A Visão Budista da Morte |
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MB: Qual é a visão geral Budista sobre a morte?
Bhante Gunaratana: Primeiro, a definição. Quando a
força vital – calor e consciência – cessam de existir, a isso chamamos de
morte. A morte pode ocorrer: (1) quando o kamma da pessoa estiver esgotado;
(2) quando o tempo de vida da pessoa estiver esgotado, isto é, a duração
daquela vida em particular ( a pessoa só pode viver aquele tanto e depois
disso tem que morrer); (3) Quando ambos o kamma e o tempo de vida se esgotam
juntos; (4) quando a vida termina devido a acidentes, causas não naturais.
Essas são as maneiras como a morte pode ocorrer.
Mas no Budismo a morte não é o fim completo da
existência. A morte é apenas o encerramento de um capítulo e o capítulo
seguinte é aberto imediatamente em seguida. Esses dois sempre ocorrem
imediatamente em seguida – morte e renascimento.
Sudhamma: As pessoas estão sempre preocupadas com
como se preparar para a morte. Talvez existam dois níveis que devam ser
tomados em conta. Sendo que, um é sobre como preparar a mente comum para
esse evento, ou, o que é adequado fazer no momento da morte. E o outro é
como superar o ciclo de nascimento e morte. Em outras palavras, como se
preparar para a morte, não estando mais sujeito à morte .
Bhante Gunaratana: Entendo. Queremos conversar
sobre dois tipos de morte. Uma é a morte convencional e a outra é a morte
final. A morte convencional também tem dois lados, uma é a morte momento a
momento, a outra é a morte “real” da qual não é possível reviver. Na morte
momento a momento, parece que você sobreviveu. Você ainda existe. Mas na
verdade, tudo no corpo e na mente está morrendo a cada instante. E está
sendo renovado – está renascendo. A repetição de morte e renascimento não
parece estar ocorrendo. Parece que estamos vivos. Mas você tem que
compreender que a morte ocorre a cada instante. Compreender essa verdade é o
passo mais importante na preparação para a morte. Isso é compreender o
significado da morte. Se compreendermos isso, compreenderemos que a morte
“real” é apenas mais um momento. E até aquele momento eu já terei morrido
trilhões de vezes. Cada um desses momentos foi uma morte momentânea.
MB: E isso, creio, é o que compreendemos através
da meditação?
Bhante Gunaratana: Sim, isso é o que compreendemos
através da meditação. Na verdade, se você pratica meditação de insight e
meditação de concentração, uma ajuda a entender a outra. Assim, se você
tiver um insight irá compreender o que é concentração. Se você estiver
concentrado irá compreender o que é insight. Com a mente concentrada e com
atenção plena, você realmente sente, experimenta e compreende essa morte
momentânea. Você sente as palpitações, o batimento cardíaco, as vibrações
nervosas, as sensações mudando, as percepções mudando e cada pensamento
mudando.
Mudança, significa unicamente morte momentânea. Quando as
coisas mudam, elas nunca podem ser revividas. Quando um pensamento
momentâneo está morto, aquele pensamento momentâneo nunca mais irá
reaparecer. A morte de uma célula quer dizer que quando ela morre, está
terminada. Aquela célula nunca tornará a reviver. Ela não deve permanecer no
corpo. Tem que ser descartada, expelida do corpo, para que outras células
possam crescer e se desenvolver. Se elas não forem descartadas pelo corpo,
elas crescerão em número e poderemos desenvolver câncer.
Uma vez morta, a célula tem de ser descartada, exatamente
como quando o corpo humano morre, ele tem que ser descartado. Tem que ser
tirado da casa. Tem que ser levado para algum lugar para ser enterrado ou
queimado para que os demais possam viver uma vida saudável, higiênica.
Esse tipo de coisa está ocorrendo o tempo todo. Através
da meditação Vipassana vemos a morte momento a momento, nós a
experimentamos, nós a conhecemos, tornamo-nos plenamente conscientes dela, e
essa é a maneira de se preparar para a morte. Assim nos preparamos para a
morte “real” no nível experiencial.
Além disso, nos preparamos para a morte “real”
encarando-a de forma lógica. Você apenas precisa abrir os olhos e olhar à
sua volta. Tudo está morrendo o tempo todo. Você pode notar que as árvores,
plantas e insetos morrem o tempo todo. Ao ter vivido quarenta anos, por
exemplo, se você contar o número de amigos, parentes e conhecidos que já
morreram, você deveria um dia sentar e pensar, “Desta maneira eu devo
entender que com a quantidade de amigos, parentes e conhecidos – com todas
essas pessoas que já morreram, em algum momento será a minha vez. Portanto,
eu sei que irei morrer, meus amigos, colegas de escola, um a um, um a um,
morreram. A minha vez deve estar chegando.” Essa é uma outra forma de
encarar a morte.
Uma outra maneira lógica de encarar a morte é pensar que
todos nós somos feitos de elementos impermanentes. Por exemplo, nós somos
constituídos dos elementos: terra, água, fogo e ar. No entanto, amanhã eles
não estarão mais presentes. Conseqüentemente, esses elementos não serão
nunca permanentes. Os elementos que constituem o corpo estão sujeitos à
morte, à impermanência. Por isso o seu produto também será impermanente. Não
há como parar isso. Então, examinar os elementos que constituem o corpo é
uma outra maneira lógica de encarar a morte.
Uma vez que tenhamos compreendido a verdade da morte,
deveríamos pensar, “Agora que irei morrer, porque deveria ter orgulho de
alguma coisa? Estou intimidado pelo pensamento da morte, não tenho nenhum
motivo para ter orgulho de nada. Não tenho motivo para estar ressentido com
ninguém. Cedo ou tarde irei morrer e não tenho motivo para tentar apegar-me
a qualquer coisa. Não importa a firmeza com a qual eu me apegue ao que quer
que seja, isso irá escapar da minha mão no momento da separação. Portanto,
também não preciso da cobiça. Penso que, se não me apegar à cobiça, minha
morte será bem pacífica.”
A próxima coisa a pensar é, “Eu sei que irei morrer,
penso que é bom morrer de forma pacífica, portanto devo me preparar para
isso. Que eu esteja em paz o tempo todo.” Isso não quer dizer que você irá
deitar no meio da rua para ser atropelado ou que você deve tomar veneno, ou
se suicidar. Essa não é a forma de obter paz. Temos que viver esta vida
enquanto ela durar. Temos que continuar com o que estamos fazendo. Portanto,
precisamos pensar, “Como irei morrer de qualquer jeito, devo morrer em paz.”
Para morrer em paz precisamos preparar as nossas mentes para estarem em paz.
Uma morte pacífica é uma morte sem dor.
MB: Você poderia nos falar um pouco sobre a dor
física devido à enfermidade?
Bhante G: Sim, quando meditamos sentimos dor
física, por exemplo, dores nos joelhos. Podemos usar essa dor para nos
prepararmos para a dor de uma enfermidade terminal. A dor no joelho é igual
à dor de um câncer. Penso que se um câncer afetar o nosso sistema nervoso
então sentiremos dor o tempo todo. O que quer que façamos, os nervos estando
expostos, sentiremos dor.
Por isso precisamos preparar as nossas mentes aprendendo
a praticar a meditação das sensações. Determinamo-nos a observar sempre as
nossas sensações, seja ela qual for, mesmo uma pequena dor de dente, dor no
pescoço, qualquer dor por menor que seja. Se estamos experimentando dor,
meditamos sobre ela. Quando a dor surge, nós focamos a atenção nela. Vemos
como ela surge, quanto tempo permanece, e depois nós a vemos desaparecer.
Por menor que seja a dor, ela possui sempre esses três estágios, o seu
momento de surgimento, o seu momento de pico e o seu momento de
desaparecimento.
Se condicionarmos a nossa mente a permanecer com a dor,
ou com aquela sensação, então a nossa mente poderá ser absorvida por aquela
sensação e tornar-se uma só com ela. Se nos voltarmos contra a dor,
estaremos nos dividindo. Mas se tentarmos aceitar tudo que surgir, iremos
nos absorver naquilo. Mesmo quando sentimos uma dor intensa, chegaremos a um
ponto em que a mente não é mais capaz de tolerar a dor e então a mente se
funde com a dor. Depois disso, o que acontece já não tem importância.
Assim, antes que a morte ocorra, aprendemos a aceitar e a
permanecer de bom grado com a dor, aprendemos a observá-la e a não ficar
preocupado com ela. Quanto mais nos preocuparmos com a dor, mais doloroso
será. Quanto mais relaxarmos com a sensação, menos doloroso será. Tive
alguns amigos que morreram com dores físicas terríveis. Eles se recusavam a
tomar medicamentos. Apesar disso, eles até explicavam para as visitas onde o
câncer estava, como havia se desenvolvido e em que estágio se encontrava. Ao
invés das visitas consolarem o paciente, era o paciente quem consolava as
visitas.
O paciente pensava que as visitas vinham por compaixão,
simpatia, para encorajá-lo, mas ao relaxar com a dor, era ele quem dava
compaixão, simpatia e encorajamento para as visitas. Deste modo, a dor
física numa enfermidade terminal não é necessariamente um obstáculo para uma
morte pacífica.
MB: Mas e quando a pessoa ultrapassou o limite
tolerável da dor, quando se torna impossível relaxar e absorver-se na dor?
Bhante G: Você sabe, existem dores que uma pessoa
é incapaz de tolerar e nesse caso a medicação é necessária. Mas nós podemos
primeiro tentar aumentar a tolerância à dor condicionando a mente e
preparando-a para aceitar a dor física. Podemos condicionar a mente
aconselhando de forma gentil e suave que a pessoa medite. Podemos entoar
alguns cânticos que acalmam e tranqüilizam, tocar música que acalme e
tranqüilize para preparar a mente, para ajudar a mente a ficar em paz.
Dar-lhe instruções sobre como meditar.
Não se esqueça que quando as mulheres sentem as dores do
parto são orientadas para concentrar a atenção na respiração. Elas mantêm a
respiração dentro de um certo ritmo. Ao empurrar o bebê para fora elas estão
focando na respiração, no corpo e no ato de empurrar.
Essa é uma coisa muito bela para ser lembrada. Podemos
usar essa informação para ensinar as pessoas. E essas mulheres dão à luz aos
seus bebês com menos dor porque elas foram treinadas nesse procedimento.
Assim treinamos a mente a aceitar a dor. Podemos usar essa informação das
mulheres dando à luz para ensinar as pessoas que estão morrendo como lidar
com a dor.
Assim, temos que treinar a mente. Ao invés de primeiro
lidar com a dor física, aprendemos a lidar primeiro com a mente. Como esses
dois estão sempre cooperando um com o outro, quando o corpo se acalma, a
mente se acalma. Eles estão sempre se complementando.
MB: Qual a sua opinião quanto às drogas usadas
para eliminar a dor?
Bhante G: Eu penso que elas possuem efeitos
colaterais. Elas podem reduzir a sua pressão arterial. Algumas pessoas não
podem tomá-las, e elas podem ser muito perigosas. Há um limite para a
dosagem que pode ser mantida na corrente sanguínea da pessoa.
Mas a meditação foi inventada muito antes da descoberta
dos medicamentos. Nos dias de hoje as pessoas não dão muita atenção ao
treinamento espiritual e vão direto para os narcóticos ou drogas para
eliminar a dor. Agora queremos inverter a ordem porque o tratamento
espiritual é mais saudável que o tratamento químico.
As pessoas tomam todo tipo de pílulas, você sabe, e todas
elas têm efeitos colaterais, particularmente depois de usadas durante muito
tempo. Mas o treinamento espiritual nunca terá efeitos colaterais. Ele é
sempre positivo. Sempre prolonga a sua vida. Mas se ele tiver qualquer
efeito colateral, será para melhorar a sua vida, dando um novo sabor a ela.
Se você realizar essas práticas enquanto enfermo, ao se recuperar, elas
produzirão um efeito pacífico que se prolongará para além da recuperação
daquele estado doloroso.
Agora, para retornar ao tema da morte. Na verdade nos
desviamos um pouco, porque a enfermidade pode ser a causa da morte e a
enfermidade provoca dor. Morrer de forma rápida, sem dor, não é nenhum
problema. Por esta razão, creio que falar sobre a dor é essencial em
qualquer discussão sobre a morte.
Sudhamma: Falamos sobre dois tipos de morte:
momento a momento e a “real.” Em certo ponto você falou sobre abandonar os
ressentimentos e a cobiça e ter uma mente pacífica. O que você queria dizer
com isso?
Bhante G: Gostaria de falar sobre a morte
permanente, isto é, morrer para nunca mais renascer. Vocês estão cansados
desses nascimentos e mortes, momento a momento, vida após vida. Assim, um
momento inicia e termina e um outro inicia e termina. Uma vida inicia e
termina e outra inicia e termina. Ficamos cansados disso tudo. Então
queremos a morte e não renascer nunca mais.
A morte causa o nascimento porque existe o desejo de
renascer. Enquanto existir esse desejo, haverá o renascimento. Quando o
desejo de renascer estiver extinto, então não haverá mais renascimento.
E isso nos leva ao último estágio da iluminação.
Sudhamma: Quando você estava falando sobre a
morte, você falou sobre “fazer com que a mente fique em paz” e disse algo
sobre “Que eu tenha uma mente pacífica. Que eu tenha uma morte pacífica.”
Esse tema foi concluído?
Bhante G: Sim, mas eu gostaria de mencionar uma
outra coisa. Quando a morte está se aproximando, com freqüência a pessoa
sente remorso, pesar e culpa. Essa é uma outra razão para sentir medo. Como
ela sabe que irá renascer e que fez muitas coisas erradas, no momento da
morte ela se lembra disso. A isto se denomina “o pensamento mais próximo da
morte”. Nesse pensamento, naquele instante que antecede a morte, ela se
lembra de forma clara, como um relâmpago, de certas coisas que aconteceram
durante a sua vida. A morte também é dolorosa sob o ponto de vista
psicológico.
Então, quando uma pessoa está morrendo, pessoas cheias de
compaixão ajudam-na a ter uma morte pacífica contando-lhe as boas coisas que
ela fez. Por exemplo, se ela criou filhos, elas poderão falar- lhe sobre o
quanto ela fez pelas crianças e sobre todas as outras coisas boas que ela
tenha feito para os outros. Se ela tiver irmãos e irmãs, elas poderão
relembrar as boa ações que ela tenha realizado. Qualquer coisa positiva que
ela tenha feito, tal como, plantar árvores, limpar a rua, podem ser
lembradas, com convicção.
Além disso, elas podem sugerir que ela pense em um objeto
que traga paz, como o Buda, uma luz celestial, a tranqüilidade e a paz, a
alegria que teve na vida, para tentar bloquear os pensamentos negativos. Da
mesma forma, se você conhecer uma pessoa religiosa, um monge ou sacerdote ou
alguém semelhante, chame-o e peça que ele faça um sermão. Embora a pessoa
que esteja morrendo possa no passado ter odiado sermões, agora ela irá ouvir
os sermões com vontade, pois não existe nada mais a ser feito.
Essas são, portanto, as coisas que uma pessoa que esteja
morrendo pode fazer e que outras pessoas podem fazer para ajudá-la a morrer
em paz.
MB: Eu estive lendo um livro de Philip Kapleau (The Wheel of Birth
and Death). Ele fala de um modo que me deixou com
dúvidas sobre o eu, o não-eu e a morte. Depois de ler o livro eu pensei,
“Como pode existir a morte, se não existe nada para morrer?”
Bhante G: Isso soa bastante abstrato – dizer que
não existe nada para morrer. Essa é a base filosófica do que estamos
fazendo. Em última análise, nada existe. E quando nada existe, não existe
nada para morrer.
Mas você tem que ter um estado mental muito poderoso para
ter esse tipo de pensamento no momento da morte. Muito antes da morte,
enquanto ainda estiver saudável, você poderá ter esse tipo de pensamento,
mas no momento da morte os seus sentidos estarão enfraquecidos. A sua
capacidade para pensar estará enfraquecida. Quando você está à beira da
morte, tudo fica mais fraco.
De acordo com o Abhidhamma, existe neste momento um fluxo
fraco de consciência. O processo cognitivo é mais curto. Em outras
circunstâncias, o processo cognitivo possui dezessete momentos. Quando vem a
morte, o processo cognitivo tem quinze ou treze momentos. Como tudo está
muito fraco, quando você está quase morto, o que resta é apenas um pouco de
consciência. Você não está interessado em nada nessa situação. Eu não creio
que a filosofia poderia ajudar muito.
MB: Eu também estive lendo um livro do Stephen
Levine (Who dies? An investigation of conscious living and conscious
dying) e ele diz que se você conseguir compreender que de todos os modos
não existe nada a que se apegar, você não terá tantos problemas para se
soltar das coisas no fim. Nesse livro ele apresenta muitas meditações sobre
como se soltar das coisas.
Bhante G: Essa é uma boa idéia. A pessoa precisa
ser lembrada do fato de que ela comeu tantas vezes ao longo da sua vida e
que todas aquelas refeições se foram. O que restou delas agora? Todas as
atividades, todos os pensamentos, todas as posses materiais se foram.
Portanto, não importa quanto tentemos nos agarrar a algo,
isso irá escapar das nossas mãos. E é uma boa idéia fazer com que as pessoas
tenham consciência disso. Quanto mais tempo você se apegar mentalmente, mais
doloroso será. É como apertar o punho. Quanto mais você aperta o punho mais
doloroso é. Ao abrir o punho e relaxá-lo você sentirá alívio e conforto.
Do mesmo modo, neste momento, se você liberasse a sua
ansiedade, tensão, aperto, sentiria o alívio da dor, relaxamento. Esse é um
bom pensamento – soltar-se das coisas. E essa é outra coisa que fazemos na
meditação Vipassana. Soltamo-nos das coisas. Desfrutamos delas enquanto nos
dão prazer, mas não nos agarramos a elas. Coma, se for saboroso e desfrute o
sabor! Mas se não for saboroso, se for desagradável, não se agarre nisso!
Sudhamma: Quando você começou a falar sobre a
morte disse que havia a morte convencional e a morte final. Fale sobre a
morte final.
Bhante G: A morte final é a morte da pessoa
iluminada. Uma pessoa iluminada tem o seguinte tipo de pensamentos. Primeiro
ela pensa, “Bem, fiz o que devia ser feito. Não há mais nada por fazer.”
Esse é um dos mais perfeitos e maravilhosos pensamentos para se ter na
mente. Podemos morrer a qualquer momento. Não devemos esperar para ter esse
pensamento. A qualquer momento podemos pensar, “Fiz tantas coisas na minha
vida. Essas são as coisas que eu deveria ter feito e eu as fiz. O que estou
fazendo agora são coisas adicionais, tarefas adicionais em relação às minhas
tarefas originais. Posso muito bem ficar sem essas tarefas adicionais.”
As tarefas adicionais são os serviços prestados ao mundo
por uma pessoa iluminada. Ela não precisa deles, mas o corpo e a mente ali
estão, e existem seres que sofrem, então porque não viver de forma útil e
com atenção plena para o benefício deles. Assim ele diz, “Para mim não há
nada mais a ser feito. Eu fiz tudo.”
Segundo, e esse é o pensamento racional da pessoa
iluminada, ele está baseado na libertação da mente da pessoa iluminada. Ela
pensa, “Estou liberada.” Esse tipo de pensamento aparece na sua mente sem
qualquer esforço, naturalmente.
Por outro lado, sempre que ela pensa no seu corpo, ela
compreende a sua natureza e isso não gera apego. Ela se encontra num estado
de soltar-se de todas as coisas. Deste modo, ela não tem nada pessoal a que
se apegar – nenhum ser ou pensamento, ou coisa. Isso também ocorre de forma
natural.
Mas em outros casos, apesar de ter se soltado de tudo, a
pessoa pode ainda possuir o desejo de renascer. Talvez ela queira renascer
num lugar melhor ou se viveu esta vida com serenidade, teve uma vida ideal
com uma esposa ideal, poderá dizer, “Gostaria de ter essa esposa na minha
próxima vida. Gostaria de renascer e ter o mesmo tipo de vida que tive, o
mesmo conforto, a mesma satisfação emocional, espiritual que fez esta vida
tão pacífica. Portanto, que eu tenha esta vida novamente.” Então não importa
quão nobre a pessoa seja, ela terá a mesma vida novamente. Ela irá renascer
porque, a despeito da sua nobreza, ainda possui desejo.
Mas uma pessoa iluminada é mais nobre. Quem está liberado
não possui sequer esse desejo. Ele sabe que até mesmo esse desejo é criado
pela mente. Que isso é sankhara (formação mental
condicionada e impermanente).
Qualquer sankhara, não importa quão completo e
benéfico aparente ser, é impermanente, Além disso, uma pessoa iluminada sabe
que a sua morte está extinta, isto é, que ela nunca irá morrer outra vez.
Para morrer outra vez é necessário nascer outra vez. “Portanto esta é a
minha última morte. Este é o meu último nascimento. Para mim não há mais
nascimento, não há mais morte. Não há nada além disso.” Ele alcança a sua
realização.
Por conseguinte, isso é o que chamamos de morte final.
Quando uma pessoa iluminada se aproxima da morte final,
ela não necessita de nenhum meio de consolo à sua volta para ajudá-la, isto
é, mestres e outros para consolar o seu corpo e a sua mente.
Essa pessoa não terá nenhuma recordação daquelas que
surgem no momento próximo da morte. Uma pessoa comum se lembra das coisas
que fez, seu kamma; e teme o lugar onde irá renascer. A isto se denomina o
“sinal.” Ela terá o sinal do lugar em que irá renascer. Isso significa que
no momento da morte, se você for renascer, pode ser que veja a sua mãe
humana. Se for renascer como animal, verá o animal.
Sudhamma: Como uma face?
Bhante G: Como uma visão.
Sudhamma: Uma pessoa? Um útero?
Bhante G: Se for um renascimento humano, talvez
umidade, como num útero. Pode ser que você veja um útero e sinta como é
estar num útero. Se você for renascer como humano poderá ver isso. Se for
renascer como um ser divino, verá um lugar cheio de paz.
Mas, quando a morte final se aproxima, você não vê nenhum
desses sinais. Por isso é chamada “sem sinais.” Não existe um sinal naquele
momento.
E essa é a visão Budista do nascimento, morte e
libertação. |
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