Não-eu |
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O Buda dividiu todas as questões em quatro classes:
aquelas que merecem uma resposta direta ( sim ou não); aquelas que merecem
uma resposta analítica, definindo e qualificando os termos da questão;
aquelas que merecem uma contra-pergunta, devolvendo a bola a quem levantou a
questão; e aquelas que devem ser colocadas de lado. A última classe de
questões corresponde àquelas que não conduzem ao fim do sofrimento e
estresse. A primeira tarefa de um mestre, quando questionado, é identificar
a que classe pertence a pergunta e então responder da maneira adequada. Você
por exemplo, não responde sim ou não a uma questão que deve ser posta de
lado. Se você é a pessoa que está perguntando e obtém uma resposta, você
deve determinar até que ponto a resposta deve ser interpretada. O Buda disse
que existem dois tipos de pessoas que distorcem os seus ensinamentos:
aquelas que fazem deduções acerca de enunciados dos quais não se deve fazer
nenhuma dedução e aquelas que não fazem deduções quando deveriam fazê-las.
Essas são as regras básicas para interpretar os
ensinamentos do Buda mas se olharmos a forma como a maioria dos autores
trata a doutrina de anatta, veremos que essas regras básicas são ignoradas.
Alguns autores argumentam em defesa da interpretação de não-eu dizendo que o
Buda negou a existência de um eu eterno ou independente mas isso equivale a
dar uma resposta analítica a uma questão que o Buda mostrou que deve ser
posta de lado. Outros tentam fazer deduções de alguns enunciados contidos
nos discursos que parecem indicar que não existe um eu, mas com segurança
podemos dizer que se alguém força esses enunciados a dar uma interpretação a
uma questão que deveria ser colocada de lado, estará fazendo deduções onde
elas não devem ser feitas.
Assim, ao invés de responder "não" à questão se existe ou
não existe um eu - inter-conectado ou separado, eterno ou não - o Buda
percebeu que a questão estava mal formulada desde o princípio. Porque? Não
importa como se defina a fronteira entre "eu" e "outro", a noção do eu
implica um elemento de auto identificação e apego e, por isso, sofrimento e
estresse. Isso vale tanto para um eu inter-conectado que não reconhece um
"outro" como para um eu separado. Se alguém se identifica com toda a
natureza, sofre com cada árvore que cai. Isso também vale para um universo
que seja completamente "outro", em que a sensação de alienação e futilidade
se tornaria tão debilitante fazendo com que a busca pela felicidade - a
própria ou de outros - se tornasse impossível. Por essas razões, o Buda
aconselhou que não se desse atenção a questões como "Eu existo?" ou "Eu não
existo?" pois não importa como elas sejam respondidas, conduzirão ao
sofrimento e ao estresse.
Para evitar o sofrimento implícito nas questões de "eu" e
"outro", o Buda ofereceu uma maneira alternativa de como encarar o que
experimentamos: as Quatro Nobres Verdades do sofrimento, a sua causa, a sua
cessação e o caminho que leva à cessação. Ao invés de ver essas verdades
como pertencendo a um eu ou outro, ele disse que se deveria reconhecê-las
simplesmente pelo que elas são, em si mesmas e por si mesmas, da forma como
são experimentadas diretamente, e então realizar a tarefa apropriada a cada
uma delas. O sofrimento deve ser compreendido, a sua causa abandonada, a sua
cessação realizada e o caminho para a cessação desenvolvido. Essas tarefas
constituem o contexto no qual a doutrina de anatta pode ser melhor
compreendida. Se você desenvolve o caminho da virtude, concentração e
sabedoria até o ponto em que alcança um estado de bem estar tranqüilo e
utiliza esse estado de tranqüilidade para olhar para a sua experiência sob a
perspectiva das Quatro Nobres Verdades, as questões que ocorrem na mente não
são "Existe um eu? O que é o meu eu?" mas ao invés disso "Estou sofrendo
porque estou me apegando a este fenômeno em particular? E isso é realmente
parte de mim, meu? Se gera sofrimento mas não é realmente parte de mim, ou
meu, porque me apegar?" Essas últimas questões merecem respostas diretas,
pois elas auxiliam a compreender o sofrimento e gradualmente eliminar o
apego - o sentimento residual de auto identificação - que é a sua causa, até
que finalmente todos os traços de auto identificação desapareçam e tudo que
reste seja a liberdade sem limites.
Nesse sentido, o ensinamento acerca de
anatta não se trata de uma doutrina de não-eu, mas de uma estratégia de
despersonalização para se desfazer do sofrimento através do abandono da sua
causa, conduzindo à felicidade máxima e imortal. Nesse ponto, questões
acerca do eu ou não-eu são colocadas de lado. Uma vez que essa liberdade
completa é experimentada, porque haveria qualquer preocupação com quem a
está experimentando ou se se trata ou não de um eu?
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Source : http://www.acessoaoinsight.net |
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