Vazio |
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Essa modalidade é chamada de vazio porque ela é
desprovida das pressuposições que normalmente adicionamos às experiências
para que elas façam sentido: as estórias e idéias sobre o mundo que criamos
para explicar quem somos e o mundo no qual vivemos. Embora essas estórias e
idéias tenham utilidade, o Buda descobriu que algumas questões mais
abstratas que surgem em decorrência delas - sobre a nossa verdadeira
identidade e a realidade do mundo exterior - desviam a nossa atenção da
experiência direta de como os eventos influenciam uns aos outros no momento
presente. Dessa forma, elas nos atrapalham quando tentamos entender e
solucionar o problema do sofrimento.
Digamos por exemplo, que você esteja meditando e apareça
uma sensação de raiva em relação à sua mãe. Imediatamente, a reação da mente
é de identificar a raiva como "minha" raiva, ou de dizer que "eu estou" com
raiva. Em seguida você elabora sobre a sensação, quer seja procurando
encaixá-la dentro do seu histórico de relacionamento com a sua mãe ou como
parte das suas idéias gerais sobre quando e onde a raiva em relação às
nossas mães podem ser justificadas. O problema com tudo isso, sob a
perspectiva do Buda, é que essas estórias e idéias causam muito sofrimento.
Quanto mais você se envolve nelas, mais você desvia a atenção de enxergar a
verdadeira causa do sofrimento: os rótulos de "eu" e "meu" que colocam todo
o processo em movimento. Como resultado, você não consegue encontrar a forma
de desemaranhar a causa e dar um fim ao sofrimento.
Se, no entanto, você conseguir adotar a modalidade vazio
- não agindo ou reagindo em relação à raiva, mas simplesmente observando-a
como uma série de eventos em si mesmos - você verá que a raiva está vazia de
qualquer coisa com a qual valha a pena se identificar ou possuir. A medida
que você domine a modalidade vazio com mais consistência, verá que essa
verdade não se aplica somente a emoções mais grosseiras como a raiva, mas
também, até para os eventos mais sutis na esfera da experiência. Esse é o
sentido de vazio em todas as coisas. Quando você enxergar isso, compreenderá
que rótulos como "eu" e "meu" são inadequados, desnecessários e que causam
nada além de estresse e sofrimento. Então você poderá abandoná-los. Quando
você os abandonar completamente, descobrirá uma forma de experiência ainda
mais profunda que é completamente livre.
Para obter domínio sobre a modalidade vazio de percepção
é necessário treinamento em sólida virtude, concentração e sabedoria. Sem
esse treinamento, a mente tende a ficar na modalidade que cria estórias e
idéias sobre o mundo. E sob a perspectiva dessa modalidade, o ensinamento
sobre o vazio soa simplesmente como mais uma estória ou idéia sobre o mundo,
com novas regras. Em relação à estória do seu relacionamento com a sua mãe,
parece estar dizendo que na verdade não existe uma mãe, nem você. Em relação
às suas idéias sobre o mundo, parece estar dizendo que, ou o mundo na
verdade não existe, ou que o vazio é o grande fundamento não diferenciado
dos seres, do qual todos viemos e para o qual algum dia todos retornaremos.
Essas interpretações não somente não atingem o
significado de vazio como também evitam que a mente adote a modalidade
adequada. Se o mundo e as pessoas na estória da sua vida realmente não
existem, então todas as ações e reações nessa estória são como uma
matemática de zeros e você irá se perguntar se existe alguma razão para a
prática da virtude. Se, por outro lado, você vê o vazio como o grande
fundamento não diferenciado dos seres para o qual todos iremos retornar,
então qual é a necessidade para o treinamento da mente em concentração e
sabedoria, já que todos chegaremos lá de todo jeito? E mesmo se precisarmos
de treinamento para regressar ao nosso fundamento dos seres, o que irá
evitar que escapemos dele e soframos novamente? Portanto, em todas essas
alternativas a idéia de treinar a mente parece ser fútil e sem sentido. Ao
focarmos na questão de se realmente existe ou não algo por detrás das
experiências, a mente fica tomada por assuntos que impedem-na de penetrar na
modalidade do momento presente.
Agora, as estórias e idéias sobre o mundo têm sua
utilidade. O Buda as empregou para ensinar as pessoas, mas ele nunca usou a
palavra vazio quando falava nessas modalidades. Ele contava a estória
das vidas das pessoas para mostrar como o sofrimento surgia das percepções
inábeis que estavam por trás das suas ações e como a libertação do
sofrimento pode surgir sendo mais perceptivo. E ele descreveu os princípios
básicos subjacentes ao ciclo de renascimentos para mostrar como as ações
intencionais inábeis e prejudiciais conduzem à dor dentro desse ciclo e como
as hábeis e benéficas conduzem ao prazer, enquanto que as ações deveras
hábeis podem conduzir à completa superação do ciclo. Em todos esses casos,
os ensinamentos têm como objetivo fazer com que as pessoas foquem na
qualidade das percepções e intenções da mente no presente momento - em
outras palavras, fazer com que elas entrem na modalidade vazio. Tendo
conseguido isso, elas podem usar os ensinamentos sobre o vazio para o
objetivo desejado: afrouxar todos os apegos a idéias, estórias e
pressuposições, deixando a mente vazia de todo desejo, raiva e delusão e
dessa forma vazia de sofrimento e estresse. E no final das contas, esse é o
vazio que realmente vale.
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Source : http://www.acessoaoinsight.net |
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