O Caminho da Tranqüilidade e Insight |
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O Buda disse que assim como no mar existe apenas um
sabor, o sabor do sal, na sua doutrina e disciplina também existe apenas um
sabor, o sabor da liberdade. O sabor da liberdade que permeia os
ensinamentos do Buda é o sabor da liberdade espiritual, que na perspectiva
Budista significa a libertação do sofrimento. No processo de emancipação do
sofrimento, a meditação é o meio para gerar o despertar interior necessário
para a libertação. Os métodos de meditação ensinados na tradição do Budismo
Theravada estão baseados na própria experiência do Buda, forjados por ele
durante a sua própria busca pela iluminação. Eles estão desenhados para
recriar, no discípulo que os pratica, o mesmo tipo de iluminação que o
próprio Buda alcançou quando ele sentou sob a figueira-dos-pagodes, o
despertar para as Quatro Nobres Verdades.
Os vários objetos e métodos de meditação expostos nas
escrituras do Budismo Theravada – o Cânone em Pali e os seus comentários –
estão divididos em dois sistemas interrelacionados. Um é chamado o
desenvolvimento da tranqüilidade, (samatha-bhavana), e o outro, o
desenvolvimento do insight, (vipassana-bhavana). O primeiro também
pode ser denominado o desenvolvimento da concentração, (samadhi-bhavana),
e o último, o desenvolvimento da sabedoria, (pañña-bhavana). A
prática da meditação da tranqüilidade objetiva desenvolver uma mente
tranqüila, concentrada, unificada, como meio para experimentar a paz
interior e como base para o desenvolvimento da sabedoria. A prática da
meditação de insight objetiva obter o conhecimento direto da natureza real
dos fenômenos. Das duas, o desenvolvimento de insight é considerado no
Budismo como a chave essencial para a libertação, o antídoto direto contra a
ignorância que está por detrás do cativeiro e do sofrimento. Enquanto a
meditação da tranqüilidade é reconhecida como comum a ambas as disciplinas
contemplativas Budistas e não Budistas, a meditação de insight é considerada
como a descoberta singular do Buda e uma característica inigualável do
caminho proposto por ele.
Consequentemente, devido ao fato do aprofundamento do
insight pressupor um certo grau de concentração, e a meditação da
tranqüilidade ajudar a alcançá-lo, o desenvolvimento da tranqüilidade também
desfruta de um lugar incontestável no processo meditativo Budista. Juntos,
os dois tipos de meditação atuam para fazer da mente um instrumento
capacitado para a iluminação. Com a sua mente unificada através do
desenvolvimento da tranqüilidade, afiada e luminosa com o desenvolvimento do
insight, o meditador poderá proceder desobstruído para alcançar o fim do
sofrimento, nibbana.
Fundamental em ambos os sistemas de meditação, embora
inerente à tranqüilidade, está um conjunto de realizações meditativas
chamadas jhanas. Apesar dos tradutores terem oferecido variadas
interpretações dessa palavra, variando da débil “reflexão” até a enganosa
“transe” e a ambígua “meditação”, nós preferimos a palavra sem tradução,
permitindo que o seu significado aflore do seu uso contextual. Os jhanas são
estados de profunda unificação mental que resultam da concentração da mente
num único objeto, com tal poder de atenção que o que sucede é a total
imersão no objeto. Os suttas fazem menção a quatro jhanas, designados
simplesmente com base na sua posição numérica na série: o primeiro jhana, o
segundo jhana, o terceiro jhana e o quarto jhana. Nos suttas, esses quatro
aparecem repetidamente, cada um descrito com um enunciado padrão. [1]
A importância dos jhanas no caminho Budista pode ser
facilmente avaliada pela freqüência com que eles são mencionados nos suttas.
Os jhanas figuram com proeminência tanto na própria experiência do Buda, bem
como nas suas exortações aos discípulos. Na sua infância, enquanto
participava de um festival anual de semeadura, o futuro Buda espontaneamente
entrou no primeiro jhana. Muitos anos mais tarde, foi a memória desse
incidente na sua infância, que, durante um período de grande desalento em
seguida à fútil prática de austeridades, revelou a ele o caminho para a
iluminação. Depois de sentar sob a figueira-dos-pagodes, o Buda entrou
imediatamente nos quatro jhanas antes de dirigir a sua mente para os três
conhecimentos verdadeiros que culminaram com a sua iluminação.
Durante toda a sua ativa carreira, os quatro jhanas
permaneceram como a estada divina à qual ele recorria para desfrutar de uma
permanência confortável aqui e agora. A sua compreensão das impurezas, da
purificação, do surgimento em relação aos jhanas e outras realizações
meditativas é um dos dez poderes de um Tathagata, [2]
dez poderes que o capacitam a girar a incomparável roda do Dhamma. Pouco
antes de falecer o Buda entrou nos jhanas em ordem direta e reversa, e a
morte em si ocorreu diretamente no quarto jhana.
O Buda é visto constantemente nos suttas encorajando os
seus discípulos a desenvolver os jhanas. Os quatro jhanas são sempre
incluídos no curso completo de treinamento especificado para os seus
discípulos. Eles aparecem no treinamento como a disciplina da mente
superior, a concentração correta no Nobre Caminho Óctuplo e a faculdade e o
poder da concentração. Embora um método de “insight seco”, (prática de
insight desprovido de jhana), possa ser encontrado nos textos, os indícios
são de que esse caminho não é fácil, pois carece do auxílio da poderosa
tranqüilidade disponível para o praticante de jhana. O caminho daquele que
realizou jhana parece, em comparação, ser mais estável e mais prazeroso. O
Buda até se refere aos jhanas em sentido figurado como um certo tipo de
nibbana.
Para alcançar os jhanas, o meditador precisa começar
eliminando os estados mentais ruins e prejudiciais que obstruem a calma
interior, em geral agrupados como os cinco obstáculos: desejo sensual, má
vontade, preguiça e torpor, inquietação e ansiedade, e dúvida. A absorção da
mente no seu objeto é produzida por cinco estados mentais opostos àqueles –
pensamento aplicado, pensamento sustentado, êxtase, felicidade e unicidade –
chamados de fatores de jhana porque eles elevam a mente ao nível do primeiro
jhana e permanecem ali como seus componentes definidores.
Depois de alcançar o primeiro jhana, o meditador ardente
pode prosseguir para alcançar os jhanas mais elevados, que é alcançado pela
eliminação dos fatores mais grosseiros em cada jhana, enquanto ele objetiva
a pureza superior do jhana seguinte. Além dos quatro jhanas, há um outro
grupo de quatro estados meditativos mais elevados, que aprofundam ainda mais
o elemento da tranqüilidade. Essas realizações, conhecidas como realizações
imateriais ou sem forma, são denominadas a base do espaço infinito, a base
da consciência infinita, a base do nada e a base da nem percepção, nem não
percepção. Nos comentários em Pali essas realizações são chamadas de os
quatro jhanas imateriais, sendo que os quatro estados anteriores, visando
evitar confusões, são chamados de os quatro jhanas da matéria sutil.
Freqüentemente, os dois conjuntos são unificados sob o título coletivo de
oito jhanas ou oito realizações.
Os quatro jhanas e as quatro realizações imateriais
aparecem inicialmente como estados mundanos de profunda tranqüilidade
pertencendo ao estágio preliminar do caminho Budista, e nesse nível eles
ajudam a proporcionar a base de concentração necessária para que a sabedoria
surja. Mas os quatro jhanas reaparecem novamente num estágio subseqüente no
desenvolvimento do caminho, em associação direta com a sabedoria
libertadora, e nesse caso, eles são designados de jhanas supramundanos.
Esses jhanas supramundanos são os níveis de concentração
associados aos quatro níveis de experiência da iluminação, chamados de
caminhos supramundanos, e os estágios de libertação deles resultantes são
chamados de quatro frutos.[3] Finalmente, mesmo depois que a libertação completa tiver sido alcançada, os jhanas mundanos ainda permanecem como realizações disponíveis para a pessoa completamente libertada como parte da sua experiência contemplativa ilimitada.
Notas:
[1] Veja aqui a
descrição de cada um dos Jhanas.
[Retorna]
[2] Veja o
Mahasihanada Sutta – MN 12. [Retorna].
[3] O caminho supramundano, (magga),de entrar na
correnteza e o fruto, (phala), de entrar na correnteza,
(sotapanna); o caminho supramundano de retornar uma vez e o fruto de
retornar uma vez, (sakadagami); o caminho supramundano de não
retornar e o fruto de não retornar, (anagami); o
caminho supramundano de arahant e o fruto de arahant. [Retorna]
Fonte: Tricycle – The Buddhist Review. Winter 2004
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Source : http://www.acessoaoinsight.net |
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