Samsara Dividido por Zero |
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O objetivo da prática Budista, nibbana, se diz que é
completamente desprovido de causa e exatamente nisso existe um paradoxo. Se
o objetivo é desprovido de causa, como pode um caminho de prática - que é
causal por natureza - produzi-lo? Essa é uma questão antiga. O
Milinda-pañha, um conjunto de diálogos composto no início da era cristã,
relata uma conversa entre o rei Milinda e um monge, Nagasena, no qual o rei
pergunta a Nagasena exatamente sobre isso. Nagasena responde com uma
analogia. O caminho da prática não causa nibbana, ele diz. Ele simplesmente
o leva até lá - tal como um caminho para uma montanha não faz com que a
montanha exista. Ele somente o leva até lá.
A resposta de Nagasena, embora muito apropriada, na
verdade não solucionou o caso dentro da tradição Budista. Ao longo dos anos
muitas escolas de meditação têm ensinado que as fabricações mentais somente
atrapalham o atinjimento de um objetivo que é desprovido de causas e não é
fabricado. Somente através do não fazer absolutamente nada, e dessa forma
não fabricando nada na mente, eles dizem, o não fabricado surgirá.
Esse entendimento é baseado numa compreensão bastante
simplista do que é a realidade fabricada, vendo a causalidade como linear e
totalmente previsível: X causa Y que causa Z e assim por diante, sem nenhum
efeito dando uma volta para condicionar as suas causas e sem nenhuma
possibilidade de usar a causalidade para escapar da teia causal. Uma das
muitas coisas que o Buda descobriu no seu processo de iluminação foi de que
a causalidade não é linear. A experiência no presente é moldada tanto por
ações no presente como por ações do passado. As ações no presente moldam o
presente e o futuro. Os resultados de ações do passado e do presente
interagem continuamente. Assim existe sempre espaço para adicionar novos
elementos ao sistema, o que abre espaço para o livre arbítrio. Existe também
espaço para a infinidade de processos de 'feedback' que fazem com que as
experiências sejam tão profundamente complexas e que são descritas de
maneira tão intrigante na teoria do caos. A realidade não se assemelha a uma
simples linha ou círculo. Ela se assemelha mais às trajetórias bizarras
criadas por uma estranha força de atração ou um conjunto de Mandelbrot.[1]
Como existem muitas similaridades entre a teoria do caos
e as explicações Budistas acerca da causalidade, parece legítimo explorar
essas similaridades, para ver como a teoria do caos pode ajudar a esclarecer
como um caminho de prática causal pode conduzir a um objetivo que é
desprovido de causa. Isso não equivale a igualar o Budismo à teoria do caos
ou de engajar-se em uma pseudo ciência. É simplesmente uma busca de
semelhanças para esclarecer um aparente conflito nos ensinamentos do Buda.
E assim sucede que uma das descobertas da matemática não
linear - que é a base da teoria do caos - esclarece justamente esse assunto.
No século 19, o matemático francês Jules-Henri Poincaré descobriu que em
todos os sistemas físicos complexos existem pontos que ele chamou de
ressonâncias. Se as forças que governam um sistema são descritas por
equações matemáticas, as ressonâncias são os pontos em que as equações se
cruzam de tal forma que um dos membros é dividido por zero. Isto, é claro,
produz um resultado indefinido, o que significa que se um objeto dentro do
sistema se desgarrasse para um ponto de ressonância, ele não mais seria
definido pela estrutura causal que determina o sistema. Ele estaria livre.
Na prática é muito raro que um objeto encontre um ponto
de ressonância. As equações que descrevem os pontos que se encontram
imediatamente ao redor de uma ressonância tendem a desviar qualquer objeto
que se aproxima, de entrar na ressonância, a menos que o objeto se encontre
em uma trajetória precisa em direção ao núcleo da ressonância. No entanto,
não é necessária muita complexidade para criar ressonâncias - Poincaré as
descobriu enquanto calculava as interações gravitacionais entre três corpos:
a terra, o sol e a lua - e quanto mais complexo for o sistema, maior o
número de ressonâncias e maior a probabilidade de que objetos irão se
desgarrar na sua direção. Não é surpresa, que meteoros em uma escala maior e
eléctrons em uma escala menor, ocasionalmente se percam em uma ressonância
num campo gravitacional ou elétrico e assim alcancem a liberdade da completa
imprevisibilidade. Essa é a razão porque o seu computador ocasionalmente
trava sem ter uma razão aparente e porque a mesma coisa pode um dia
acontecer com as batidas do seu coração.
Se formos aplicar esta analogia ao caminho Budista, o
sistema no qual estamos é samsara, o ciclo de renascimentos. As suas
ressonâncias seriam aquilo que os textos chamam de "não fabricado", a
abertura em direção ao nibbana que não é sujeito a causas. A parede de
forças opostas ao redor das ressonâncias corresponderiam ao sofrimento,
estresse e o apego. Permitir que você seja repelido pelo sofrimento ou
desviado pelo apego, não importando quão sutis sejam, seria o mesmo que
aproximar-se de uma ressonância para então ser desviado para uma outra parte
do sistema. Mas focar diretamente na análise do sofrimento e do apego e
desmontar as suas causas, seria como estar em uma trajetória direta para a
ressonância para encontrar a completa, indefinível liberdade.
Isto, é claro, é uma simples analogia. Mas é uma analogia
proveitosa para mostrar que não existe nada de ilógico em ativamente
perseguir o controle sobre os processos de fabricações mentais e da
causalidade com o objetivo de ir além da causa e efeito. Ao mesmo tempo, dá
uma dica de porque um caminho de total inércia não conduziria ao não
fabricado. Se você simplesmente sentar-se quieto dentro do sistema de
causalidade, você nunca irá chegar próximo das ressonâncias onde o não
fabricado está. Você ficará flutuando no samsara. Mas se você toma como
objetivo o sofrimento e o apego e trabalha para desmantelá-los, você será
capaz de romper a barreira depois da qual o momento presente será dividido
por zero na mente.
Notas:
[1] Matemático francês, pioneiro da
teoria do caos. [Retorna]
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Source : http://www.acessoaoinsight.net |
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