando para tudo, estudando tudo a seu
respeito. Ele simplesmente queria que observássemos esta mente que está
apegada ao mundo. Quando o Buda nos disse para olharmos para o mundo ele não
queria que ficássemos presos nele, ele queria que nós o investigássemos,
porque o mundo nasce exatamente nesta mente. Sentado à sombra de uma árvore
você pode olhar para o mundo. Quando existe desejo o mundo passa a existir
exatamente ali. No querer é onde o mundo nasce. Extinguir o querer é
extinguir o mundo.
Quando sentamos em meditação nós queremos que a mente fique tranqüila, mas
ela não fica. Porque acontece isso? Nós não queremos pensar e no entanto
pensamos. Tal como uma pessoa que se senta sobre um formigueiro: as formigas
a picarão o tempo todo. Quando a mente é o mundo, então mesmo sentados
quietos com os nossos olhos cerrados, tudo que vemos é o mundo. Prazer,
tristeza, ansiedade, confusão - tudo surge. Porque isso? É porque nóss
aiinda não realizamos o Dhamma. Se a mente é assim, o meditador não consegue
tolerar os dhammas mundanos, ele não os investiga. É como se ele estivesse
sentado sobre um formigueiro. As formigas irão mordê-lo porque ele está na
casa delas! Portanto o que ele deve fazer? Ele deve procurar algum veneno ou
usar o fogo para expulsá-las.
Mas a maioria dos praticantes do Dhamma não vê dessa forma. Se eles se
sentem satisfeitos eles simplesmente seguem essa satisfação, sentindo-se
insatisfeitos eles seguem isso. Ao seguir os dhammas mundanos a mente se
torna o mundo. Às vezes podemos pensar, "Ah, eu não consigo fazer isso, está
além da minha capacidade...", então, nós nem mesmo tentamos! Isso porque a
mente está cheia de contaminações, os dhammas mundanos não permitem que o
caminho surja. Não conseguimos continuar o desenvolvimento da virtude,
concentração e sabedoria. Tal como a pessoa sentada sobre o formigueiro. Ela
não pode fazer nada, as formigas a estão mordendo e tomando todo o seu corpo,
ela está imersa na confusão e agitação. Ela não consegue eliminar o perigo
do lugar em que está sentada, assim ela simplesmente se deixa ficar ali
sentada, sofrendo.
Assim é a nossa prática. Os dhammas mundanos existem nas mentes dos seres
mundanos. Quando esses seres desejam encontrar a paz os dhammas mundanos
surgem. Quando a mente é ignorante existe somente a escuridão. Quando o
conhecimento surge a mente é iluminada, porque a ignorância e o conhecimento
surgem no mesmo lugar. Quando a ignorância surge, o conhecimento não
consegue entrar, porque a mente aceitou a ignorância. Quando o conhecimento
surge, a ignorância não pode permanecer.
Deste modo, o Buda exortou os seus discípulos a praticarem com a mente,
porque o mundo nasce nesta mente, os oito dhammas mundanos estão ali. O
Caminho Óctuplo, isto é, a investigação através da meditação da
tranqüilidade e insight, o nosso esforço dedicado e a sabedoria que
desenvolvemos, todas essas coisas afrouxam o agarramento ao mundo. Cobiça,
aversão e delusão se tornam mais leves e sendo mais leves, nós os
conheceremos como tal. Se experimentarmos a fama, o ganho, elogio, alegria
ou tristeza, estaremos conscientes disso. Nós precisamos conhecer essas
coisas antes que possamos transcender o mundo, porque o mundo está dentro de
nós.
Quando nos livramos dessas coisas é o mesmo que sair de uma casa. Quando
entramos numa casa que tipo de sensações temos? Sentimos que atravessamos a
porta e entramos na casa. Quando saímos da casa sentimos que a deixamos e
que estamos na clara luz do dia, não está mais escuro como estava lá dentro.
A ação da mente ao entrar nos dhammas mundanos é a mesma que entrar na casa.
A mente que destruiu os dhammas mundanos é igual àquela que saiu da casa.
Portanto, o praticante do Dhamma deve se tornar alguém que testemunha o
Dhamma por si mesmo. Ele sabe por si mesmo se os dhammas mundanos foram
embora ou não, se o caminho foi desenvolvido ou não. Quando o caminho foi
bem desenvolvido ele purifica os dhammas mundanos. Ele se torna cada vez
mais forte. O entendimento correto cresce enquanto que o entendimento
incorreto diminui, até que finalmente o caminho destrói todas as impurezas -
ou isso, ou as impurezas destruirão o caminho!
Entendimento correto e entendimento incorreto, só existem esses dois
caminhos. O entendimento incorreto também possui os seus truques, vocês
sabem, ele possui sabedoria - mas é uma sabedoria que está equivocada. O
meditador que começa a desenvolver o caminho experimenta uma separação. No
final, é como se ele fosse duas pessoas - uma no mundo e a outra no caminho.
Elas se dividem, elas se separam. Sempre que ele estiver investigando haverá
essa separação, e ela continua até que a mente atinja o insight, vipassana.
Ou talvez seja vipassanu! [15] Tentando
estabelecer resultados benéficos através da nossa prática, vendo esses
resultados, nos apegamos a eles. Esse tipo de apego surge porque queremos
obter algo da prática. Isso é vipassanu, a sabedoria com as impurezas
( isto é, "sabedoria impura"). Algumas pessoas desenvolvem a bondade e se
apegam a ela, elas desenvolvem a pureza e se apegam a isso, ou elas
desenvolvem sabedoria e se apegam a ela. A ação de se apegar a essa bondade
ou conhecimento é vipassanu, infiltrando-se na nossa prática.
Portanto, se você desenvolver vipassana, tenha cuidado! Fique atento
com relação a vipassanu, porque elas são tão parecidas que às vezes
você não consegue diferenciá-las. Mas com o entendimento correto podemos
vê-las com clareza. Se for vipassanu o sofrimento irá surgir
ocasionalmente. Se for realmente vipassana não há sofrimento. Há paz.
Ambas a felicidade e a infelicidade são silenciadas. Isso você poderá ver
por si mesmo.
Esta prática requer resistência. Algumas pessoas, quando praticam, não
querem ser perturbadas por nada, elas não querem fricção. Mas a fricção é a
mesma de antes. Precisamos tentar encontrar um fim para a fricção através da
própria fricção! Portanto, se existe fricção na sua prática, então está tudo
bem. Se não existe fricção, não está bem, você come e dorme quanto quiser.
Sempre que você quer ir a algum lugar ou dizer algo você simplesmente segue
os seus desejos. O ensinamento do Buda irrita. O supramundano vai contra o
mundano. O entendimento correto se opõe ao entendimento incorreto, a pureza
se opõe à impureza. O ensinamento irrita os nossos desejos.
Existe uma estória nas escrituras sobre o Buda, anterior à sua iluminação.
Naquela ocasião, tendo recebido um prato de arroz com leite, ele o colocou
para flutuar em uma correnteza e pensou o seguinte, "Se eu vou me iluminar,
que esse prato flutue contra a correnteza". O prato flutuou contra a
correnteza! Aquele prato era o entendimento correto do Buda, ou a natureza
de Buda para a qual ele despertou. Ele não seguiu os desejos dos seres
comuns. Ele flutuou contra a correnteza da sua mente, foi na direção
contrária em todos os sentidos.
Hoje em dia, da mesma forma, os ensinamentos do Buda são opostos às nossas
vontades. As pessoas querem se entregar ao desejo e à raiva, mas o Buda não
as deixa. Elas querem ser deludidas, mas o Buda destrói a delusão. Portanto,
a mente do Buda se opõe à mente dos seres mundanos. O mundo diz que o corpo
é bonito, ele diz, não é bonito. Eles dizem que o corpo nos pertence, ele
diz que não é assim. Eles dizem que o corpo é sólido, ele diz que não é. O
entendimento correto está acima do mundo. Seres mundanos simplesmente seguem
o fluxo das torrentes.
Continuando com a estória, quando o Buda se levantou de onde estava, ele
recebeu oito punhados de capim de um brâmane. O significado verdadeiro disso
é que os oito punhados de capim eram os oito dhammas mundanos - ganho e
perda, elogio e crítica, fama e má reputação, alegria e tristeza. O Buda, ao
receber o capim, decidiu sentar-se sobre ele e entrar em samadhi. A
ação de sentar-se sobre o capim foi em si samadhi, isto é, a sua
mente estava acima dos dhammas mundanos, subjugando o mundo até que ele
compreendesse o transcendente. Os dhammas mundanos se converteram em lixo,
eles perderam todo significado. Ele estava sentado sobre o capim mas este
não obstruiu a sua mente de nenhuma forma. Os vários maras vieram na
tentativa de submetê-lo, mas ele simplesmente ficou ali sentado em
samadhi, subjugando o mundo, até que finalmente ele se iluminou no
Dhamma e derrotou Mara completamente. [16] Isto é, ele
derrotou o mundo. Portanto a prática de desenvolvimento do caminho é aquela
que anula as contaminações.
As pessoas nos dias de hoje possuem pouca fé. Tendo praticado por um ou dois
anos elas querem chegar ao objetivo, e elas querem avançar rápido. Elas não
consideram que o Buda, o nosso Mestre, havia deixado a sua casa fazia seis
anos quando alcançou a iluminação. É por isso que temos a "libertação da
dependência". [17] De acordo com as escrituras, um monge
precisa ter pelo menos cinco retiros de chuvas[18] para
que ele seja considerado capaz de viver por sua própria conta. Após esse
período ele terá estudado e praticado o suficiente, ele possuirá
conhecimento adequado, ele possuirá fé e a sua conduta será boa. Alguém que
tenha praticado por cinco anos, eu digo que ele é competente. Mas ele
precisa realmente praticar, não somente “andar” com os mantos durante cinco
anos. Ele precisa realmente cuidar da prática, realmente fazê-lo!
Até que você complete os cinco retiros das chuvas você se pergunta, "O que é
essa 'libertação da dependência' da qual o Buda falou?" Você realmente
precisa praticar por cinco anos para então conhecer por você mesmo as
qualidades às quais ele se referiu. Depois desse tempo você será competente,
competente em relação à mente, alguém que tem certeza. No mínimo, após cinco
estações das chuvas, a pessoa deve estar no primeiro nível da iluminação.
Não são somente cinco estações das chuvas com o corpo mas cinco estações das
chuvas com a mente também. Esse monge teme a crítica e tem a noção da
vergonha e da modéstia. Ele não ousa agir de maneira incorreta quer seja na
frente das pessoas ou escondido delas, quer seja à luz do dia ou no escuro.
Porque não? Porque ele realizou o Buda, 'Aquele que sabe'. Ele toma refúgio
no Buda, no Dhamma e na Sangha.
Para ter verdadeira confiança no Buda, no Dhamma e na Sangha precisamos ver
o Buda. Qual o benefício de tomar o refúgio sem conhecer o Buda? Se ainda
não conhecemos o Buda, o Dhamma e a Sangha, a nossa tomada de refúgio neles
se torna um ato com o corpo e com a fala somente, a mente ainda não os
compreendeu. Uma vez que a mente os tenha compreendido, saberemos como o
Buda, o Dhamma e a Sangha são. Então poderemos realmente tomar refúgio neles,
porque essas coisas surgem na nossa mente. Em qualquer lugar teremos o Buda,
o Dhamma e a Sangha conosco.
Quem é assim não ousa cometer atos ruins. É por isso que dizemos que aquele
que alcançou o primeiro estágio da iluminação não irá mais renascer nos
estados miseráveis. A sua mente tem certeza, ele entrou na Correnteza, ele
não tem dúvida. Se ele não alcançar a iluminação agora, certamente assim o
fará em algum momento no futuro. Ele pode fazer algo incorreto mas não o
bastante para enviá-lo ao Inferno, isto é, ele não regride para a prática de
ações prejudiciais com o corpo e com a linguagem, ele é incapaz disso. Dessa
forma dizemos que essa pessoa alcançou o Nascimento Nobre. Ela não será
capaz de retornar. Isso é algo que vocês deveriam ver e conhecer por si
mesmos nesta mesma vida.
Nos dias de hoje, aqueles que ainda têm dúvidas acerca da prática ouvem
essas coisas e dizem, "Ah, como poderei fazer isso?" Às vezes nos sentimos
felizes, às vezes preocupados, satisfeitos ou insatisfeitos. Por que razão?
Porque não conhecemos o Dhamma. Qual Dhamma? Justamente o Dhamma da Natureza,
a realidade que nos cerca, o corpo e a mente.
O Buda disse, "Não se apeguem aos cinco khandhas, soltem-se deles,
abandonem esses cinco khandhas!" Porque não conseguimos soltá-los? Somente
porque não os vemos ou conhecemos de forma completa. Nós os vemos como sendo
nós mesmos, nós nos vemos nos khandhas. Felicidade e sofrimento, nós
vemos a nós mesmos, nós nos vemos na felicidade e no sofrimento. Nós não
conseguimos nos separar deles. Quando não conseguimos nos separar deles
significa que não conseguimos ver o Dhamma, não conseguimos ver a Natureza.
Felicidade, infelicidade, alegria e tristeza - nenhum deles é nós, mas nós
assumimos que sim. Essas coisas entram em contato conosco e nós vemos um
pedaço de 'atta', ou eu. Onde existe o eu, você encontra a felicidade,
infelicidade e tudo mais. Dessa forma, o Buda disse para destruir esse "pedaço"
de eu, isto é, destruir sakkaya ditthi. Quando o atta (eu) é
destruído, anatta (não-eu) naturalmente surge.
Nós assumimos que a Natureza somos nós e que nós somos a Natureza, portanto
não conhecemos a Natureza de forma completa. Se ela é boa nós rimos com ela,
se é ruim nós choramos por ela. Mas a Natureza é simplesmente sankharas.
Como dizemos no cântico, Tesam vupasamo sukho -- pacificar os
sankharas é a verdadeira felicidade. Como nós os pacificamos?
Simplesmente, removemos o apego e vemos como eles realmente são.
Portanto, existe verdade neste mundo. Árvores, montanhas e plantas, todas
vivem de acordo com a sua verdade, elas nascem e morrem de acordo com a sua
natureza. Somente nós, as pessoas, é que não somos verdadeiros! Nós vemos
isso, mas criamos uma grande confusão em torno disso, a Natureza é
impassível, ela simplesmente é como é. Nós rimos, nós choramos, nós matamos,
mas a Natureza permanece verdadeira, ela é a verdade. Não importa quão
felizes ou tristes estejamos, este corpo simplesmente segue a sua própria
natureza. Ele nasce, cresce e envelhece, mudando e envelhecendo o tempo todo.
Ele segue a Natureza dessa forma. Todo aquele que considera que o corpo é o
seu eu e o carrega consigo para todos os lugares, irá sofrer.
Portanto Añña Kondañña reconheceu esse "tudo que nasce" em tudo, quer seja
material ou imaterial. A sua visão do mundo mudou. Ele viu a verdade. Quando
levantou do seu assento, ele levou junto essa verdade. A atividade de
nascimento e morte continuou e ele simplesmente olhava para elas. Felicidade
e infelicidade surgiam e desapareciam e ele simplesmente as notava. A sua
mente estava estável. Ele não mais se sujeitou aos estados miseráveis. Ele
não ficou excessivamente satisfeito ou desnecessariamente preocupado por
essas coisas. A sua mente estava firmemente estabelecida na atividade de
contemplação.
Ali! Añña Kondañña recebeu o Olho do Dhamma. Ele viu a Natureza, que nós
chamamos de sankharas, de acordo com a verdade. A sabedoria é aquilo
que conhece a verdade dos sankharas. Essa é a mente que sabe e que vê
o Dhamma, que capitulou.
Até que tenhamos visto o Dhamma necessitamos ter paciência e moderação.
Precisamos ter resistência, nós precisamos renunciar! Nós precisamos
cultivar a perseverança e a resistência. Porque precisamos cultivar a
perseverança? Porque somos preguiçosos! Porque precisamos desenvolver a
resistência? Porque nós não agüentamos! Assim é como é. Porém, quando já
estamos estabelecidos na nossa prática, demos fim à preguiça, então não
necessitamos da perseverança. Se já conhecemos a verdade acerca de todos os
estados mentais, se não ficamos felizes ou infelizes por eles, não
necessitamos empregar a resistência, porque a mente já é o dhamma. 'Aquele
que sabe' viu o Dhamma, ele é o Dhamma.
Quando a mente é o Dhamma, ela pára. Ela alcançou a paz. Não existe mais a
necessidade de fazer algo especial, porque a mente já é o Dhamma. O exterior
é o Dhamma, o interior é o Dhamma. 'Aquele que sabe' é o Dhamma. Esse estado
é o Dhamma e aquele que conhece esse estado é o Dhamma. É um só. Está livre.
Essa Natureza não é nascida, não envelhece ou adoece. Essa Natureza não
morre. Essa Natureza não é nem feliz nem infeliz, nem grande ou pequena, nem
pesada ou leve, nem curta ou comprida, nem preta ou branca. Não há nada que
possa ser comparado a ela. Nenhuma convenção poderá alcançá-la. É por isso
que dizemos que Nirvana não tem cor. Todas as cores são meras
convenções. O estado que está além do mundo está além do alcance das
convenções mundanas.
Portanto o Dhamma é aquilo que está além do mundo. É aquilo que cada pessoa
deve ver por si própria. Está além da linguagem. Não pode ser colocado em
palavras, podemos apenas falar de formas e meios para realizá-lo. A pessoa
que o viu por si mesma, concluiu a sua tarefa.
"...Sem levar em conta tempo e lugar, toda a prática do Dhamma alcança a sua
realização no lugar em que não há nada. É o lugar da capitulação, do vazio,
do desfazer-se do fardo..."
As coisas deste mundo são apenas convenções que nós mesmos criamos. Tendo
estabelecido essas convenções, nos perdemos nelas e nos recusamos a
soltar-nos delas, fazendo surgir o apego às nossas idéias e opiniões
pessoais. Esse apego nunca termina, ele é samsara, fluindo sem ter
fim. Não se acaba. Agora, se conhecermos a realidade convencional então
conheceremos a Libertação. Se conhecermos claramente a Libertação, então
conheceremos a convenção. Isso é conhecer o Dhamma. Nesse caso há um fim.
Vejam a pessoas, por exemplo. Na verdade as pessoas não possuem nomes, nós
simplesmente nascemos nus no mundo. Se temos nomes eles surgem apenas por
convenção. Eu tenho analisado esse assunto em profundidade e vejo que o não
entendimento da verdade dessa convenção pode ser prejudicial para as pessoas.
É simplesmente algo que usamos por conveniência. Sem isso não poderíamos nos
comunicar, não haveria nada para ser dito, nenhuma linguagem.
Eu vi Ocidentais fazendo meditação em grupo no Ocidente. Quando eles se
levantavam após a meditação, homens e mulheres juntos, às vezes eles se
tocavam uns aos outros, nas cabeças! [19] Vendo isso eu
pensei, "Ah, se nos apegamos a convenções o surgimento das contaminações (mentais)
é imediato". Se pudermos nos soltar das convenções, abrir mão de nossas
opiniões, estaremos em paz.
Como os generais e coronéis, homens de posição destacada na sociedade, que
vêm me ver. Quando eles chegam dizem, "Ah, por favor toque a minha cabeça."
[20] Se eles assim o pedem, não existe nada de errado com
isso, eles ficam felizes em ter as cabeças tocadas. Mas se você tocar as
cabeças deles no meio da rua é uma outra história! Isso se deve ao apego.
Por isso eu sinto que soltar-se das coisas é realmente o caminho para a paz.
Tocar uma cabeça é contra os nossos costumes, mas na verdade não é nada.
Quando eles concordam que a cabeça pode ser tocada não existe nada de errado,
é como tocar num repolho ou numa batata.
Aceitar, abandonar, soltar - esse é o caminho da leveza. No simples ato de
se apegar surge o vir a ser e o nascimento. O perigo está exatamente aí. O
Buda ensinou acerca da convenção e como se desfazer da convenção da forma
correta e assim alcançar a Libertação. Essa é a liberdade, não se apegar a
convenções. Todas as coisas neste mundo possuem uma realidade convencional.
Tendo estabelecido essa realidade convencional nós não devemos nos deixar
enganar por ela, porque perder-se nela realmente conduz ao sofrimento. Esse
ponto relativo a regras e convenções é de suprema importância. Aquele que
puder superá-lo superará o sofrimento.
No entanto, elas são uma característica do nosso mundo. Vejam o Sr. Boonmah,
por exemplo; ele era uma pessoa comum mas agora ele foi nomeado Comissário
do Distrito. É apenas uma convenção, mas uma convenção que devemos respeitar.
Faz parte do mundo das pessoas. Se você pensar, "Ah, antes eramos amigos,
trabalhávamos juntos na alfaiataria ", e então você bate carinhosamente na
cabeça dele em público, ele ficará zangado. Não é correto, ele irá se
ofender. Portanto devemos seguir as convenções de forma a evitar que surjam
ressentimentos. É útil entender as convenções, isso é viver no mundo. Saiba
o momento e lugar corretos, conheça a pessoa.
Porque é errado não aceitar as convenções? É errado por causa das pessoas!
Você deve ser esperto, conhecendo ambas, as convenções e as Libertações.
Saiba o momento adequado para cada uma. Se soubermos como usar as regras e
convenções com descontração então seremos hábeis. Mas, se tentamos nos
comportar de acordo com a realidade mais elevada numa situação inadequada,
isso é errado. Em que sentido é errado? É errado em relação às contaminações
(mentais) das pessoas! Todas as pessoas possuem contaminações (mentais). Em
uma situação nos comportamos de uma forma, em outra situação precisamos nos
comportar de outra forma. Precisamos saber aquilo que é aceito e o que não
é, porque vivemos de acordo com as convenções. Os problemas ocorrem porque
as pessoas se apegam a elas. Se supomos que algo é, então será. Está ali
porque supomos que ali está. Mas se você olhar mais de perto, no seu sentido
absoluto, essas coisas na verdade não existem.
Eu tenho dito com freqüência, antes éramos leigos e agora somos monges.
Vivíamos de acordo com as convenções das "pessoas leigas" e agora vivemos de
acordo com as convenções dos "monges". Nós somos monges por convenção, não
somos monges através da Libertação. No início estabelecemos convenções como
essas, mas se uma pessoa apenas se ordena, isso não significa que ela terá
superado as contaminações (mentais). Se tomarmos um punhado de areia e nos
pusermos de acordo em chamá-lo de sal, isso faz com que seja sal? É sal
apenas no nome, não na realidade. Você não poderia usá-lo para cozinhar. O
seu único uso está limitado ao universo daquele acordo, porque na realidade
nesse caso não existe sal, somente areia. Se converterá em sal somente pela
nossa suposição de que assim é.
Essa palavra "Libertação" é em si apenas uma convenção, mas se refere àquilo
que está além das convenções. Tendo obtido a liberdade, tendo alcançado a
libertação, nós ainda temos que usar a convenção de modo a nos referirmos a
ela como libertação. Se não tivéssemos as convenções não poderíamos nos
comunicar, portanto elas têm a sua utilidade.
Por exemplo, as pessoas têm nomes diferentes, mas elas não deixam de ser
pessoas. Se não tivéssemos nomes para diferenciar entre elas, e quiséssemos
chamar alguém em uma multidão dizendo, "Ei, Pessoa! Pessoa!, isso seria
inútil. Você não poderia dizer quem iria responder porque elas são todas "pessoas".
Mas se você chamasse, "Ei, João!", então o João responderia, os outros não
iriam responder. Os nomes satisfazem essa necessidade. Através deles podemos
nos comunicar, eles proporcionam a base para o comportamento social.
Portanto, você deve conhecer ambas, as convenções e a libertação. As
convenções têm o seu uso, mas na realidade não existe nada nelas. Até mesmo
as pessoas não existem! Elas são apenas grupos de elementos, nascidas de
condições causais, crescem na dependência de condições, existem durante
algum tempo. Mas sem as convenções não teríamos o que dizer, não teríamos
nomes, nenhuma prática, nenhum trabalho. As regras e convenções são
estabelecidas para que tenhamos a linguagem, para facilitar as coisas e isso
é tudo.
Vejam o dinheiro, por exemplo. Em um passado remoto não existiam moedas ou
cédulas, elas não possuíam valor. As pessoas faziam escambo, mas como isso
era muito complicado foi criado o dinheiro usando moedas e cédulas. Talvez
no futuro tenhamos algum decreto real de modo que não precisaremos mais usar
cédulas de dinheiro, usaremos cera, derretendo-a e comprimindo-a em blocos.
Diremos que isso é dinheiro e o usaremos em todo o país. Deixando a cera de
lado, pode acontecer que eles decidam que a moeda local deva ser excremento
de galinha - todas as outras coisas não podem ser dinheiro, apenas o
excremento de galinha! Então as pessoas iriam brigar e matar umas às outras
pelo excremento de galinha! Assim é como são as coisas. Muitos exemplos
poderiam ser usados para ilustrar as convenções. Aquilo que usamos como
dinheiro é simplesmente uma convenção que criamos, que tem um uso dentro dos
limites da convenção. Tendo decretado o que deve ser dinheiro, aquilo se
torna dinheiro. Mas na realidade, o que é dinheiro? Ninguém é capaz de dizer.
Quando existe um acordo popular acerca de algo, então surge uma convenção
para satisfazer a necessidade. O mundo é apenas isso.
Isso é convenção, mas para fazer com que as pessoas comuns entendam a
libertação é realmente difícil. Nosso dinheiro, nossa casa, nossa família,
nossos filhos e parentes são simples convenções que nós inventamos, mas na
verdade, vendo-os sob a luz do Dhamma, eles não nos pertencem. Talvez, não
nos sintamos tão bem ao ouvir isso, mas na verdade é assim. Essas coisas
possuem valor somente através das convenções estabelecidas. Se
estabelecermos que elas não possuem valor, então elas não terão valor. Assim
é como as coisas são, criamos as convenções no mundo para satisfazer uma
necessidade.
Nem mesmo este corpo é realmente nosso, nós é que supomos que seja assim. É
verdadeiramente apenas uma suposição. Se você tentar encontrar um eu real,
com substância dentro dele, não irá encontrá-lo. Existem apenas elementos
que nascem, permanecem por algum tempo e depois morrem. Tudo é assim. Não
existe uma real e verdadeira substância nele, mas está certo que nós o
usemos. É uma ferramenta para nosso uso. Se ele parar de funcionar haverá
problemas, mas apesar do fato de que ele irá parar de funcionar, você deve
tentar ao máximo preservá-lo. E dessa forma temos os quatro apoios [21]
que o Buda ensinou repetidas vezes para que nós os analisássemos em
profundidade. Eles são os apoios dos quais um monge depende para manter a
sua prática. Enquanto você viver irá depender deles, portanto, você deve
compreendê-los. Não se apegue a eles, dando origem ao desejo na sua mente.
A convenção e a libertação estão relacionadas desta forma continuamente.
Apesar de usarmos as convenções continuamente, não devemos confiar nelas
como sendo a verdade. Se você se apegar a elas, o sofrimento irá surgir. O
caso do certo e errado é um bom exemplo. Algumas pessoas vêm o errado como
sendo certo e o certo como sendo errado, mas ao final quem é que realmente
sabe o que é certo e o que é errado? Nós não sabemos. Diferentes pessoas
estabelecem diferentes convenções acerca do que é certo e do que é errado,
mas o Buda tomou o sofrimento como parâmetro. Se você quiser discutir sobre
isso, não chegaremos nunca a um acordo. Um diz, "certo", outro diz, "errado".
Um diz, "errado", outro diz, "certo". Na verdade não temos qualquer idéia do
que é certo ou errado! Mas numa abordagem útil e prática, podemos dizer que
o certo é não causar dano para si mesmo e não causar dano aos outros. Dessa
forma temos algo prático.
Portanto, no final, tanto regras e convenções bem como a libertação são
simplesmente dhammas. Uma é mais elevada que a outra, mas elas andam juntas.
Não há um modo de garantir que alguma coisa é definitivamente desta ou
daquela forma, por isso o Buda disse para não levarmos o assunto adiante.
Deixe que seja incerto. Não importa o quanto você goste ou desgoste disso,
você deve entendê-lo como sendo incerto.
Independentemente de tempo e lugar, toda a prática do Dhamma alcança a sua
realização no lugar em que não há nada. É o lugar da capitulação, do vazio,
de deixar de lado o fardo. Esse é o final. Não é como a pessoa que diz, "Porque
a bandeira está tremulando ao vento? Eu digo que é por causa do vento".
Outra pessoa diz que é por causa da bandeira. A outra replica que é por
causa do vento. Não existe fim nisso! A mesma situação com a velha charada,
"O que veio primeiro, a galinha ou o ovo?" Não há como chegar a uma
conclusão, isso é a Natureza.
Todas essas coisas que dizemos são apenas convenções, somos nós que as
estabelecemos. Se você entender essas coisas com sabedoria então você
entenderá a impermanência, o insatisfatório e o não-eu. Esse é o
entendimento que conduz à iluminação.
Vocês sabem que treinar e ensinar pessoas com diferentes níveis de
compreensão é realmente difícil. Algumas pessoas possuem certas idéias, você
lhes diz algo e elas não acreditam em você. Você lhes diz a verdade e elas
dizem que não é verdade. "Eu estou certo, você está errado…" Não existe um
fim nisso. Se você não se soltar, haverá sofrimento. Eu já lhes contei antes
sobre os quatro homens que se dirigem para a floresta. Eles ouvem uma
galinha cacarejando, "Coo-co-rocoo!" Um deles fica curioso, "Isso é um galo
ou uma galinha?" Três deles respondem juntos "É uma galinha", mas o outro
não concorda, ele insiste que é um galo. "Como uma galinha poderia cacarejar
assim?" ele pergunta. Eles respondem, "Bem, ela tem um bico, não tem?" Eles
discutem até as lágrimas, ficando realmente perturbados com a discussão, mas
ao final eles estão todos equivocados. Quer você diga uma galinha ou um galo,
estes são apenas nomes. Estabelecemos essas convenções, dizendo que um galo
é assim, uma galinha é de um outro jeito, um galo cacareja assim, uma
galinha cacareja de outro modo…e é assim que ficamos atolados no mundo!
Lembrem-se disso! Na verdade, se você disser que realmente não há um galo e
nem uma galinha então isso dará fim a tudo. No campo da realidade
convencional um lado está certo e o outro está errado, mas nunca haverá
plena concordância. Discutir até as lágrimas não serve para nada!
O Buda ensinou a não nos apegarmos. Mas como praticamos o não apego? Nós
simplesmente praticamos o abandono do apego, agora esse não apego é muito
difícil de ser compreendido. Para investigá-lo e penetrá-lo é necessário ter
aguçada sabedoria, de forma a realmente alcançar o não apego. Quando você
pensa sobre isso, quer as pessoas estejam felizes ou tristes, contentes ou
descontentes, não depende de elas terem pouco ou terem muito - depende da
sabedoria. Todo sofrimento só pode ser superado através da sabedoria, vendo
a verdade das coisas.
Portanto, o Buda nos exortou a investigar e a pensar seriamente. Esse
“pensar seriamente” significa simplesmente tentar solucionar esses problemas
corretamente. Essa é a nossa prática. Como o nascimento, o envelhecimento, a
enfermidade e a morte - esses são os acontecimentos mais naturais e comuns.
O Buda ensinou a pensar seriamente sobre o nascimento, o envelhecimento, a
enfermidade e a morte, mas algumas pessoas não compreendem isso, "O que há
para ser pensado?" elas dizem. Elas nascem mas não entendem o nascimento,
elas irão morrer mas não entendem a morte.
Uma pessoa que investiga essas coisas repetidamente, irá ver. Tendo visto,
ela irá solucionar os seus problemas gradualmente. Mesmo que ela ainda tenha
apego, se ela tiver sabedoria e vir que o envelhecimento, a enfermidade e a
morte são parte da Natureza, então ela será capaz de obter alívio do
sofrimento. Nós estudamos o Dhamma somente por essa razão - para curar o
sofrimento. Não existem muitos fundamentos no Budismo, existe apenas a
origem e a cessação do sofrimento, isso o Buda chamou de verdade. O
nascimento é sofrimento, envelhecimento é sofrimento, enfermidade é
sofrimento e a morte é sofrimento. As pessoas não vêm esse sofrimento como a
verdade. Se entendermos a verdade então entenderemos o sofrimento.
O orgulho contido nas opiniões pessoais, esses argumentos, eles não têm fim.
Para tranqüilizar as nossas mentes, para encontrar a paz, deveríamos pensar
seriamente no passado, no presente, e naquilo que nos aguarda. Como o
nascimento, envelhecimento, enfermidade e morte. O que podemos fazer para
evitar que sejamos atormentados por essas coisas? Mesmo que ainda estejamos
um pouco preocupados, se investigarmos até sabermos de acordo com a verdade,
todo sofrimento irá diminuir e nós não mais estaremos apegados a ele.
"...O caminho mundano é o do fazer as coisas por alguma razão, para obter
algo em troca, mas no Budismo fazemos as coisas sem essa idéia do ganho. Se
não queremos absolutamente nada, o que iremos ganhar? Não ganhamos nada!
Tudo aquilo que você ganhar será apenas um motivo para o sofrimento, dessa
forma nós praticamos para não ganhar nada... Simplesmente, fazemos a mente
ficar tranqüila e isso é tudo!..."
Nós ouvimos algumas partes dos ensinamentos e não conseguimos compreendê-los
realmente. Nós pensamos que eles não deveriam ser como são e por isso não os
seguimos, mas na verdade há uma razão para todos os ensinamentos. Pode
parecer que as coisas não deveriam ser dessa forma, mas elas são.
Inicialmente eu nem mesmo acreditava na meditação sentada. Eu não conseguia
ver qual o benefício que poderia haver em simplesmente ficar sentado com os
olhos fechados. E a meditação andando…caminhe a partir desta árvore, faça a
volta e regresse…"Porque me incomodo?" Eu pensava, "Qual a utilidade de todo
esse caminhar?" Eu pensava dessa forma, mas na verdade a meditação andando e
sentada são muito úteis.
As tendências de algumas pessoas é que as fazem preferir a meditação
caminhando, outras preferem a meditação sentada, mas você não pode deixar
nenhuma delas de lado. As escrituras falam nas quatro posturas: em pé,
caminhando, sentado e deitado. Nós vivemos com essas quatro posturas.
Podemos preferir uma à outra, mas precisamos usar as quatro.
Elas dizem que essas quatro posturas devem ser equilibradas, fazer com que a
prática seja equilibrada em todas as posturas. Inicialmente eu não conseguia
entender o que isso quer dizer, fazer com que sejam equilibradas. Talvez
isso signifique que dormimos por duas horas, depois ficamos em pé por duas
horas, depois caminhamos por duas horas…talvez seja isso? Eu tentei - mas
não consegui, era impossível! Esse não era o significado de fazer com que as
posturas fossem equilibradas. "Fazer as posturas equilibradas" se refere à
mente, à nossa atenção. Isto é, fazer a sabedoria surgir na mente, iluminar
a mente. Essa nossa sabedoria tem que estar presente em todas as posturas,
nós precisamos saber ou compreender constantemente. Em pé, caminhando,
sentado ou deitado, nós entendemos todos os estados mentais como
impermanentes, insatisfatórios e não-eu. Dessa forma é possível fazer com
que as posturas sejam equilibradas. Tanto faz se o gostar ou não gostar
estejam presentes na mente, nós não nos esquecemos da nossa prática, estamos
atentos.
Se nós focarmos nossa atenção na mente constantemente, então teremos a
essência da prática. Quer experimentemos estados mentais que o mundo entende
como bons ou ruins, nós não ficamos esquecidos, não nos perdemos no bom e no
ruim. Nós permanecemos firmes. Fazer com que as posturas sejam estáveis,
dessa forma é possível. Se tivermos estabilidade na nossa prática e formos
elogiados, então será simplesmente elogio; se formos criticados, então será
apenas crítica. Nós não ficamos excitados ou deprimidos com isso,
permanecemos exatamente igual. Porque? Porque vemos o perigo em todas essas
coisas, nós vemos o que elas causam. Nós estamos constantemente conscientes
do perigo em ambos, no elogio e na crítica. Habitualmente, quando estamos de
bom humor, a mente também está bem, nós vemos ambos como sendo a mesma coisa,
se estamos de mal humor a mente também está mal e nós não gostamos disso.
Assim é como são as coisas, essa é a prática desequilibrada.
Se tivermos equilíbrio apenas o suficiente para reconhecer os nossos humores,
e saber que estamos nos apegando a eles, isso já é um avanço. Isto é, temos
consciência, nós sabemos o que está acontecendo, mas ainda assim não
conseguimos nos soltar. Nós vemos que estamos nos agarrando ao bom e ao mau
e sabemos disso. Agarramo-nos ao bom e sabemos que essa ainda não é a
prática correta, mas mesmo assim não podemos nos soltar. Isso já é 50% ou
70% da prática. Ainda não existe a libertação, mas nós sabemos que se
pudéssemos nos soltar esse seria o caminho para a paz. Prosseguimos dessa
forma, vendo com igualdade as conseqüências danosas de todos os nossos
gostos e desgostos, dos elogios e críticas, continuamente. A mente, dessa
forma, estará equilibrada não importa o que ocorra.
Mas as pessoas mundanas, quando acusadas ou criticadas, ficam realmente
perturbadas. Se elas são elogiadas, ficam animadas, elas dizem que é bom e
ficam realmente felizes por isso. Se soubermos a verdade acerca dos nossos
vários humores, se soubermos as conseqüências de nos apegarmos ao elogio e à
crítica, o perigo de nos apegarmos a qualquer coisa que seja, seremos mais
suscetíveis aos nossos humores. Saberemos que se nos agarrarmos a eles
realmente haverá sofrimento. Veremos esse sofrimento e veremos o nosso apego
como a causa desse sofrimento. Começaremos a ver as conseqüências do apego e
do agarramento àquilo que é bom e àquilo que é mau porque nós os
compreendemos e já vimos o resultado – não trazem a verdadeira felicidade.
Então, agora vamos procurar uma maneira de nos soltarmos.
Onde está esse "caminho para nos soltarmos"? No Budismo dizemos "Não se
apegue a nada". Nunca paramos de ouvir esse "não se apegue a nada!" Isso
significa segurar, mas sem se agarrar. Como esta lanterna. Nós pensamos, "O
que é isto?" Então nós a pegamos, "Ah, é uma lanterna", então a colocamos de
volta. Seguramos as coisas dessa forma. Se não quiséssemos absolutamente
nada, o que poderíamos fazer? Não poderíamos fazer meditação andando ou
qualquer outra coisa, portanto precisamos, primeiro, querer as coisas. É
desejo sim, isso é verdade, que mais tarde conduzirá aos parami (virtudes
ou perfeições). Tal como querer vir aqui por exemplo…o Venerável Jagaro [22]
veio para visitar o Wat Pah Pong. Primeiro, ele precisou desejar vir. Se ele
não tivesse sentido que desejava vir, ele não teria vindo. O mesmo ocorre
com todas as pessoas, elas vêm aqui por causa do desejo. Mas quando o desejo
surge não se apegue a ele! Dessa forma, você vem e depois você retorna…O que
é isso? Nós pegamos, olhamos e vemos, "Ah, é uma lanterna", então colocamos
de volta. A isto se chama querer mas sem se apegar, nós soltamos daquilo.
Nós conhecemos e depois soltamos. Colocando de uma forma simplificada: "Conheça
e depois solte". Permaneça olhando e soltando. "Isto, dizem que é bom; isto,
dizem que não é bom"…conheça e depois solte. Bom e mau, conhecemos tudo isso,
mas nós os soltamos. Nós não nos apegamos tolamente às coisas, nós as "queremos"
com sabedoria. A prática nessa "postura" pode ser constante. Você precisa
ser estável dessa forma. Faça com que a mente conheça tudo dessa forma,
deixe que a sabedoria surja. Quando a mente possui sabedoria, o que mais há
para buscar?
Precisamos refletir acerca do que estamos fazendo aqui. Qual a razão de
estarmos vivendo aqui, pelo que estamos trabalhando? No mundo se trabalha
por esta ou aquela recompensa, mas os monges ensinam algo um pouco mais
profundo do que isso. O quer que façamos, nós não esperamos nada em troca.
Trabalhamos sem esperar recompensas. As pessoas mundanas trabalham porque
querem isto ou aquilo, porque elas querem um ou outro ganho, mas o Buda
ensinou a trabalhar apenas pelo trabalho, não pedimos nada além disso. Se
você faz alguma coisa apenas para obter algo em retorno, isso irá causar
sofrimento. Tente por você mesmo! Você quer tranqüilizar a sua mente e então
você senta e tenta tranquilizá-la - você irá sofrer! Tente. O nosso caminho
é mais refinado. Nós fazemos e depois soltamos; fazemos e soltamos.
Veja um brâmane que faz um sacrifício: ele possui um desejo na mente, por
isso ele faz um sacrifício. Esses atos que ele pratica não irão ajudá-lo a
transcender o sofrimento porque ele está agindo com base no desejo. No
início, praticamos com algum desejo na mente; seguimos praticando mas não
conseguimos alcançar o nosso desejo. Assim praticamos até que cheguemos a um
ponto em que praticamos para não obter nada em troca, praticamos para poder
nos soltar. Isso é algo que precisamos ver por nós mesmos, é muito profundo.
Talvez pratiquemos porque queiramos alcançar Nibbana --e exatamente
por isso, você não irá alcançar Nibbana! É natural que se queira a
paz, mas não é verdadeiramente correto. Precisamos praticar sem desejar
absolutamente nada. Se não desejarmos absolutamente nada, o que iremos obter?
Não obteremos nada! Qualquer coisa que você obtenha é apenas causa de
sofrimento, portanto nós praticamos para não obter nada.
Isso é exatamente o que chamamos de "esvaziar a mente". Ela está vazia mas
ainda existe a ação. Esse vazio é algo que habitualmente as pessoas não
entendem, mas aqueles que o compreendem vêm o valor de conhecê-lo. Não é o
vazio de não ter nada, é o vazio das coisas que aqui estão. Tal como esta
lanterna: deveríamos ver esta lanterna como vazia, por causa da lanterna
existe o vazio. Não é o vazio em que não podemos ver nada, não é isso. As
pessoas que assim o entendem, estão completamente enganadas. Você tem que
compreender o vazio das coisas que aqui estão.
Aqueles que ainda estão praticando com a idéia de obter um ganho são como o
brâmane que faz um sacrifício para satisfazer um desejo. Como as pessoas que
vêm me ver para serem borrifadas com ‘água benta’. Quando eu lhes pergunto,
"Porque vocês querem esta 'água benta'?" elas dizem, "queremos viver felizes
e com conforto sem enfermidade". Aí está! Elas nunca irão transcender o
sofrimento dessa forma. O caminho mundano é fazer as coisas por alguma razão,
para obter algo em troca, mas no Budismo fazemos as coisas sem essa idéia de
ganho. O mundo precisa entender as coisas em termos de causa e efeito, mas o
Buda nos ensina a ir além da causa e além do efeito; ir além do nascimento e
além da morte; ir além da felicidade e além do sofrimento. Pense a respeito
disso…não existe onde ficar. Nós vivemos em um ‘lar’. Deixar esse lar e ir
para onde não existe um lar…não sabemos como fazer isso, porque sempre
vivemos com o vir a ser e com o apego. Se não podemos nos apegar, não
sabemos o que fazer.
Assim, a maioria das pessoas não quer Nibbana, não existe nada lá;
absolutamente nada. Olhe para o teto e o piso aqui. O extremo superior é o
teto, essa é uma ‘moradia’. O extremo inferior é o piso, e essa é outra ‘moradia’.
Mas no espaço vazio entre o piso e o teto não existe onde se sustentar. Um
pessoa pode se sustentar no teto, ou no piso, mas não no espaço vazio. Onde
não existe uma moradia, ali é onde está o vazio e, colocando de uma forma
simples, dizemos que Nibbana é esse vazio. As pessoas ouvem isso e
elas recuam um pouco, elas não querem isso. Elas temem que não verão os seus
filhos ou parentes.
É por isso que quando abençoamos pessoas leigas, dizemos que "Que você tenha
uma vida longa, beleza, felicidade e força". Isso faz com que elas fiquem
realmente felizes, "Sadhu!" [23] elas todas dizem.
Elas gostam dessas coisas. Se você começa a falar sobre o vazio elas não
querem saber, elas estão apegadas à moradia. Mas você alguma vez viu uma
pessoa bem velha com uma bela complexão? Você alguma vez viu uma pessoa bem
velha com muita força ou muito feliz?…Não…Mas nós dizemos, "vida longa,
beleza, felicidade e força" e elas ficam realmente satisfeitas, todas elas
dizem "Sadhu!" Isso é o mesmo que o brâmane que faz oblações para
obter o que quer. Na nossa prática nós não ‘fazemos oblações’, nós não
praticamos para obter algo em retorno. Nós não queremos nada. Tranqüilize a
sua mente, nada mais, e acabe com isso! Mas se eu falar assim, vocês não se
sentirão muito confortáveis, porque vocês querem ‘nascer’ outra vez.
Portanto, todos vocês que são praticantes leigos deveriam se aproximar dos
monges e observar a prática deles. Estar próximo dos monges significa estar
próximo do Buda, estar próximo do Dhamma. O Buda disse, "Ananda, pratique
muito, desenvolva a sua prática! Todos que vêem o Dhamma vêem a mim e todos
que vêem a mim vêem o Dhamma". Onde está o Buda? Podemos pensar que o Buda
aqui esteve e partiu, mas o Buda é o Dhamma, a verdade. Algumas pessoas
gostam de dizer, "Ah, se eu tivesse nascido na época do Buda eu iria para
Nibbana." Pessoa estúpidas falam desse modo. O Buda ainda está aqui. O
Buda é a verdade. Independentemente de quem nasça ou morra, a verdade ainda
estará aqui. A verdade nunca parte do mundo, está aqui todo o tempo. Quer um
Buda nasça ou não, quer alguém saiba ou não, a verdade ainda estará aqui.
Portanto devemos nos aproximar do Buda, devemos vir para dentro e encontrar
o Dhamma. Ao encontrarmos o Dhamma encontraremos o Buda; vendo o Dhamma
veremos o Buda e todas as dúvidas se dissolverão.
Colocando de uma maneira bem simples, é como o Mestre Choo. [24]
Inicialmente ele não era um mestre, ele era apenas o Sr. Choo. Depois que
ele estudou e passou todos os exames necessários ele se tornou um mestre, e
se tornou conhecido como Mestre Choo. Como é que ele se tornou um mestre?
Estudando as coisas que eram necessárias, dessa forma permitindo que o Sr.
Choo se tornasse o Mestre Choo. Quando o Mestre Choo morrer, os estudos para
se tornar um mestre irão permanecer e todos aqueles que estudarem se
tornarão um mestre. Esse conjunto de estudos para se tornar um mestre não
desaparece, tal como a Verdade, cujo conhecimento permitiu ao Buda tornar-se
o Buda. Portanto o Buda ainda está aqui. Todo aquele que praticar e ver o
Dhamma verá o Buda. Nos dias de hoje as pessoas estão todas equivocadas,
elas não sabem onde está o Buda. Elas dizem, "Se eu tivesse nascido na época
do Buda teria me tornado um discípulo dele e me iluminaria". Isso é tolice.
Vocês deveriam entender isso.
Não pensem que ao final do retiro da estação das chuvas vocês irão regressar
para a vida leiga. Não pensem assim! Em um instante um mau pensamento pode
surgir na mente e vocês poderiam matar alguém. Da mesma forma, é necessário
apenas uma fração de segundo para o bem brilhar na mente e vocês já estão
nesse ponto. Não pensem que vocês precisam se ordenar por um longo período
para serem capazes de meditar. A prática correta está naquele instante em
que fazemos kamma. Em uma fração surge um pensamento ruim…antes que vocês se
dêem conta cometeram algum kamma realmente pesado. E da mesma forma, todos
os discípulos do Buda praticaram por muito tempo, mas o tempo necessário
para se iluminar foi apenas um momento num pensamento. Portanto não sejam
desatentos, mesmo nas menores coisas. Empenhem-se, tentem se aproximar dos
monges, pensem seriamente sobre as coisas e então vocês entenderão os monges.
Bem, acho que isso basta, não? Já está ficando tarde e algumas pessoas estão
ficando sonolentas. O Buda disse para não ensinar o Dhamma para pessoas
sonolentas.
"...O nosso descontentamento se deve ao entendimento incorreto. Porque não
exercemos o autocontrole dos sentidos, colocamos a culpa pelo nosso
sofrimento nas coisas externas…O lugar correto para os monges, o lugar da
equanimidade, é justamente o próprio Entendimento Correto. Não deveríamos
buscar nada além disso..."
Entendimento Correto - O Lugar da Equanimidade
A prática do Dhamma vai em sentido contrário aos nossos hábitos, a verdade
vai contra os nossos desejos, por isso existe a dificuldade na prática.
Algumas coisas que entendemos como erradas podem estar certas, enquanto que
as coisas que tomamos como corretas podem estar erradas. Porque isso? Porque
as nossas mentes estão no escuro, não vemos a Verdade com clareza. Nós, na
realidade, não sabemos nada e dessa forma somos enganados pelas mentiras das
pessoas. Elas apontam o que é certo como sendo errado e nós acreditamos e
aquilo que é errado, elas dizem que é certo e nós acreditamos nisso. Essa é
a razão porque ainda não somos senhores de nós mesmos. Os nossos humores nos
enganam o tempo todo. Não deveríamos tomar essa mente e as suas opiniões
como nosso guia, porque ela não conhece a verdade.
Algumas pessoas se recusam a ouvir o que outras têm para dizer, mas esse não
é o caminho de uma pessoa provida de sabedoria. Uma pessoa sábia ouve tudo.
Alguém que ouça o Dhamma deve ouvi-lo sim, quer goste ou não, e não
acreditar cegamente ou desacreditar. Ela deve ficar em um ponto
intermediário, no meio, e não ser descuidada. Ela ouve e depois reflete,
proporcionando, assim, o surgimento de resultados corretos.
Uma pessoa sábia deve refletir e ver a causa e efeito por si mesma antes de
acreditar naquilo que ela ouve. Mesmo que o mestre fale a verdade, não
acredite, porque você ainda não conhece a verdade, por si mesmo.
É o mesmo para todos nós, incluindo a mim mesmo. Eu pratiquei antes de vocês,
eu já vi muitas mentiras. Por exemplo, "Esta prática é realmente muito
difícil, muito severa". Porque essa prática é difícil? É só porque pensamos
da forma errada que nós temos o entendimento incorreto.
Antigamente eu vivia com outros monges, mas não me sentia bem. Eu escapei
para as florestas e montanhas, fugindo da multidão, dos monges e noviços. Eu
pensava que eles não eram como eu, eles não praticavam com a dedicação que
eu praticava. Eles eram negligentes. Aquela pessoa era assim, esta pessoa
era assim. Isso foi algo que realmente me causou uma grande comoção, foi a
razão para a minha contínua fuga. Mas quer eu vivesse sozinho ou com outras
pessoas eu ainda assim não tinha paz. Sozinho eu não estava satisfeito, em
um grupo grande eu não estava satisfeito. Eu achava que esse
descontentamento era devido aos meus companheiros, devido aos meus humores,
devido ao lugar onde estava morando, a comida, o clima, devido a isso e
aquilo. Eu estava constantemente buscando algo que satisfizesse a minha
mente.
Como um monge dhutanga [25], eu viajava, mas as
coisas ainda não estavam bem. Assim, eu refletia, "O que posso fazer para
que tudo esteja bem? O que posso fazer?" Vivendo com muitas pessoas eu
estava insatisfeito, com poucas pessoas eu estava insatisfeito. Por que
razão? Eu simplesmente não conseguia ver. Porque eu estava insatisfeito?
Porque eu tinha entendimento incorreto, só por isso; porque eu ainda estava
apegado ao Dhamma errado. A qualquer lugar que eu fosse, eu estava
descontente, pensando, "Aqui não está bem, ali não está bem…” todo o tempo
dessa forma. Eu punha a culpa nos outros. Eu punha a culpa no clima, calor e
frio, eu punha a culpa em tudo! Tal como um cachorro louco. Ele morde tudo o
que encontra, porque ele está louco. Quando a mente está assim, a nossa
prática nunca se estabiliza. Hoje nos sentimos bem, amanhã mal. É assim o
tempo todo. Nós não alcançamos contentamento ou paz.
O Buda certa vez viu um chacal, um cachorro selvagem, correndo pela floresta
na qual ele estava. O chacal parou por alguns instantes e depois saiu
correndo para dentro de um arbusto e em seguida saiu outra vez. Daí, ele
correu para dentro de um tronco oco de uma árvore e depois saiu outra vez.
Aí, ele foi para uma caverna, só para sair correndo outra vez. Num instante
ele estava em pé, no seguinte ele correu, depois se deitou, depois ficou em
pé…Aquele chacal tinha sarna. Quando estava em pé a sarna se entranhava na
pele, por isso ele corria. Correndo ele ainda se sentia incomodado, por isso
ele deitava. Então ele ficava em pé de novo, corria para os arbustos, o
tronco oco, nunca ficando quieto.
O Buda disse, "Monges, vocês viram aquele chacal esta tarde? Em pé ele
estava sofrendo, correndo ele estava sofrendo, sentado ele estava sofrendo,
deitado ele estava sofrendo. No arbusto, no tronco oco ou na caverna ele
estava sofrendo. Ele culpou o estar em pé pelo seu desconforto, ele culpou o
estar sentado, ele culpou o correr e o deitar; ele culpou a árvore, o
arbusto e a caverna. Na verdade o problema não estava em nenhuma dessas
coisas. Aquele chacal tinha sarna. O problema era a sarna."
Nós monges somos iguais ao chacal. O nosso descontentamento se deve ao
entendimento incorreto. Porque não praticamos a contenção dos sentidos
colocamos a culpa pelo nosso sofrimento nas coisas exteriores. Quer vivamos
em Wat Pah Pong, na América, ou em Londres, ainda assim nós não estamos
satisfeitos. Ir viver em Bung Wai ou qualquer outro dos monastérios
afiliados, assim mesmo não estamos satisfeitos. Porque não? Porque ainda
temos o entendimento incorreto, apenas isso! Onde quer que estejamos não
estaremos satisfeitos.
Mas igual ao chacal, se a sarna for curada, ele estará satisfeito onde quer
que ele vá. Eu reflito sobre isto com freqüência e eu lhes ensino isto com
freqüência, porque é muito importante. Se conhecermos a verdade dos nossos
vários humores alcançaremos o contentamento. Quer esteja quente ou frio nós
estaremos satisfeitos, com muitas pessoas ou poucas pessoas estaremos
satisfeitos. O contentamento não depende de com quantas pessoas estejamos,
ele surge somente do entendimento correto. Se tivermos o entendimento
correto, então onde quer que estejamos estaremos satisfeitos.
Mas a maioria de nós possui entendimento incorreto. É como um verme! O lugar
em que o verme vive é asqueroso, o seu alimento é asqueroso…mas eles
satisfazem o verme. Se você tomar uma vara e empurrá-lo para longe do seu
naco de estrume, ele irá se esforçar para rastejar de volta. É o mesmo
quando o Ajaan nos ensina a ver corretamente. Nós resistimos, nos sentimos
desconfortáveis. Corremos de volta para o nosso 'naco de estrume' porque é
ali que nos sentimos em casa. Todos somos assim. Se não enxergarmos as
conseqüências negativas de nosso entendimento incorreto, então não o
abandonaremos, a prática é difícil. Assim deveríamos ouvir. Não existe nada
além disso na prática.
Se tivermos o entendimento correto, para qualquer lugar que formos estaremos
satisfeitos. Eu pratiquei e vi isso. Hoje em dia existem muitos monges,
noviços e pessoas leigas que me procuram. Se eu ainda não soubesse, se ainda
tivesse o entendimento incorreto, já estaria morto! O lugar correto para os
monges, o lugar da equanimidade é justamente o entendimento correto. Não
deveríamos procurar nada além disso.
Portanto, mesmo que você possa estar infeliz, isso não tem importância, essa
infelicidade é incerta. Essa infelicidade é o seu "eu"? Existe nela qualquer
substância? Ela é real? Eu não a vejo como real, de maneira nenhuma. A
infelicidade é apenas uma sensação que aparece num instante e depois
desaparece. A felicidade é igual. Existe consistência na felicidade? Ela é
verdadeiramente uma entidade? É simplesmente uma sensação que relampeja de
repente e desaparece. Pronto! Ela nasce e em seguida morre. O desejo
relampeja por um momento e depois desaparece. Onde está a consistência no
desejo, raiva ou ressentimento? Na verdade não existe uma entidade com
substância, elas são apenas impressões que se espalham na mente e depois
morrem. Elas nos enganam constantemente, não encontramos segurança em nenhum
lugar. Tal como disse o Buda, quando a infelicidade surge ela permanece por
algum tempo, depois desaparece. Quando a infelicidade desaparece, a
felicidade surge e permanece por algum tempo e depois morre. Quando a
felicidade desaparece, a infelicidade surge outra vez…continuamente dessa
forma.
No final, só podemos dizer isto - exceto pelo nascimento, vida e morte do
sofrimento, não existe nada mais. Existe só isso. Mas nós que somos
ignorantes, corremos e agarramos constantemente. Nunca vemos a verdade das
coisas e que existe somente essa contínua mudança. Se entendermos isto,
então não precisaremos pensar muito, e teremos muita sabedoria. Se não
soubermos isso, então teremos mais pensamento que sabedoria - e talvez
nenhuma sabedoria! Até que realmente enxerguemos as conseqüências danosas
das nossas ações para que possamos abrir mão delas. Da mesma forma, somente
quando virmos os benefícios reais da prática é que nós a seguiremos e
começaremos a trabalhar para tornar a mente "boa". Se cortarmos um tronco de árvore e o jogarmos num rio e ele não afundar ou apodrecer, nem ficar preso nas margens do rio, esse tronco irá com certeza chegar ao mar. A nossa prática é igual. Se você praticar de acordo com o caminho estabelecido pelo Buda, seguindo-o com rigor, você irá transcender duas coisas. Quais duas? Exatamente os dois extremos que o Buda disse não ser o caminho do verdadeiro meditador - entregar-se ao prazer e entregar-se à dor. Essas são as duas margens no rio. Uma das margens do rio é a raiva, a outra a cobiça. Ou você pode dizer que uma margem é a felicidade e a outra a infelicidade. O "tronco" é a mente. À medida que "fluir rio abaixo" ela irá experimentar a felicidade e a infelicidade. Se a mente não se apegar a essa felicidade ou infelicidade, chegará ao "oceano" de Nibbana. Você deve ver que não existe nada além de felicidade e infelicidade surgindo e desaparecendo. Se você não "ficar preso" nessas coisas, então você estará no caminho de um verdadeiro meditador. Esse é o ensinamento do Buda. Felicidade, infelicidade, cobiça e raiva simplesmente existem na Natureza de acordo com a invariável lei da natureza. A pessoa sábia não os segue ou estimula, ela não se apega a eles. Essa é a mente que não se entrega ao prazer e não se entrega à dor. É a prática correta. E como aquele tronco de madeira irá finalmente chegar ao oceano, assim também a mente que não se apega a esses dois extremos irá inevitavelmente alcançar a paz.
...Você sabe onde isso acaba? Ou você seguirá aprendendo assim?…Ou será que
existe um fim?…Isso está bem, mas é o estudo externo, não o estudo interno.
Para o estudo interno você tem que estudar estes olhos, estas orelhas, este
nariz, esta língua, este corpo e esta mente. Esse é o estudo real. O estudo
de livros é apenas o estudo externo, é realmente difícil terminá-lo.
Quando o olho vê a forma que tipo de coisas acontecem? Quando o ouvido,
nariz e língua experimentam sons, aromas e sabores, o que acontece? Quando o
corpo e a mente entram em contato como o tato e os estados mentais, que
reações ocorrem? O desejo, a aversão e a delusão estão presentes? Nós nos
perdemos nas formas, sons, aromas, sabores, texturas e humores? Esse é o
estudo interno. Ele tem um ponto em que termina.
Se estudarmos mas não praticarmos, não obteremos nenhum resultado. É tal
como a pessoa que cria vacas. Pela manhã ela leva a vaca para pastar, à
tarde ela a traz de volta para o curral - mas ela nunca toma o leite da vaca.
O estudo é bom, mas não deixe que seja só isso. Você deve criar a vaca e
também tomar o seu leite. Você precisa estudar e praticar também para obter
o melhor resultado.
Aqui, vou explicar melhor. É igual a uma pessoa que cria galinhas, mas que
não coleta os ovos. Tudo que ela obtém é o estrume de galinha! Isso é o que
digo para as pessoas que criam galinhas onde vivo! Tomem cuidado para que
vocês não se tornem assim! Isso significa que nós estudamos as escrituras
mas não sabemos como nos soltar das nossas contaminações, nós não sabemos
como "empurrar" o desejo, a aversão e a delusão da nossa mente. Estudar sem
praticar, sem esse "abandono", não produz resultados. É por isso que comparo
a alguém que cria galinhas mas que não recolhe os ovos, ela apenas colhe o
excremento. É a mesma coisa.
Por causa disso, o Buda queria que estudássemos as escrituras e que então
abandonássemos as ações prejudiciais praticadas através do corpo, linguagem
e mente e para que desenvolvêssemos as ações benéficas através do corpo,
linguagem e pensamento. O real valor da humanidade se realiza através das
nossas ações com o corpo, linguagem e pensamento. Mas se apenas falarmos de
maneira correta, sem agirmos de acordo, ainda não estará completo. Ou, se
praticarmos ações benéficas mas a mente ainda não estiver bem, isso não
estará completo. O Buda ensinou para que desenvolvêssemos a ação correta, a
linguagem correta e o pensamento correto. Esse é o tesouro da humanidade. O
estudo e a prática, ambos, precisam ser benéficos.
O Caminho Óctuplo do Buda, o caminho da prática, possui oito elementos.
Esses oito elementos são nada mais do que este corpo: dois olhos, duas
orelhas, duas narinas, uma língua e um corpo. Esse é o caminho. E a mente é
aquela que segue o caminho. Portanto, ambos, o estudo e a prática existem no
nosso corpo, linguagem e mente.
Você já viu escrituras que ensinem sobre alguma outra coisa que não seja o
corpo, a linguagem e a mente? As escrituras ensinam apenas isso; nada mais.
As contaminações nascem aqui. Se você as conhecer elas morrerão exatamente
aqui. Portanto, você deve compreender que a prática e o estudo, ambos,
existem exatamente aqui. Se estudarmos na medida exata poderemos saber tudo.
É como a nossa linguagem: falar uma palavra que seja uma Verdade é melhor do
que toda uma vida de linguagem incorreta. Você entende? Quem estuda mas não
pratica é como uma concha em uma sopeira. Ela está na sopeira todos os dias
mas não conhece o sabor da sopa. Se você não praticar, mesmo que estude até
o dia da sua morte, não conhecerá o Gosto da Liberdade!
O Venerável Ajaan Chah (Pra Bhodinyana Thera) nasceu em uma típica família
camponesa no vilarejo de Bahn Gor, na província de Ubol Rachathani, na
região Nordeste da Tailândia em 1917. Ele viveu a primeira parte da sua vida
como qualquer outra criança da região rural na Tailândia e, de acordo com o
hábito local, ele se ordenou como noviço durante alguns anos no Wat do
vilarejo, lá ele aprendeu a ler e escrever, além de receber alguns
ensinamentos básicos sobre o Budismo. Após alguns anos ele retornou para a
vida leiga para ajudar os seus pais, mas sentindo uma grande atração pela
vida monástica, com vinte anos ele novamente entrou em um Wat, desta vez
para uma ordenação mais elevada como bhikkhu, ou monge Budista.
Ele passou os primeiros anos da sua vida como bhikkhu estudando as
escrituras e aprendendo o Pali, mas a morte do pai o despertou para a
impermanência da vida e incutiu nele o desejo de encontrar a real essência
dos ensinamentos do Buda. Ele passou a viajar para outros monastérios,
estudando a disciplina monástica em detalhe e passando um breve, porém
importante período com o Venerável Ajaan Mun, o Mestre de meditação mais
destacado da tradição ascética de florestas. Após o seu período com o
Venerável Ajaan Mun, ele passou alguns anos viajando pela Tailândia, vivendo
nas florestas e em cemitérios, lugares ideais para o desenvolvimento da
prática meditativa.
Finalmente, ele acabou chegando na vizinhança do vilarejo onde havia nascido
e quando souberam que ele se encontrava na região, o convidaram para
estabelecer um monastério na floresta de Pa Pong, um lugar que naquela época
era conhecido como a moradia de animais selvagens e fantasmas. A perfeita
abordagem de meditação do Venerável Ajaan Chah, ou prática do Dhamma,
e o seu estilo simples e direto de ensino, com ênfase na aplicação prática e
uma atitude equilibrada, atraiu uma grande quantidade de seguidores
monásticos e leigos.
Em 1966, o primeiro ocidental veio para ficar no Wat Pa Pong, o Venerável
Sumedho Bhikkhu. Daquele momento em diante, o número de estrangeiros que
buscaram Ajaan Chah foi crescendo continuamente, até que em 1975, foi
estabelecido Wat Pa Nanachat, o primeiro monastério afiliado para pessoas do
ocidente e de outras nacionalidades que não a Tailandesa, tendo o Venerável
Ajaan Sumedho como abade.
Em 1976 o Venerável Ajaan Chah juntamente com Ajaan Sumedho foram convidados
para ir à Inglaterra e como resultado, acabou sendo estabelecido o primeiro
monastério afiliado ao Wat Pa Pong fora da Tailândia. Desde então outros
monastérios afiliados foram estabelecidos na Inglaterra, Suíça, Austrália,
Nova Zelândia e Itália.
Em 1980 o Venerável Ajaan Chah começou a sentir de maneira mais aguda os
sintomas de vertigem e lapsos de memória que ele vinha sentindo ao longo de
alguns anos. Isso acarretou uma cirurgia em 1981 que, no entanto, fracassou
no seu objetivo de reverter o processo de paralisia, que, afinal, fez com
que ele ficasse confinado à cama e impossibilitado de falar. No entanto,
isso não inibiu o crescimento do número de monges e pessoas leigas que
vinham para praticar no seu monastério, para eles os ensinamentos de Ajaan
Chah serviam como guia e inspiração permanentes.
1. Samadhi é o estado de tranqüilidade com
concentração que resulta da prática de meditação. [Retorna]
2. Jhana é um estado avançado de concentração ou
samadhi, em que a mente fica absorvida pelo seu objeto de meditação.
Ele está dividido em quatro níveis, cada um progressivamente mais refinado
que os anteriores. [Retorna]
3. Isto é, todo o tempo, em todas atividades. [
Retorna]
4. Esta é uma "vergonha" que tem como base o
conhecimento da lei de causa e efeito, ao invés do mero sentimento de culpa.
[ Retorna]
5. "Atividade externa" se refere a todas as
impressões sensuais. É usada em contraste a "atividade interna" do
samadhi de absorção (jhana), em que a mente não "sai" em busca
das impressões sensuais externas. [Retorna]
6. Samsara, a roda do Nascimento e Morte,
é o mundo de todos os fenômenos condicionados, mentais e materiais, que
possuem as três características de impermanência, insatisfatórios e não-eu.
[Retorna]
8. No idioma Tailandês a palavra "sungkahn," derivada da
palavra em Pali sankhara (o nome dado a todos fenômenos condicionados),
é um termo comumente usado para o corpo. O Venerável Ajaan emprega a palavra
com ambos sentidos. [Retorna]
9. Paticcasamuppada -- A Cadeia da Origem Dependente,
uma das doutrinas centrais da filosofia Budista. [Retorna]
10. Sensação é uma tradução da palavra em Pali
vedana, e deve ser entendida com o sentido dado por Ajaan Chah: como
os estados mentais de gostar, não gostar, alegria, tristeza, etc. [Retorna]
11. Contaminações, ou kilesa, são os hábitos
nascidos da ignorância que infestam as mentes de todos os seres não
iluminados. [Retorna]
12. Khandhas. São os cinco "agregados" que compõem
aquilo que denominamos "uma pessoa”. [Retorna]
13. Natureza neste caso se refere a todas as coisas,
mentais e físicas, não somente árvores, animais, etc. [Retorna]
14. Silabbata paramasa tradicionalmente se traduz
como apego a preceitos e rituais. Neste caso o Venerável Ajaan o conecta,
juntamente com a dúvida, especificamente ao corpo. Essas três coisas,
sakkayaditthi, vicikiccha e silabbata paramasa, são, nas
escrituras, os três primeiros dos dez "grilhões", que são abandonados ao
alcançar o primeiro vislumbre da Iluminação, conhecido como "Entrar na
Correnteza". Com a iluminação completa todos dez grilhões são abandonados. [Retorna]
15. Isto é, vipassanupakkilesa --
as contaminações sutis que se originnam da prática de meditação. [Retorna]
16. Mara (o Sedutor), a personificação do mal no Budismo.
Para o meditador é tudo aquilo que perturba a busca pela iluminação. [Retorna]
17. "Libertação da dependência," isto é, durante os
primeiros cinco anos ele vive sob a orientação de um monge mais graduado. [Retorna]
18. "Retiro das Chuvas" refere-se ao retiro anual de três
meses durante a estação das chuvas, através do qual os monges contam a sua
idade. Dessa forma um monge com cinco retiros das chuvas foi ordenado faz
cinco anos. [Retorna]
19. A cabeça é considerada sagrada na Tailândia e tocar a
cabeça de uma pessoa é considerado um insulto. Também, de acordo com a
tradição, homens e mulheres não se tocam em público. Por outro lado, sentar
em meditação é considerada uma atividade "sagrada". Talvez neste caso o
Venerável Ajaan estivesse usando um exemplo do comportamento ocidental que
em particular choca um público Tailandês [Retorna]
20. Na Tailândia é considerado de bom augúrio ter a cabeça
tocada por um monge muito estimado. [Retorna]
21. Os quatro apoios -- mantos, alimentos, moradia e
medicamentos. [Retorna]
22. Venerável Jagaro, abade Australiano do Wat Pah
Nanachat naquela época, que havia trazido o seu grupo de monges e pessoas
leigas para ver Ajaan Chah. [Retorna]
23. Sadhu é a palavra em Pali que tradicionalmente
se usa para reconhecer uma bênção, ensinamento do dhamma, etc. Ela significa
"muito bem." [Retorna]
24. Na Tailândia a palavra "Mestre" é usada como um título,
tanto quanto "Doutor" é usado no Português. "Mestre Choo" é um dos quatro
anciões, residentes locais, que vieram passar o retiro das chuvas no Wat Pah
Nanachat, para quem a última parte deste discurso está dirigida. [Retorna] 25. Dhutanga propriamente quer dizer "asceta". Um monge Dhutanga é aquele que segue algumas das treze práticas ascéticas permitidas pelo Buda. Os monges Dhutanga tradicionalmente passam o seu tempo viajando (freqüentemente a pé) em busca de lugares calmos para meditação, outros mestres ou simplesmente como uma prática em si. [Retorna] |
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Source : http://www.acessoaoinsight.net |
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