As Agendas da Atenção Plena [1] |
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O termo em Pali
para meditação é bhavana: desenvolvimento. Esse é um termo
taquigráfico para o desenvolvimento de qualidades hábeis na mente. Bhavana é
um tipo de karma – a atividade intencional que no final das contas conduz ao
fim de karma – mas ainda assim é karma. Este ponto é enfatizado por um outro
termo em Pali para a meditação: kammatthana, a tarefa em mãos; e por
uma expressão em Tailandês para meditação: “fazer um esforço.” Vale a pena
manter esses termos presentes na mente, para contrabalançar a concepção
usual de que a meditação é um exercício de inação ou de aceitação passiva,
universal. Na verdade, da forma como é descrita nos textos em Pali, a
meditação é um processo que envolve bastante iniciativa. Esta possui uma
agenda e se trabalha ativamente para realizá-la. Isso pode ser visto na
descrição em Pali sobre como a atenção plena correta é cultivada através de
satipatthana.
Satipatthana com
freqüência é traduzido como “fundamento da atenção plena,” o que dá a
impressão de que se refere a um objeto de meditação. Essa impressão é
reforçada quando você vê os quatro satipatthanas listados como corpo,
sensações, mente e objetos mentais. Mas se você olhar os textos, verá que
eles ensinam satipathana como um processo, um modo de estabelecer, (upatthana),
atenção plena, (sati): daí o termo composto. Quando os textos definem
esse composto, eles mencionam não uma lista de objetos, mas quatro fórmulas
que descrevem uma atividade.
Abaixo está a
primeira fórmula: Um meditador
permanece contemplando o corpo como um corpo, ardente, plenamente consciente
e com atenção plena, tendo colocado de lado a cobiça e o desprazer pelo
mundo.
Cada um dos
termos nesta fórmula é importante. “Permanece contemplando” também pode ser
traduzido como “mantendo o foco.” Isto se refere ao elemento de concentração
dentro da prática, quando você se atém a um tema em particular dentre os
fluxos conflitantes da experiência. “Ardente” se refere ao esforço que você
dedica à prática, tentando abandonar os estados mentais inábeis e
desenvolver estados hábeis no lugar destes, ao mesmo tempo que tenta
discernir a diferença entre os dois. “Plenamente consciente” ou alerta,
significa estar plenamente inteirado daquilo que está acontecendo no
presente. “Com atenção plena” significa ser capaz de se lembrar ou recordar.
Algumas vezes a atenção plena é traduzida como uma atenção não reativa,
isenta de agendas, simplesmente presente com qualquer coisa que surja, mas a
fórmula para satipatthana não endossa essa tradução. A atenção não reativa
faz parte na verdade da equanimidade, uma das muitas qualidades fomentadas
no processo de satipatthana, mas a ardência envolvida em satipatthana
definitivamente possui uma agenda, uma tarefa a ser feita, enquanto o papel
da atenção plena é manter essa tarefa presente na mente. A tarefa neste
caso é dupla: permanecer focado no fundamento e colocar de lado qualquer
cobiça ou desprazer que resultariam da transferência do fundamento de volta
para o mundo. Esse é o significado de “o corpo como um corpo.” Em outras
palavras, você tenta permanecer com a experiência do corpo tal como este é
sentido de imediato, sem referí-lo às narrativas e idéias que compõem a sua
noção do mundo. Você permanece afastado das histórias sobre como você se
relacionou com o seu corpo no passado e como espera se relacionar no futuro.
Você abandona toda e qualquer preocupação em relação a como o seu corpo se
encaixa no mundo em termos da sua beleza, agilidade ou força. Você
simplesmente sintoniza o corpo de acordo com as condições deste – a
experiência direta da respiração, dos movimentos, das posturas, das suas
propriedades elementares e da sua inevitável decadência. Dessa forma, você
aprende a desnudar as suas suposições sobre o que está ou não está por
detrás da sua experiência do corpo e obtém proficiência em relacionar tudo
com a própria experiência.
A mesma
abordagem se aplica aos demais tipos de satipatthana: focando nas sensações,
na mente e nos objetos mentais em si mesmos. À primeira vista, estes podem
parecer exercícios de meditação novos e diferentes, mas o Buda deixa claro
que todos podem estar centrados numa única prática: estar atento à
respiração. Quando a mente está com a respiração, todos os quatro
fundamentos estarão exatamente ali. A diferença está só na sutileza do seu
foco. Assim quando você desenvolveu a habilidade com o tipo de satipatthana
mais evidente, você não terá que se mover muito para se ocupar com os tipos
mais sutis. Permaneça simplesmente com a respiração e mova o seu foco para
as sensações e estados mentais que surgem ao estar atento à respiração e
para os objetos mentais que ou atrapalham, ou fortalecem o seu foco. Uma vez
que você tenha escolhido o seu fundamento, você o trata da mesma forma como
tem tratado o corpo: tomando-o como um fundamento em si mesmo, sem referí-lo
às histórias sobre você mesmo ou as suas idéias acerca do mundo. Você separa
as sensações – de prazer, dor, ou nem prazer, nem dor – das histórias com as
quais você normalmente as circunda. Você separa os estados de cobiça, raiva
e delusão dos seus pontos focais no mundo. Assim, você poderá vê-los como
eles realmente são.
No entanto, você
ainda tem uma agenda baseada na aspiração pela Iluminação - um desejo que o
Buda classificou não como uma causa para o sofrimento, mas como parte do
caminho que conduz ao fim deste. Isto se torna mais evidente no satipatthana
focado nos objetos mentais em si mesmos. Você se familiariza com as
qualidades inábeis que obstruem a concentração - tal como o desejo sensual,
a má vontade e a inquietação - não só pela experiência, mas também para
compreendê-los e poder eliminá-los. De modo semelhante, você se familiariza
com as qualidades hábeis que estimulam a sabedoria para poder desenvolvê-las
em sua plenitude até alcançar a libertação. Os textos chamam
essas qualidades hábeis de os sete fatores da Iluminação e mostram que a
prática de satipatthana tem como objetivo desenvolvê-los numa seqüência. O
primeiro fator é a atenção plena. O segundo é chamado “investigação dos
fenômenos”: a habilidade para distinguir as qualidades mentais hábeis das
inábeis, ver aquilo que pode ser aceito e aquilo que precisa ser mudado. O
terceiro fator é a energia – a energia para abandonar as qualidades inábeis
e em seu lugar estimular as qualidades hábeis. Os textos descrevem uma
variedade de métodos para serem usados nesse intento, mas todos eles se
resumem em dois tipos. Em alguns casos, uma qualidade inábil irá desaparecer
só de observá-la com diligência. Em outros casos, você terá que fazer um
esforço concentrado, tomar uma ação enérgica, necessária para contrapor uma
qualidade inábil e substituí-la por uma qualidade mais hábil.
À medida que as
qualidades hábeis forem assumindo o controle no seu íntimo, você verá que
embora o pensamento hábil conduza a ações não prejudiciais, mantê-lo por
longos períodos de tempo pode cansar a mente. Assim, você silencia os seus
pensamentos, o que desenvolve mais três dos fatores da iluminação: êxtase,
tranqüilidade e concentração. Eles proporcionam à mente uma base de bem
estar. O último fator é
a equanimidade e o seu posicionamento na lista é significativo. A sua
característica de passividade é plenamente apropriada apenas quando os
fatores mais ativos realizaram o que são capazes. Isso é verdade em todas as
listas nas quais a equanimidade é incluída. Ela nunca é mencionada sozinha,
como requisito suficiente para a Iluminação; e ela sempre ocorre ao final,
depois dos seis fatores antecedentes que constam da lista. Isso não
significa que a equanimidade supera os demais fatores, mas simplesmente que
ela se associa na interação deles. Ao invés de substituí-los, ela os
contrabalança, permitindo que você dê um passo atrás e veja níveis sutis de
sofrimento e desejo que os fatores anteriores possam ter obscurecido;
criando assim espaço para que esses fatores possam agir sobre os níveis
recém-descobertos. Apenas quando todos os níveis de sofrimento e desejo
tiverem sido eliminados, a tarefa de ambos os aspectos da meditação,
iniciativa e passividade, terá sido concluída. É nesse ponto que a mente
estará verdadeiramente livre de agendas. É como aprender
a tocar piano. À medida que você se torna mais competente, tocando com
grande habilidade, você também desenvolve sensibilidade para ouvir de forma
passiva, discernindo níveis cada vez mais sutis na música. E isso faz com
que você toque com maior habilidade ainda. Da mesma forma, à medida que você
se torna mais hábil no estabelecimento da atenção plena no fundamento que
escolheu, você obtém maior sensibilidade para remover as camadas cada vez
mais sutis do momento presente até que nada mais reste obstruindo o caminho
para a completa libertação.
Nota: [1] Agenda: Lista sumária, ou conjunto de questões ou assuntos a serem tratados (p. ex., em uma reunião deliberativa), ou de tarefas ou ações a serem realizadas (p. ex., em um plano ou empreendimento). [Retorna]
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Source : http://www.acessoaoinsight.net |
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